Varejistas de material de construção do Rio Grande do Sul e Santa Catarina conseguiram na Justiça as primeiras liminares que as liberam de pagar ao governo a diferença do ICMS recolhido a menor no regime de substituição tributária (ST).
Diversos Estados começaram a cobrar dos contribuintes essa diferença de valores. Isso ocorre porque na ST uma empresa da cadeia produtiva – como o setor de bebida – recolhe o imposto pelas demais a partir do valor de mercadoria fixado pelos Estados. Quando o montante efetivamente pago pelo consumidor final é maior do que o esperado, há uma diferença que agora está sendo exigida.
Também já cobram ou estão prestes a cobrar a compensação São Paulo, Minas Gerais e Paraná. Especialistas acreditam que a medida terá impacto positivo para os Estados porque hoje são inúmeros os setores enquadrados na substituição tributária. Exemplo disso são os de material de construção, automotivo, bebidas, combustíveis, brinquedos e farmacêutico.
A recente cobrança dessa diferença se baseia em decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), do fim de 2016. Na ocasião, os ministros decidiram que o contribuinte deve receber o ressarcimento do ICMS-ST pago a maior. Para isso, segundo os ministros, bastaria comprovar que a base de cálculo presumida do imposto foi superior ao preço final praticado.
A decisão do STF tem efeito de repercussão geral (RE nº 593849). A partir disso, a Secretaria da Fazenda de São Paulo estima ter que devolver cerca de R$ 5 bilhões aos contribuintes. Por analogia, os Estados vêm interpretando que, se foi declarado pelo STF o direito do contribuinte de receber a restituição, também há o direito do governo de receber a diferença do ICMS pago a menos.
No Rio Grande do Sul, a juíza Marialice Camargo Bianchi, da 6ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre, liberou o contribuinte de cumprir o dispositivo do Decreto nº 54.308, de 6 de novembro de 2018, que exige o pagamento da complementação do ICMS-ST. A norma entrou em vigor este mês.
“Há verossimilhança, num juízo de cognição sumária, nas alegações trazidas pelo demandante quanto à suposta usurpação de competência do legislador estadual ao criar hipótese de tributação não contemplada na lei complementar que trata do ICMS, a Lei Kandir”, afirma a juíza (processo nº 9000323-23.2019.8.21.0001).
O advogado que representa as empresas que obtiveram as liminares, Rodrigo Lubisco, do Cabanellos Advocacia, argumentou que a cobrança não está prevista na Constituição, nem na Lei Kandir, que dispõe sobre o ICMS. “Há precedente do STF [RE nº 439796] claro no sentido de que para instituir uma nova cobrança do ICMS seria necessário, primeiro, autorização da Constituição, depois previsão na Lei Kandir e só então regulamentação pelos Estados”, diz.
Em Santa Catarina, o juiz Otávio José Minatto, da Vara da Fazenda Pública da Comarca de São José, liberou a mesma empresa de ter que cumprir o Decreto nº 1.818, de 28 de novembro de 2018 (processo nº 0300003-74.2019.8.24.0064). A norma regulamenta a complementação no Estado.
Em ambas ações, Lubisco argumenta que os Estados, ao cobrarem a complementação, exigem também uma nova escrituração das empresas, ou seja, mais burocracia e seus consequentes custos. “A empresa tem que apurar informações que não dizem respeito a ela, como o valor de venda da indústria, por exemplo, e escriturar em um novo sistema”, diz.
A Procuradoria-Geral do Estado (PGE) do Rio Grande do Sul disse que ainda não foi citada, mas “tem convicção da constitucionalidade e legalidade do decreto”. A PGE de Santa Catarina foi cientificada da decisão liminar e “estuda o tema para oferecer a defesa do Estado”.
Após a judicialização e encontros com entidades empresariais, o governo do Rio Grande do Sul decidiu adiar o início da cobrança para 1º de março, segundo adiantou ao Valor. “Um decreto será publicado nos próximos dias”, diz o subsecretário da Receita do Estado, Ricardo Neves Pereira.
Segundo Pereira, com base nos votos dos ministros do STF tanto há direito à restituição como à cobrança da complementação do imposto. “É uma questão de Justiça tributária ou quem receber a restituição terá uma vantagem competitiva”, diz. O subsecretário afirma que no setor de combustíveis, por exemplo, 30% receberão restituição, mas 70% devem pagar complementação. “Dependendo do segmento, o volume de complementação será grande”.
A Fazenda de São Paulo também já exige a complementação do ICMS-ST pago a menor. Em dezembro, quando publicou o Comunicado nº 14, da Coordenadoria da Administração Tributária para regulamentar o ressarcimento do imposto, o órgão adiantou ao Valor que cobraria essa diferença a fazer as fiscalizações de rotina, por meio do cruzamento de dados declarados pelas próprias empresas.
Segundo o advogado Piero Quintanilha, do Venturi, Grassiotto e Quintanilha Advocacia Empresarial, a maioria dos produtos em São Paulo tem que usar a margem de valor agregado para o cálculo do ICMS-ST porque facilita a fiscalização. Mas, para ele, a cobrança do que foi pago a menor é inconstitucional.
Como em São Paulo, em Minas Gerais não há ações judiciais a respeito. O Decreto mineiro nº 47.547, de 5 de dezembro, entraria em vigor em janeiro, mas isso foi adiado para março. Mesmo assim, segundo Ivo Neri Avelar, sócio do Andrade Silva Advogados, ainda há dificuldade das empresas para adaptarem seus sistemas às exigências do Estado.
“A cobrança é uma forma de os governos tentarem reverter os prejuízos causados pela decisão do Supremo, diante do atual cenário econômico dos Estados”, avalia o advogado Rafael Nichele, de banca de mesmo nome.
Fonte: Valor-23/01/2019
Por Laura Ignacio | De São Paulo