O Superior Tribunal de Justiça afronta o princípio da segurança jurídica ao aplicar nova jurisprudência, de forma retroativa, a processos que estavam em curso quando ainda vigorava antigo entendimento. Assim entendeu a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, pouco antes do recesso forense, ao impedir o STJ de fazer “mudanças bruscas” — no caso, alterar sem transição a contagem da prescrição tributária.
O STJ entendia que, quando determinado tributo é declarado inconstitucional pelo Supremo, o cálculo de prescrição para a repetição de indébito só começava a partir do trânsito em julgado dessa decisão. Em 2007, porém, o STJ passou a levar em conta o pagamento: o direito de pleitear o dinheiro de volta acaba em dez anos — cinco anos do fato gerador mais cinco da data da homologação tácita (REsp 435.835).
Esse entendimento começou a ser aplicado de imediato às ações já ajuizadas. Assim, vários contribuintes que já tinham casos em juízo e até decisões favoráveis nas instâncias ordinárias passaram a sofrer derrotas na corte superior.
A controvérsia chegou ao Supremo quando uma companhia de comércio exterior disse ter sido uma das prejudicadas. A empresa alega ser necessário calcular a prescrição de um crédito tributário a partir da declaração de inconstitucionalidade da cota de contribuição nas exportações de café, em 2004.
O julgamento no STF começou em 6 de março, quando o relator, ministro Gilmar Mendes, votou por rejeitar o recurso. Ele avaliou que o debate apresenta “viés nitidamente infraconstitucional, não sendo passível de análise em recurso extraordinário, uma vez que os marcos jurídicos para a contagem do prazo prescricional do direito do contribuinte estão dispostos na legislação tributária infraconstitucional”. O ministro Edson Fachin seguiu o entendimento do relator.
Gilmar disse ainda que até alguns anos atrás a empresa poderia ter chance de reverter a situação no Superior Tribunal de Justiça, até a corte mudar a jurisprudência para o sentido contrário.
“De fato, (…) o STJ inclinava-se em admitir que o prazo prescricional para efeito do ajuizamento da ação deveria ser contado a partir da declaração de inconstitucionalidade pelo STF”, disse.
Restrição a direitos
Venceu o voto-vista do ministro Dias Toffoli, que reconheceu a impossibilidade de se aplicar ao caso a orientação jurisprudencial do STJ. Ele disse que a aplicação imediata da nova tese às pretensões já ajuizadas em curso ofendeu o primado da segurança jurídica.
“É importante ter em mente que não se pleiteia, por meio da tese ora em discussão, a manutenção ad eternum do entendimento prevalecente na corte superior”, ressaltou. “O que se requer é que, com base diretamente no princípio da segurança jurídica, a mudança brusca da jurisprudência acerca do prazo prescricional não alcance a presente ação, a qual estava em curso na data do julgamento ou da publicação do acórdão (4/6/07)”.
Ainda segundo Toffoli, impedir os efeitos retrativos não exige “revolvimento fático-probatório para acolher-se a tese veiculada no presente extraordinário, mas, tão somente, a análise dos fatos incontroversos, votando, assim, pelo provimento do recurso”.
“A violação dos preceitos da confiança no tráfego jurídico e do acesso à Justiça — contidos no da segurança jurídica — em casos como o presente é objetivamente verificável, necessitando-se ter em vista apenas prazos e datas (que, no caso, são incontroversos) e a lógica jurídica que envolve a questão.”
Ao acompanhar a divergência, o ministro Ricardo Lewandowski sustentou que o Superior Tribunal de Justiça passou a aplicar essa nova orientação indistintamente, sem observar situações de contribuintes que haviam pautado seus comportamentos.
Lewandowski ainda afirmou que o processo judicial deve ser revestido de segurança jurídica a fim de assegurar direitos, resguardar comportamentos até então reconhecidos em conformidade com o direito e salvaguardar valores e princípios constitucionais.
“O STJ fez incidir a nova regra de prescrição tributária de forma retroativa em clara afronta ao princípio da segurança jurídica. Toda inflexão jurisprudencial que importe em restrição de direito dos cidadãos, como é o caso da definição do termo a quo para o prazo prescricional, deve observar para sua aplicação certa regra de transição para a produção de seus efeitos, levando em consideração os comportamentos tidos até então como legítimos porquanto praticado”, disse. O ministro Celso de Mello também concordou.
Lewandowski havia sugerido suspender o julgamento até o Plenário analisar tema semelhante na ADPF 248, mas ficou vencido nesse ponto.
Com a decisão, foi restabelecido o acórdão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região que reconheceu a legitimidade de ação proposta em 1999 para restituir a cota de contribuição nas exportações do café, tendo em vista que o STF declarou a inconstitucionalidade do referido tributo em 1997, termo inicial da contagem do prazo prescricional.
Impacto
Para o especialista em Direito Tributário Igor Mauler, o precedente representa um “marco na garantia da segurança jurídica e deve ser considerado pelas outras instâncias e pelo Carf [Conselho Administrativo de Recursos Fiscais], sobretudo neste momento em que se discute a aplicação dos arts. 23 e 24 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro em matéria tributária”.
O artigo 23 da Lindb determina que a decisão administrativa, controladora ou judicial que estabelecer interpretação ou orientação nova deverá prever regime de transição.
Já o artigo 24 afirma que a revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas.
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ARE 951.533
Gabriela Coelho é repórter da revista Consultor Jurídico
Revista Consultor Jurídico, 7 de julho de 2018.
https://www.conjur.com.br/2018-jul-07/tese-stj-nao-retroagir-acoes-curso-stf