Muito embora já tenha o Supremo Tribunal Federal (STF) decidido ser inconstitucional a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins, em repercussão geral, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), contrariando as diretrizes de combate a litigiosidade do novo Código de Processo Civil (CPC), tem evitado a todo custo o trânsito em julgado de decisões favoráveis aos contribuintes, defendendo a suspensão dos processos sobre o tema.
O principal argumento da PGFN seria a pendência de seus embargos de declaração, que, dentre outros pontos, requer a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade.
Em que pese essa reprovável conduta processual, fato é que os processos envolvendo o assunto tem tramitado normalmente perante os tribunais, o que demonstra um respeito à autoridade da decisão proferida pelo STF. Inclusive, já há decisões transitadas em julgado.
As decisões sobre exclusão do ICMS do cálculo do PIS/Cofins, transitadas em julgado, não poderão ser rescindidas pela PGFN
Contudo, há ainda um “fantasma” assombrando os contribuintes. Segundo o entendimento da PGFN, há processos sendo finalizados por esgotamento das vias recursais, o que poderia resultar na banalização da ação rescisória, supostamente cabível caso o STF decida por modular os efeitos da sua decisão.
E essa preocupação – ajuizamento de ações rescisórias pela PGFN – foi externada no Ofício-Circular/CVM/SNC/SEP/ nº 01, de 2019. Contudo, perfilamos do entendimento de que as decisões sobre o assunto, já transitadas em julgado até o momento, não poderão ser rescindidas pela PGFN.
Com efeito, o parágrafo 12 do artigo 525 do CPC de 2015 dispõe que “considera-se também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso”.
O parágrafo 13 do mesmo artigo, por sua vez, passou a prever que “os efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal poderão ser modulados no tempo, em atenção à segurança jurídica”.
Até aqui, parece-nos que não há grandes discussões, pois referidos parágrafos apenas estão vedando a exigência de obrigações já declaradas inconstitucionais pelo STF (parágrafo 12) e positivando, agora também no CPC de 2015, a possibilidade de modulação das suas decisões, em observância à segurança jurídica (parágrafo 13).
Já o parágrafo 14 do artigo 525 do CPC de 2015 determina ser inexequível uma obrigação quando, anteriormente, o STF já havia declarado sua inconstitucionalidade.
O parágrafo 15, por outro lado, dispõe que se a declaração de inconstitucionalidade do STF ocorrer em momento posterior ao trânsito em julgado da decisão exequenda, caberá, então, a ação rescisória, “cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal”.
Entendemos que referido parágrafo 15, unicamente, assegurou o direito do jurisdicionado, mesmo com decisão transitada em julgado desfavorável, rescindi-la quando, posteriormente, o STF entender inconstitucional a obrigação.
Note-se que o parágrafo 15 permite o ajuizamento de ação rescisória justamente para que determinado jurisdicionado não suporte o ônus de uma obrigação posteriormente declarada inconstitucional pelo STF. A ratio do dispositivo, ao que nos parece, é preservar a autoridade das declarações de inconstitucionalidade do STF.
Assim, sob a ótica dos parágrafos do artigo 525 do CPC de 2015, considerando o tema envolvendo a indevida inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins, já assim entendida pelo STF, parece-nos óbvio o não cabimento de ações rescisórias pela PGFN, pois tal ação seria contrária à declaração de inconstitucionalidade do próprio STF.
Quanto ao cabimento de ações rescisórias para questionar as recentes decisões que já estão transitando em julgado, caso o STF, futuramente, decida por modular os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, entendemos, igualmente, pela sua inviabilidade jurídica.
Isso porque, os parágrafos do artigo 525 do CPC de 2015 em momento algum preveem o cabimento da rescisória para uma suposta adequação da decisão a ser rescindida aos efeitos de eventual modulação. De fato, como já dito, a ação rescisória visa adequar a decisão a ser rescindida com a declaração de inconstitucionalidade da norma jurídica, mas não com seus eventuais efeitos prospectivos.
Realmente, defender o cabimento de ações rescisórias para atacar decisões judiciais que transitaram em julgado quando o STF ainda sequer havia analisado eventual modulação, seria, em nosso sentir, atentar contra a segurança jurídica. Ora, como bem leciona Guilherme Marinoni, se nem mesmo é admitida a “utilização da ação rescisória nos casos em que exista divergência sobre a interpretação estabelecida na sentença, sob pena de desestabilizar-se toda a ordem e segurança jurídicas” (Manual do Processo de Conhecimento. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. 3ª Ed. p. 99), com muito mais razão não há como admitir, como cogita a PGFN, o seu manejo para uma suposta adequação aos efeitos da modulação que, à época do trânsito em julgado, não havia sequer sido objeto de deliberação pelo STF.
Portanto, e sem o intuito se exaurir o assunto, entendemos não ser cabível o manejo da ação rescisória, como sondado pela PGFN, para rescindir decisões judiciais já transitadas em julgado caso o STF venha a modular os efeitos da declaração de inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins.
Por Julio M. de Oliveira e Eduardo Amirabile de Melo
Julio M. de Oliveira e Eduardo Amirabile de Melo são sócios da área tributária do escritório Machado Associados
Fonte : Valor-25/03/2019