O Supremo Tribunal Federal (STF) retorna do recesso, na semana que vem, com a promessa de julgar, neste semestre, pelo menos dez processos tributários importantes para o mercado. Três deles, que tratam de disputas travadas entre os contribuintes e a União, podem custar aos cofres públicos R$ 26,5 bilhões – no pior cenário para o governo, se perder a ação e tiver que devolver o que recebeu nos últimos cinco anos.
Uma das brigas mais valiosas envolve a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide). O impacto, segundo consta na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), pode chegar a R$ 17,7 bilhões. Nos outros dois casos bilionários se discute a cobrança de PIS e Cofins sobre a receita gerada com a locação de imóveis e a contribuição ao Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), que incide sobre a receita bruta do produtor rural.
Os ministros vão decidir, em relação à Cide, se pode ser cobrada sobre valores enviados ao exterior como pagamento por contratos de licença de uso de software. As empresas, hoje, têm que deixar na mesa, para a União, 10% do montante.
Esse julgamento interessa a qualquer empresa que adquire tecnologia no exterior – as pequenas que compram software e também as grandes que adquirem licenças ou integram grupos econômicos.
O processo que será julgado pelo STF foi ajuizado pela Scania Latin America. A companhia contesta acórdão do Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região, com sede em São Paulo, que decidiu pela cobrança da Cide sobre remessas decorrentes de contrato de compartilhamento de custos (cost sharing) – referente à pesquisa de desenvolvimento – que foi assinado com a matriz estrangeira, localizada na Suécia.
Esse caso será um dos últimos do semestre. Está pautado para 24 de junho (RE 928943). “É muito importante. Tem bastante dinheiro envolvido”, afirma Priscila Faricelli, do escritório Demarest. “A Constituição diz que a arrecadação precisa ter destinação exclusiva e uma das alegações do contribuinte é que se criou a contribuição, mas não o fundo para destinar a arrecadação corretamente.”
Também para o mês de junho estão previstos outros dois julgamentos importantes. São duas ações diretas de inconstitucionalidade – essas sem impacto estimado na LDO. A ADI 6055, prevista para o dia 2, tem como autora a Confederação Nacional da Indústria (CNI). A entidade tenta impedir que as alíquotas do Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras (Reintegra) sejam livremente reduzidas pelo governo.
O Reintegra foi criado em 2011, por meio da Lei nº 12.546, com o objetivo de ressarcir os custos das exportadoras. As companhias, em razão desse regime, têm direito a um crédito tributário que é calculado sobre a receita auferida com as exportações.
A ação da CNI foi movida pouco depois da greve dos caminhoneiros que ocorreu no ano de 2018. Para cobrir as despesas geradas com o acordo firmado com a categoria, o governo reduziu o crédito do Reintegra – antes variava entre 0,1% e 3% e depois foi fixado entre 0,1% e 2%.
O julgamento da outra ADI (4397) está marcado para o dia 17 de junho. A Associação Brasileira de Empresas de Refeições Coletivas (Aberc) questiona a aplicação do Fator Acidentário de Prevenção (FAP).
Esse índice é usado para calcular o valor que uma empresa precisa pagar para cobrir os custos da Previdência Social com vítimas de acidentes de trabalho ou doenças ocupacionais. Pode reduzir ou aumentar – dependendo de cada caso – a alíquota dos Riscos Ambientais do Trabalho (RAT), um seguro contra acidentes, que varia entre 1% e 3% sobre a folha de salários.
Já um outro julgamento, previsto para abril, pode custar até R$ 5,6 bilhões aos cofres públicos. Os ministros vão decidir se há incidência de PIS e Cofins sobre as receitas decorrentes de locação de imóveis. Esse tema será julgado por meio de um recurso da União contra decisão do TRF da 3ª Região que liberou do pagamento uma indústria de São Paulo (RE 599658).
Esse caso está previsto para ir a plenário no dia 15 de abril. Na semana anterior, dia 8, os ministros julgarão um tema semelhante: a cobrança de PIS e Cofins sobre locação de bens móveis (RE 659412). “A diferença entre os dois casos é só o objeto”, diz Leonardo Augusto Andrade, do escritório Velloza.
Ele afirma que esses dois temas podem ser considerados como “teses filhotes” do processo que tratou sobre o alargamento da base das contribuições. “Os ministros, em 2005, afastaram esse alargamento. Disseram que faturamento equivale à receita da venda de bens ou de prestação de serviços. Só que algumas questões não foram resolvidas. Entre elas, a locação, que não se identifica nem com a venda de mercadorias nem com a prestação de serviços”, diz.
Também no mês de abril, dia 22, os ministros devem se debruçar sobre mais um capítulo do Funrural. Vão decidir sobre uma ação (ADI 4395) proposta pela Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo). A entidade questiona a possibilidade de o Fisco cobrar das empresas os valores que são devidos pelos agropecuaristas, pessoas físicas fornecedores de seus associados, a título de contribuição previdenciária.
“As leis não trataram da sub-rogação”, diz o advogado Fábio Calcini, sócio do Brasil, Salomão e Matthes. Esse julgamento, acrescenta, é importante principalmente em relação ao período passado. “Muitas empresas acabaram deixando de reter esses valores do produtor rural por força de liminar ou mesmo por entender que o Funrural era inconstitucional e, com isso, sofreram várias autuações.”
Esse tema interessa aos frigoríficos e também à indústria alimentícia como um todo, segundo Calcini. O desfecho depende somente do voto do ministro Dias Toffoli. Esse julgamento teve início, no plenário virtual, em maio do ano passado. Dez ministros se posicionaram na plataforma: cinco contra e cinco favoráveis à ADI.
Em maio, no dia 12, haverá um outro julgamento de interesse para o agronegócio. Os ministros vão decidir sobre a constitucionalidade da contribuição ao Senar – cobrada sobre a receita bruta do produtor rural pessoa física, com alíquota de 0,2% (RE 816830).
Essa discussão, segundo consta na LDO, pode ter impacto de R$ 3,2 bilhões se a União tiver que devolver os valores que foram pagos pelos produtores nos últimos cinco anos.
Esses processos – e outros envolvendo tributos estaduais (leia mais abaixo) – foram indicados pelo presidente da Corte, o ministro Luiz Fux, para ir à votação no Plenário do STF. Os julgamentos, em razão pandemia, têm sido realizados por meio de videoconferência.
“Podemos dizer que as discussões tributárias estão voltando para o Plenário. Era algo que advocacia estava pedindo muito. Não queríamos que ficasse somente no virtual”, diz Tiago Conde, sócio do escritório Sacha Calmon.
O STF julgou, em 2020, muitos casos tributários – como nunca antes em sua história. Mas a maioria foi analisada no Plenário Virtual. Os ministros aprovaram uma mudança no regimento interno logo no começo da pandemia, em março, e passaram a permitir, então, o julgamento de processos com repercussão geral nesse ambiente.
Advogados reclamam que há prejuízos. Os debates entre os ministros ficam prejudicados e os advogados, eles dizem, não têm ampla participação – diferentemente do que ocorre nos julgamentos presenciais.
FONTE: Valor Econômico – Por Joice Bacelo, 27/01/2021.