Os Estados-membros continuam a aumentar indistintamente os percentuais de MVA por meio de decretos estaduais e com efeitos imediatos.
A Margem de Valor Agregado (MVA), prevista na Lei Complementar nº 87/1996 (Lei Kandir), é empregada em operações interestaduais sujeitas à substituição tributária no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS/ST), consistindo em percentuais aplicados em negócios mercantis envolvendo a saída de produtos de estabelecimentos indústrias ou importadores, relativamente às operações ou prestações subsequentes.
Cabe ressaltar que o ICMS/ST foi instituído sob o argumento de simplificação da fiscalização de alguns contribuintes, como os industriais e importadores, em detrimento aos demais contribuintes da cadeia econômica.
Os Estados continuam a aumentar os percentuais de MVA por meio de decretos estaduais e com efeitos imediatos.
No entanto, assim como demonstrado quando do julgamento pelo Excelso Supremo Tribunal Federal (STF) do RE 593.849 (ADIs 2.777 e 2.675), com repercussão geral, cada vez mais cristalino que tal sistemática é ineficaz, complexa e afronta ao princípio da segurança jurídica.
Esse princípio não pode ser observado em razão da incerteza e provisoriedade da cobrança de ICMS/ST quando diante de base presumida maior do que a própria operação consolidada, gerando onerosidade ao comerciante e acréscimo de preço ao produto vendido ao consumidor final.
E para agravar, ainda foi criada a MVA, cujos critérios para sua aplicação foram expressamente consignados com base em ampla discussão no âmbito do Projeto de Lei Complementar nº 190/2012, sendo a justificativa consubstanciada na falta de transparência, vigência imediata e uso indistinto de sua progressividade pelos Estados-membros.
De modo concreto, foi acrescentada a seguinte redação à Lei Kandir: A margem a que se refere a alínea c do inciso II do caput será estabelecida com base em preços usualmente praticados no mercado considerado, obtidos por levantamento, ainda que por amostragem ou através de informações e outros elementos fornecidos por entidades representativas dos respectivos setores, adotando-se a média ponderada dos preços coletados, devendo os critérios para sua fixação ser previstos em lei.
Contudo, o fato é que os Estados-membros continuam a aumentar indistintamente os percentuais de MVA por meio de decretos estaduais e com efeitos imediatos.
Esse modo de operar é facilmente vislumbrado quando da análise apurada dos Regulamentos de ICMS dos Estados-membros e decretos estaduais.
No Estado do Paraná a MVA foi majorada pelo Decreto Estadual nº 804/2015, com previsão expressa de produção de efeitos no mês posterior ao da publicação em 20 de março de 2015.
No tocante ao Estado de Santa Catarina também houve a majoração indistinta e com efeitos imediatos de seu percentual sobre autopeças relacionadas ao setor automotivo do Protocolo de ICMS nº 97/2010, conforme os seguintes dados: (i) 69,21% (sessenta e nove inteiros cento e vinte e um décimos por cento) no período de 01/09/2012 a 31/03/2015 – conforme previsão Decreto nº 1077/2012; e, um aumento significativo de (ii) 82,13% (oitenta e dois inteiros cento e treze décimos por cento) no período de 01/04/2015 a 30/04/2015 – nos termos do Decreto nº 43/2015.
Nesse contexto, note-se que os Estados-membros acrescentam indiretamente a base de cálculo do ICMS por meio do aumento do percentual da MVA, utilizando-se do instrumento normativo equivocado e ainda com efeito surpresa.
Da mesma forma, deixam de justificar os critérios para as respectivas majorações nos termos da Lei Kandir. E isso fica muito cristalino, por exemplo, da simples análise dos percentuais discrepantes de aumento de MVA no Estado de Santa Catarina entre 2012 e 2015.
Em outras palavras, quando diante de aumento de seu percentual por meio de decreto, sem justificativas e com efeitos imediatos, dois princípios basilares são afrontados, especificamente os princípios da legalidade e da anterioridade.
Sob tais premissas, os contribuintes podem ou devem defender-se de autos de infração lavrados em razão de diferencial de ICMS/ST, por meio de defesa administrativa, sendo que, existindo a manutenção do lançamento tributário, pode ser ajuizado mandado de segurança em face do lançamento tributário, com previsão no artigo 5º, inciso LXIX, da Carta Magna e artigo 1º da Lei nº 12.016/2009.
No âmbito do Poder Judiciário, os contribuintes podem buscar amparo judicial para minoração da base de cálculo desse tributo em suas operações, isso também pela opção do mandado de segurança, destacando-se que a documentação comprobatória pode ser apresentada de plano pelos registros e planilhas contábeis, com a demonstração ilegal da progressividade da MVA – sendo a matéria ventilada de direito, pois eventuais créditos deverão ser objeto de restituição/compensação e apuração perante a esfera administrativa.
Consigne-se os seguintes julgados favoráveis aos contribuintes: (i) agravo de instrumento nº 10145130414132001, Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais; bem como (ii) o mandado de segurança nº 1399079-5, objeto de apreciação pela 1ª Câmara Cível em Composição Integral do Egrégio Tribunal de Justiça do Paraná.
Em conclusão ao aduzido, a sistemática utilizada pelos Estados-membros em relação à majoração do percentual da MVA, com o cristalino desrespeito aos princípios da legalidade e anterioridade, traz como consequência insegurança jurídica e complexidade tributária aos contribuintes sujeitos ao ICMS/ST, devendo esse modo de operar ser extinto ou revisto e adequado aos termos da Lei Complementar nº 87/1996.
Valor Econômico – Por Alysson Amorim Yamasaki, 04/11/2020.