A neutralidade tributária constitui um importante princípio da tributação moderna, traduzindo a noção de que os tributos não devem influenciar as tomadas de decisões negociais dos contribuintes. Dividindo-se em duas noções distintas, a neutralidade horizontal e a neutralidade vertical, essa última constitui-se como princípio regente dos tributos plurifásicos não cumulativos. Muito embora a neutralidade vertical possa ser moderadamente mitigada por normas jurídicas que a regulamentam, as restrições que lhe são impostas não devem chegar ao cúmulo de obstar seu objetivo fundamental: o de impedir a cumulatividade tributária e a assunção pelo contribuinte de direito do encargo de suportar a cobrança da exação. Entretanto, esse é o caso do Brasil, onde a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal construída desde o Imposto de Consumo vem dando ao conceito de produtos intermediários tratamento próprio aos bens alheios à atividade dos contribuintes, chegando ao ponto de vedar o crédito de ICM/ICMS sobre produtos que constituem legítimos insumos da indústria, mas principalmente das atividades comercial e de prestação de serviços. A partir de uma análise crítica desse cenário, o escopo do presente trabalho é verificar se a neutralidade vertical tem sido observada pela jurisprudência do STF no que concerne ao direito à dedução de créditos de ICMS relativos à aquisição de bens intermediários. A questão a que se pretende responder pode ser sintetizada na seguinte pergunta: A jurisprudência do STF acerca do direito à dedução de créditos de ICMS relativos à aquisição de bens intermediários está de acordo com o princípio da neutralidade vertical? O texto será estruturado em cinco partes, sendo a primeira este introito. No segundo tópico, apresentar-se-á a ligação entre o IVA e a neutralidade fiscal, demonstrando a sua conexão intrínseca. No terceiro, o valor neutralidade será analisado sob o prisma econômico, relevante, mas não determinante para a definição do seu conteúdo jurídico. Como será visto, em que pese o direito construir suas próprias realidades, o cariz neutro da tributação é premissa econômica que se pretendeu transplantar para o mundo do direito. Nesse contexto, a dicotomia entre neutralidade horizontal (isonomia) e vertical (assecuratória do direito ao crédito no IVA) será analisada, a bem da clareza conceitual. O quarto item cuidará dos aspectos relacionados à neutralidade na tributação não cumulativa de ICMS, especificamente no que concerne aos créditos sobre bens intermediários. Por fim, serão apresentadas as conclusões, nas quais se constata que a jurisprudência do STF, por meio de interpretação analógica da forma de creditamento do IPI, exige que o bem intermediário seja imediatamente consumido para que seja reconhecido o direito de deduzir o ICMS sobre ele incidente. Tal interpretação é adotada pelo Supremo até mesmo nas hipóteses em que não há industrialização de nenhum produto, exigência essa incompatível com os IVAs e decorrente de um vetusto equívoco hermenêutico que pode e deve ser corrigido.
André Mendes Moreira é Doutor em Direito Tributário pela USP, onde fez Residência Pós-Doutoral. Mestre em Direito Tributário pela UFMG. Diretor da ABRADT. Professor Adjunto de Direito Tributário dos cursos de Graduação, Mestrado e Doutorado da Faculdade de Direito da UFMG. Advogado e Consultor Tributário.