A Lei nº 13.540, resultado da conversão da MP 789, publicada em 19 de dezembro de 2017, consolida um novo marco para a incidência da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM). O objetivo deste breve texto é apontar os vícios da nova lei, ao majorar a base de incidência do royalty.
A CFEM incide sobre o resultado da atividade de mineração, conforme decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF) no RE 228.800/DF, “entendido o resultado não como o lucro do explorador, mas como aquilo que resulta da exploração”. O ministro relator Sepúlveda Pertence deduziu um paralelo entre a CFEM e a Participação do Superficiário, prevista no art. 176, § 2º, da Constituição, que consiste em o royalty incidir sobre o resultado da lavra. A lógica é simples: sendo a CFEM a contrapartida da exploração de um bem da União (minério), a sua incidência se dá apenas sobre o que resulta da atividade mineral.
Os arts. 1º, da Lei 7.990/1989 e 14, inciso I, do Decreto 01/1991 também deixam claro que é o aproveitamento econômico de minério a materialidade a ser mensurada pela base de cálculo da CFEM.
Pretender que uma grandeza não realizada seja usada como base no consumo é cobrar a CFEM sobre aproveitamento econômico inexistente
Os dois principais momentos para a configuração da hipótese de incidência da exação (antes e depois da Lei 13.540/2017) são (i) a venda de minério e (ii) o seu consumo, que significa a sua transformação em outra espécie de produto.
Caso o fato gerador se amolde ao critério saída por venda, a consequência é a utilização da receita bruta como primeiro elemento para calcular a CFEM, seguida de deduções. Por outro lado, sendo o consumo, a base de cálculo até a MP 789, convertida na Lei 13.540/2017, era o custo de produção.
A inconstitucionalidade objeto deste artigo reside exatamente neste ponto: a Lei 13.540 ampliou a base de cálculo da CFEM na venda e no consumo de minério.
Na venda, passa-se a adotar a receita bruta, deduzidos apenas os tributos incidentes, sendo vedada a dedução das despesas com frete e seguro. Além disso, toda e qualquer exportação – e não apenas aquelas destinadas a vinculadas e a paraísos fiscais -, sujeita-se agora a teste pelo Pecex ou valor de referência, sendo estas as bases mínimas nas exportações.
No consumo, a exação será calculada sobre um pretenso preço corrente ou o valor de referência do bem mineral, e não mais o custo de produção. O valor de referência foi regulamentado pelo Decreto nº 9.252, de 28 de dezembro do ano passado.
A vedação integral à dedução do frete e do seguro faz com que a CFEM incida sobre as grandezas que revelam aproveitamento econômico de minério (custo de produção mais margem de lucro), somadas a despesas com transporte e seguro.
Isso não foi autorizado pelo STF, no RE 228.800/DF. Prova do exposto é o seguinte trecho do voto do ministro Sepúlveda Pertence: “tendo a obrigação […] a natureza de participação no resultado da exploração, nada mais coerente do que consistir o seu montante numa fração do faturamento.” Fica claro que a CFEM deve ser mensurada conforme as grandezas que representam aproveitamento econômico de minério. Por isso, não se admite que todo o faturamento seja gravado pela exação, mas tão somente a fração representativa da materialidade do royalty, qual seja, custo de produção mais margem de lucro.
É imperativo constitucional que se expurgue da receita bruta as despesas com frete, seguro e tributos incidentes sobre a venda, de forma a se alcançar apenas o aproveitamento econômico de minério: custo mais margem. Não se trata de um favor fiscal, e sim de cumprir o que determina a Constituição.
Considerando que a Lei 13.540/2017 impediu qualquer dedução de frete e seguro, resta caracterizada a inconstitucionalidade.
Por outro lado, e sob os mesmos fundamentos, há inconstitucionalidade na cobrança da CFEM, no consumo, sobre base de cálculo diferente do custo de produção.
O custo é a única grandeza evidenciada pelo minerador que transforma o minério em outra espécie de produto. É a exata medida do resultado da atividade de mineração, representativa do aproveitamento econômico de minério. Pretender que uma grandeza não realizada (preço corrente ou valor de referência) seja utilizada como base no consumo é cobrar a CFEM sobre aproveitamento econômico inexistente, já que não realizado.
Pela mesma lógica, deve-se questionar que, em todas as exportações, a CFEM tenha como base mínima o Pecex ou o valor de referência. Isso apenas seria válido se restrito a operações com vinculadas e paraísos fiscais, enquanto regras antielisivas específicas. Mas pretender implementar tais bases a qualquer exportação, inclusive aquelas já praticadas em livre mercado, implica desnaturar o instituto e majorar ilicitamente a CFEM.
Esperamos que o Poder Judiciário apresente uma resposta contundente às inconstitucionalidades ora apresentadas, para que se preserve a estrutura constitucional deste importantíssimo instrumento de participação do Estado na atividade de mineração.
Fonte: Valor | por Paulo Honório de Castro Júnior – 12/01/2018
Paulo Honório de Castro Júnior é sócio do William Freire Advogados Associados e presidente do Instituto Mineiro de Direito Tributário (IMDT)