Mera indicação de dívida tributária não sustenta ação penal, diz TJ-SP
Paulo Batistella
13 de agosto de 2024
A mera indicação de descumprimento de obrigação tributária não sustenta a deflagração de ação penal por crime contra a ordem tributária, uma vez que o Direito Penal não admite a simples verossimilhança, nem a probabilidade.
Com esse entendimento, a 1ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo negou, por unanimidade, um recurso do Ministério Público de São Paulo contra a rejeição de uma denúncia sobre suposta sonegação fiscal. No primeiro grau, ela havia sido rejeitada por falta de justa causa, o que foi mantido pelo colegiado.
Indícios de materialidade
A denúncia do MP-SP descreveu que dois sócios-proprietários de uma empresa suprimiram cerca de R$ 89 mil de ICMS “mediante fraude à fiscalização tributária, consistente na utilização de notas fiscais eletrônicas que sabiam, ou deveriam saber, serem falsas e/ou inexatas”. As notas foram emitidas, ainda segundo a Promotoria, por uma outra empresa de fachada, sem que os acusados tivessem comprovado a lisura dessas operações comerciais.
Em primeiro grau, a denúncia foi rejeitada por não haver indícios mínimos de autoria e materialidade para sustentar a ação penal, uma vez que não havia prova concreta de que as operações não ocorreram, “mas apenas uma presunção baseada na infringência de norma tributária”, conforme escreveu a juíza Marcia Mayumi Okoda Oshiro.
“A ausência de prova da existência da operação comercial, por parte dos réus, não supre a necessidade da acusação de apresentar indícios de que referidas operações não ocorreram. A negativa de prova da existência da operação comercial, embora relevante na esfera tributária, não constitui indício de materialidade penal. Trata-se de elemento desprovido de valor probatório para fins penais”, argumentou a julgadora.
Nexo de causalidade
Esse entendimento foi mantido pelo TJ-SP, ao qual o MP-SP interpôs um recurso em sentido estrito (Rese). “A denúncia não acompanha nexo de causalidade entre os recorridos e a empresa simulada”, escreveu o relator do caso, desembargador Alberto Anderson Filho, segundo o qual é insuficiente invocar a teoria do domínio do fato para responsabilizar os acusados, também devido à falta de nexo entre a conduta deles e o suposto crime.
“Ao passo que, na esfera tributária, os recorridos evidentemente tenham responsabilidade, o mesmo não pode ser dito quanto à responsabilidade penal”, resumiu o magistrado.
Elementos de tipificação ignorados
Nas contrarrazões ao recurso, a defesa dos sócios da empresa argumentou ser indispensável a conjugação de fraude e voluntariedade delitiva do agente para se cogitar o crime de sonegação, o que teria sido ignorado pelo MP-SP.
“Ou seja, a denúncia, de fato, se limita a descrever em como as discrepâncias na escrituração dos documentos fiscais foram constadas, deixando, por outro lado, de expor efetivamente o fato criminoso, com a individualização das condutas e todas as suas circunstâncias”, alegou a defesa.
Atuou na causa o advogado Leonardo Calegari, sócio do escritório OCM Advogados. Segundo ele, a decisão do TJ-SP é paradigmática. “O julgado traz reflexões importantes para a tipificação do crime em questão e certamente servirá de precedente para outros casos semelhantes.”
Processo 0055078-04.2015.8.26.0050
Paulo Batistella é repórter da revista Consultor Jurídico.