O Ministério Público do Trabalho (MPT) emitiu uma nota técnica que caracteriza a covid-19 como doença ocupacional. Pelo documento, médicos do trabalho deverão solicitar às empresas a emissão de Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) para funcionários diagnosticado com a doença e também para os considerados suspeitos – que tiveram contato com algum infectado, mas estão sem sintomas.
Advogados ouvidos pelo Valor, porém, orientam seus clientes a não emitir o documento porque seria uma forma de reconhecer a doença como acidente de trabalho. “É um absurdo essa nota técnica”, afirma o advogado Jorge Matsumoto, sócio da área trabalhista do Bichara Advogados. Para ele, não se poderia presumir que a covid foi contraída no trabalho.
A nota técnica, de nº 20, foi elaborada recentemente pelo grupo de trabalho sobre a covid-19. O texto serve como orientação interna, para procuradores, e também externa. Mas sua adoção não é obrigatória, diz o procurador Luciano Leivas, vice coordenador nacional de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho (Codemat).
De acordo com Leivas, a nota é baseada na interpretação do órgão sobre a legislação brasileira e nas normas internacionais que tratam da pandemia no ambiente de trabalho. Para ele, o parágrafo 2º do artigo 20 da Lei nº 8213, de 1991, dá margem para que a covid-19 seja enquadrada como acidente, “nos casos em que a situação do trabalho for fator contributivo para que o trabalhador adoeça”.
Diante do adoecimento ou de casos suspeitos as empresas são obrigadas a notificar a Previdência Social, por meio de CAT, segundo o procurador, como dispõe o artigo 169 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Na nota técnica, essa previsão está no item 8.
“Isso é uma obrigação legal da empresa. Mas a emissão do CAT por si só não reconhece que se trata de um acidente de trabalho. A perícia médica do INSS é quem tem a competência para dizer. Na Previdência será feita essa análise”, afirma Leivas.
Advogados entendem, porém, que emissão da CAT seria a admissão de que a doença foi adquirida no ambiente de trabalho, o que pode trazer consequências jurídicas e previdenciárias. O funcionário que for afastado pela Previdência Social por mais de 15 dias e que receber auxílio-doença, por exemplo, terá direito à estabilidade de um ano. O trabalhador ainda poderá pedir danos morais e materiais por ter adquirido doença decorrente do trabalho.
A medida também poderá trazer impacto no pagamento de contribuições previdenciárias. Com aumento do número de acidentes de trabalho, as empresas correm o risco de terem alíquota maior de Riscos Ambiental do Trabalho (RAT) – a nova denominação do Seguro Acidente do Trabalho (SAT).
Para advogados, as companhias não são obrigadas a emitir CAT para covid, até porque a doença não consta expressamente na lei. “A covid só pode ser presumida como doença ocupacional para trabalhadores de laboratórios ou hospitais, que podem estar em constante contato com o vírus”, diz o advogado Fabio Medeiros, do Lobo De Rizzo Advogados. Ele acrescenta que, para demais setores, não há como afirmar que o funcionário pegou a doença no trabalho.
A advogada Juliana Bracks, do Bracks Advogados, também tem recomendado aos seus clientes que não emitam a CAT. “Sou totalmente contra a emissão indiscriminada de CAT. Até quem está recluso dentro de casa está pegando covid. Jamais podemos afirmar com segurança que foi uma doença ocupacional”, diz.
A depender do número de CATs emitidas ou de denúncias de empregados ou grupo de empregados pode ser aberta uma fiscalização para verificar se a companhia tem cumprido todos os protocolos de saúde, segundo o procurador Luciano Leivas. Caso haja descumprimento, tenta-se um acordo e, em último caso, ajuiza-se ação por danos morais coletivos. “Existem cidades pequenas, em que trabalhadores de uma única indústria podem colocar todo o sistema de saúde em colapso.”
Já na área previdenciária, o advogado Pedro Ackel, do escritório WFaria, afirma que a abertura da CAT incluindo casos suspeitos “pode gerar uma distorção de todos os dados estatísticos e epidemiológicos e isso vai trazer complicações para as empresas, incluindo, lá na frente, esse impacto no cálculo do RAT”.
A consideração da covid como doença do trabalho já teve idas e vindas. Em abril, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou o artigo 29 da Medida Provisória nº 927. O dispositivo dizia que a doença não poderia ser classificada como ocupacional – dando margem para interpretação em sentido contrário.
Em setembro, o próprio Ministério da Saúde editou a Portaria nº 2.309, que considerava a covid-19 como doença do trabalho. Contudo, poucos dias depois cancelou a norma, com a edição da Portaria nº 2.345.
FONTE: Valor Econômico – Por Adriana Aguiar, Beatriz Olivon e Joice Bacelo — De São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro
10/12/2020