Empresa no lucro real não precisa mais de ação de cobrança para abatimento de créditos.
Uma alteração em lei tributária de 1996 vai facilitar a dedução, pelo contribuinte, de dívidas de difícil recuperação da base de cálculo do Imposto de Renda (IRPJ) e da CSLL. A medida vale para empresas no lucro real, com faturamento anual acima de R$ 78 milhões, que não terão mais a obrigação de ajuizar ação de cobrança para fazer posteriormente o abatimento e reduzir a tributação. Bastará agora protestar o débito em cartório.
A mudança veio com a edição da Lei nº 14.043, de agosto, que institui o Programa Emergencial de Suporte a Empregos. A norma alterou o artigo 9ª da Lei nº 9.430, de 1996, e alcança dívidas sem garantia de mais de R$ 100 mil ou com garantia, vencidas há mais de dois anos, de mais de R$ 50 mil.
A medida traz grande impacto para os bancos, que lidam com muita inadimplência e pagam cerca de 45% de Imposto de Renda e CSLL. O Banco do Brasil, por exemplo, estima reduzir em 30% a média de 40 mil ações de cobrança que até então levava anualmente ao Judiciário.
“Todas as empresas no mercado financeiro têm um estoque razoável de processos judiciais”, afirma Lucinéia Possar, diretora jurídica do Banco do Brasil. Ela prevê economia com a redução da judicialização. “Haverá diminuição de despesas operacionais em todo o mercado financeiro. Continuamos cobrando o nosso crédito, mas agora com uma nova opção e eficiência operacional.”
O número total de ações no país deve cair com a medida, segundo advogados. O Brasil fechou 2019 com cerca de 77 milhões de processos em tramitação, conforme o relatório Justiça em Números 2020, divulgado recentemente pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
“As empresas passavam um nervoso enorme com dívidas que sabem que não vão receber”, afirma Flávio Sanches, sócio do escritório CSMV Advogados. A possibilidade de protestar, acrescenta, desburocratiza porque elimina a necessidade de advogado, ir à Justiça e pagar custas. “Simplifica. Você não precisa de uma ação de faz de conta, que precisa manter por cinco anos.”
De acordo com João Alves, responsável pela Área de Desjudicialização do Banco do Brasil, o protesto dispensa uma série de operações internas, como juntada de documentos e petições. “Como empresa e docente, comemoramos que a lei tirou o incentivo à judicialização. Isso reduz o custo Brasil”, afirma.
O protesto já era permitido para a recuperação de créditos, mas não possibilitava, pela regras antigas, a dedução fiscal. Por isso, muitas empresas nem levavam a medida em consideração e partiam diretamente para o Judiciário.
“O legislador está colaborando para reduzir o volume de ações judiciais”, afirma o advogado Leandro Cabral e Silva, sócio do escritório Velloza Advogados. Ele acrescenta que as empresas da área financeira acabavam tendo que lidar com muitas ações judiciais e o protesto facilita o cumprimento do requisito para retirada da base de tributação.
Ainda segundo o advogado, a possibilidade de dedução dos valores neutraliza a cobrança. “A empresa não recebeu, de fato, então tem que tirar da base”, diz. Ele acrescenta que não é fácil gerenciar o cumprimento dos requisitos para o abatimento. Existem casos no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), afirma, em que a Receita mantém a tributação por causa do descumprimento das regras. “O principal requisito exigido era ter a ação judicial para cobrança.”
O advogado pondera que o texto limita às perdas ocorridas após outubro de 2014 e não deveria haver tratamento diferenciado. “Isso deixa uma complexidade no tratamento de perdas porque para as de antes de 2014 precisam da ação judicial”, diz. “Já existe dúvida no mercado se seria possível utilizar o protesto nas dívidas anteriores.”
Com a antiga necessidade de ações judiciais, afirma Silva, era preciso ter alguém na empresa para controlar o cumprimento dos requisitos exigidos – ver se há garantia na ação, há quanto tempo o débito está vencido etc. “Manter processo de cobrança fora do Judiciário é muito mais prático”, diz.
A mudança “facilita para todo mundo”, afirma Edison Fernandes, sócio do escritório FF Advogados. Facilita especialmente porque, por conta da pandemia, ocorreu muita inadimplência, segundo o advogado. “Muitas empresas ingressavam com a execução judicial dos títulos só para deduzir o valor do IRPJ e da CSLL e, muitas vezes, sem nem saber onde estava o devedor.”
A nova regra, de acordo com o advogado Breno Vasconcelos, sócio do escritório Mannrich Vasconcelos, será adotada por muitas empresas que estão no regime do lucro real, “ainda mais agora na pandemia, com o recorde de falências que temos”.
Já era possível protestar, acrescenta, mas a prática não tinha efeito sobre a base do IRPJ e da CSLL. “É uma mudança procedimental. Não é preciso mais contratar advogado, ajuizar ações e pagar custas. Há uma economia no procedimento para reconhecer essas perdas”, diz. “Para protestar, basta apresentar título em cartório e registrar. A própria empresa pode fazer isso.”
FONTE: Valor Econômico – Por Beatriz Olivon — De Brasília, 17 de setembro de 2020