Ministro do STJ defende aperfeiçoamento do sistema de precedentes e modulações
23 de setembro de 2024
Durante o evento Diálogos Tributários, do JOTA, Gurgel de Faria não descartou a possibilidade de a reforma tributária gerar uma “explosão” de casos na Corte
O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Gurgel de Faria defende que, para garantir a segurança jurídica no Brasil, é essencial aprimorar o sistema de precedentes. Para o magistrado, as Cortes superiores precisam, por exemplo, refletir sobre os termos fixados nas modulações de efeitos, como forma de evitar um estímulo à judicialização.
A declaração foi dada durante o evento Diálogos Tributários, promovido pelo JOTA , na quinta-feira (20/9). Faria, que integra a 1ª Turma e a 1ª Seção do STJ, destinadas ao julgamento de casos de Direito Público, ainda falou sobre os impactos da reforma tributária no tribunal, com o possível aumento de processos destinados à Corte, as mudanças do plenário virtual e a importância do filtro de relevância.
O magistrado explica que, apesar de o sistema de precedentes existir há séculos, sua discussão no país começou com a repercussão geral do Supremo Tribunal Federal (STF). Por meio do instituto, a Corte elege precedentes e fixa teses, que deverão necessariamente ser observadas pelas demais instâncias em casos idênticos. Só em 2015, porém, com o novo Código de Processo Civil, o Brasil “mergulhou” na implementação do sistema de precedentes.
“Temos que lutar pela segurança jurídica. Eu confio muito no sistema de precedentes, mas ele está em formação e a gente tem que ir aperfeiçoando”, disse.
Um exemplo de aperfeiçoamento necessário, para Faria, diz respeito à modulação. O ministro apontou a modulação como relevante, mas considerou que é preciso haver mudanças para não incentivar a litigância. Por meio do instituto, os tribunais superiores podem alterar o momento a partir do qual passarão a ter efeitos as suas decisões, possibilitando, por exemplo, que um posicionamento valha a partir da data em que a Corte o tomou.
O ministro sugeriu que, nos casos em que a decisão tenha efeitos ex nunc , ou seja, produza efeitos “para frente”, o marco inicial da modulação seja a data de afetação do caso como repetitivo ou repercussão geral. A modulação estabelecida a partir da data do julgado, ressalvando os contribuintes que estão discutindo o tema na Justiça ou na esfera administrativa, gera críticas de um possível estímulo à judicialização.
“Ao invés de diminuir a litigância, você está estimulando a litigância. Um dos critérios que eu já li e que eventualmente pode ser adotado, até para ter mais justiça, é, se vier a modular, fixar não a data do julgado, mas a data de afetação. Quem entrou até aquela data, ótimo, para quem entrou depois não iria valer. Não é o melhor critério, mas é um dos critérios. Os que estão sendo usados agora estão estimulando essa litigância”, disse, ao citar que após a Tese do Século, o número de processos ajuizados foi maior do que o registrado antes do julgamento. A Tese do Século foi a decisão do STF, em 2017, que definiu que o ICMS não entra na base de cálculo do PIS e da Cofins.
“O STJ, precisa, assim como o STF, amadurecer esse tópico da modulação, especialmente os critérios que vamos fixar para ela valer”, afirmou.
Filtro de relevância
O magistrado ainda destacou a importância da implementação do filtro de relevância pelo STJ. A mudança, que está na Constituição mas ainda não foi regulamentada, obriga as partes a demonstrarem a relevância das questões tratadas no processo, sob pena de não conhecimento do recurso especial. Segundo Faria, a Corte deve adotar um modelo semelhante ao utilizado pelo STF. O tema já foi submetido ao Congresso, que tem como desafio encontrar um consenso entre o que defende a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o STJ.
“A condição de relevância é necessária, e ela tem que formar precedentes. No caso, a gente precisa e tem conversado com a OAB para tentar chegar a um determinado consenso. O que a gente pensa é fazer mais ou menos o modelo do STF. Eu acho que, como a gente está se espelhando no modelo do STF, a tendência pode vir a ser a de passar a ter a condição de relevância e o repetitivo ser desnecessário”, afirmou.
