A não incidência de ITBI prevista pelo artigo 156, parágrafo 2º, II da Constituição Federal de 1988 gera constantemente controvérsias nos tribunais quando uma pessoa jurídica recém-constituída ou inativa incorpora imóvel para integralizar capital social e permanece inativa nos três anos seguintes à incorporação[1][2][3][4][5][6]. A controvérsia se daria a respeito da interpretação de tal artigo da Constituição, bem como do artigo 37 do Código Tributário Nacional.
Segundo o artigo 156, parágrafo 2º, II da CF, não incide ITBI sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988
Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: (…)
§ 2º O imposto previsto no inciso II:
I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.
Ou seja, não incide ITBI em caso de incorporação de imóvel ao capital social, salvo se a incorporadora exercer atividade preponderantemente imobiliária ou de arrendamento mercantil.
Esse artigo é regulamentado pelo Código Tributário Nacional, que determina que, no caso de pessoas jurídicas recentemente constituídas ou inativas, a preponderância de atividade imobiliária ou arrendamento mercantil será verificada nos três anos após a aquisição do imóvel.
LEI Nº 5.172, DE 25 DE OUTUBRO DE 1966
Art. 37. O disposto no artigo anterior não se aplica quando a pessoa jurídica adquirente tenha como atividade preponderante a venda ou locação de propriedade imobiliária ou a cessão de direitos relativos à sua aquisição. (…)
§ 2º Se a pessoa jurídica adquirente iniciar suas atividades após a aquisição, ou menos de 2 (dois) anos antes dela, apurar-se-á a preponderância referida no parágrafo anterior levando em conta os 3 (três) primeiros anos seguintes à data da aquisição.
A interpretação literal da Constituição e do Código Tributário Nacional, portanto, indica claramente que o ITBI não incide sobre a incorporação de imóvel ao capital social de pessoa jurídica recém-constituída ou inativa que permanece inativa nos três anos seguintes à incorporação. As exceções ao reconhecimento da não incidência estão claras na legislação, mas as municipalidades estão criando uma nova exceção, não prevista na legislação: o caso de inatividade do contribuinte nos três anos seguintes à incorporação.
Tal nova exceção criada pela municipalidade não possui fundamento legal ou constitucional, sendo mero inconformismo fazendário ao negar-se a aplicação de uma regra de não incidência prevista na legislação, que gera um benefício para o contribuinte. A interpretação literal do Código Tributário Nacional pode ser perfeitamente aplicada ao caso, que atingirá todos os objetivos constitucionais da regra de não incidência constitucionalmente qualificada.
Não se poderia tolerar um lançamento de ITBI sem fundamento legal, posto que os critérios para aplicação da não incidência são claros, sendo esta uma operação societária que não acarreta na ocorrência do fato gerador do ITBI.
É importante que se lembre, ainda, que a finalidade das restrições a não incidência de ITBI que envolvam operações societárias relacionadas ao mercado imobiliário têm como objetivo evitar a elisão fiscal, sendo o artigo 37 do CTN uma regra de fiscalização criada pelo Código Tributário Nacional suficiente para atingir tal objetivo, podendo ser alterada caso o Congresso Nacional considere necessário.
Por fim, ressalte-se que causa preocupação os lançamentos de ITBI sobre pessoas jurídicas inativas especialmente no setor da construção civil, que não deve ser confundido com a mera compra e venda de imóveis. A incorporação de imóveis é atividade distinta, devendo ser aberto debate para que a regra de não incidência seja aplicável aos incorporadores, que inclusive possuem tratamento diferenciado na Receita Federal e CNAE específico, pois se trata de compra e venda com edificação, atividade diferente da mera compra e venda de imóveis, não sendo o objetivo constitucional fazer tais construtores pagarem o ITBI na situação em análise, já que o afastamento da não incidência visa acabar com negociatas societárias com o mero intuito de não pagar tributos, situação diferente.
[1] TJRJ. 10ª Câmara Cível. Apelação Cível nº 0013926-55.2014.8.19.0001. Rel. Des. Lindolpho Morais Marinho. Julgamento em 21/05/2019.
[2] TJRJ. 6ª Câmara Cível. Apelação Cível nº 0335640-95.2014.8.19.0001. Rel. Des. Nagib Slaibi. Julgamento em 15/05/2019.
[3] TJRJ. 17ª Câmara Cível. Agravo de Instrumento nº 0042593-15.2018.8.19.0000. Rel. Des. Wagner Cinelli de Paula Freitas. Julgamento em 19/09/ 2018.
[4] TJRJ. 23ª Câmara Cível. Apelação Cível nº 0439984-93.2015.8.19.0001. Rel. Des. Marcos André Chut. Julgamento em 15/08/2018.
[5] TJRJ. 1ª Câmara Cível. Apelação Cível e Reexame Necessário nº. 0083124-48.2015.8.19.0001. Rel. Des. Custódio de Barros Tostes. Julgamento em 14/10/2017.
[6] TJRJ. 20ª Câmara Cível. Apelação Cível nº 0152588-96.2014.8.19.0001. Rel. Des. Mônica Sardas. Julgamento em 09/11/2016.
Por Pedro Augusto de Almeida Mosqueira
Pedro Augusto de Almeida Mosqueira é advogado, especialista em Direito Financeiro e Tributário e bacharel em Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF).
Revista Consultor Jurídico, 19 de julho de 2019.
https://www.conjur.com.br/2019-jul-19/pedro-mosqueira-nao-incidencia-itbigera-controversias