O tema é fruto de amplo consenso entre os ministros do STJ. Em 12 de setembro, durante homenagem organizada pelo grupo Amigas da Corte, voltado para o estímulo à participação feminina nas cortes superiores, a presidente da 1ª Seção do STJ, ministra Regina Helena Costa, defendeu a regulamentação do filtro de relevância para evitar que a Corte funcione como uma “terceira instância”. Segundo Costa, o STJ recebe um volume de processos “incompatível com um tribunal superior”, precisando “julgar menos e julgar melhor”.
Plenário Virtual
O ministro avalia que as recentes alterações quanto ao Plenário Virtual do STJ representam um avanço, pois possibilitam que as partes acompanhem os votos em tempo real, a exemplo do que ocorre no STF. Quanto à inclusão dos repetitivos nessa modalidade, ele acredita que isso não afetará o debate. Contudo, em casos de temas novos, é provável que haja pedidos de vista ou destaque.
“O que eu acho que vai acontecer na prática: quando for um repetitivo em que a matéria já está sedimentada no STJ, já houve um debate no âmbito das turmas e, às vezes, até embargo divergente sobre aquela determinada matéria, é mais uma consolidação daquela posição e, eventualmente, você colocar no plenário virtual, não representara maiores problemas. Quando for um tema novo, eu tenho a impressão de que dificilmente ele vai passar diretamente no virtual, haverá pedido de vista ou destaque para ir ao presencial”, afirmou.
O Plenário Virtual do STJ foi ampliado a fim de acelerar os julgamentos. Essa decisão , tomada em 28 de agosto, excluiu apenas as queixas-crime, os embargos de divergência sobre mérito, os inquéritos, as ações penais originárias, que continuarão a ser analisadas presencialmente. O objetivo da mudança foi alinhar o STJ ao modelo do STF, possibilitando a sustentação oral e o acompanhamento dos votos em tempo real.
Reforma tributária
Em relação aos impactos da reforma tributária no STJ, o ministro mostrou preocupação quanto à criação da competência originária do tribunal, ou seja, as situações em que o STJ fará a primeira análise sobre conflitos relacionados ao tema. Faria observou que essa nova atribuição pode levar a um aumento nas demandas, mas assegurou que o STJ está ciente das implicações e planeja regulamentar a situação para evitar uma sobrecarga de processos.
“Na hora que houver o conflito, a gente vai ter que examinar. É uma preocupação? É, mas a gente está regulamentando para compor a nova competência”, disse.
A Emenda Constitucional 132/2023 acrescentou um dispositivo na Constituição para definir que o STJ terá competência originária no que diz respeito a conflitos entre entes federativos, ou entre estes e o Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços, em discussões relacionadas ao IBS e à CBS. Essa competência está prevista no artigo 105, inciso I, alínea j, da Constituição.
“A partir do momento que o Congresso Nacional entendeu e passou essa tarefa para o STJ, a gente vai ter que estudar e analisar […] Pode haver uma explosão de demandas? Não vou dizer que não, mas na hora que houver o conflito a gente vai ter que examinar. É uma preocupação? É, mas a gente está regulamentando e vai propor para completar a nova competência, mas tendo essas preocupações para que não venha a ter uma explosão de demandas”, disse Faria.
O ministro ressaltou a formação de um grupo de trabalho entre magistrados para discutir os reflexos processuais do tema e a nova competência atribuída. Fazem parte do grupo, além de Gurgel Faria, a ministra Regina Helena Costa, o ministro Paulo Sérgio Domingues e o juiz federal Daniel Marchionatti. O objetivo é elaborar propostas para enfrentar os impactos processuais da reforma, que serão posteriormente analisadas e ratificadas pelos demais ministros. Até agora, já foram realizadas pelo menos três reuniões.