Um escritório de advocacia paulista teve que obter liminar na Justiça para continuar a recolher o Imposto sobre Serviços (ISS) como sociedade uniprofissional. A banca havia sido desenquadrada do regime especial de tributação pela Prefeitura de São Paulo por ter no quadro societário profissionais que atuam na arbitragem — uma via alternativa ao Judiciário para a resolução de conflitos.
Essa é a primeira decisão favorável aos escritórios da qual se tem notícias envolvendo advogados que atuam como árbitros.
As sociedades uniprofissionais — comuns entre colegas de uma mesma profissão — têm direito ao recolhimento de ISS diferenciado e os valores são geralmente mais baixos do que os cobrados das empresas comuns. A regra está estabelecida no Decreto-Lei nº 406, de 1968. Elas pagam uma quantia fixa para cada sócio, enquanto as demais empresas têm de repassar um percentual sobre o faturamento.
Em São Paulo, por exemplo, um escritório de advocacia paga entre R$ 300 e R$ 400 por sócio a cada trimestre. Se for desenquadrado do regime especial, no entanto, terá de pagar ao município, todos os meses, 5% sobre os valores das notas fiscais que foram emitidas.
Desde o começo de 2018, a prefeitura entende que a arbitragem não é privativa à área e, ao oferecer esse serviço, o escritório deixa de ter como atividade exclusiva a advocacia — critério exigido às sociedades uniprofissionais.
“O Fisco abre o site do escritório de advocacia, vê se tem oferta de arbitragem entre os serviços oferecidos e, se tiver, ele o desclassifica do regime especial”, detalha Daniel Jacob Nogueira, conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e presidente da Comissão de Arbitragem da entidade em 2018.
Foi exatamente isso o que aconteceu com o escritório do advogado Marcelo Escobar. A banca foi desenquadrada pela prefeitura no mês de abril. Agora, conseguiu liminar proferida pela desembargadora Mônica Serrano, da 14ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo (processo nº 2154733-26.2019.8.26.0000).
“A liminar garante que durante a discussão judicial o escritório recolha o imposto como sociedade uniprofissional”, afirma Escobar. O advogado entende a argumentação do Fisco como equivocada e diz que a atividade da arbitragem consta, inclusive, nas regras do Conselho Federal da OAB.
O pleno do Conselho Federal decidiu, em 2013, que a arbitragem é uma “modalidade legítima” e que “faz parte da natureza da advocacia”. “As receitas provenientes dessa atuação podem ser tratadas, para todos os efeitos, inclusive fiscais, como receita da sociedade de advogados cujo integrante oficiou como árbitro”, diz a decisão. O Código de Ética também tem orientação no mesmo sentido.
O desenquadramento em razão dos serviços na arbitragem não ocorre em outros lugares, segundo o conselheiro federal da OAB, Daniel Jacob Nogueira. “É uma discussão específica de São Paulo”, diz. “O Fisco do município não está conseguindo compreender que apesar de não ser um serviço privativo da advocacia, é um serviço da advocacia.”
Os advogados realizam uma série de serviços que não são privativos à área, acrescenta Nogueira. Ele cita como exemplo as defesas nos processos administrativos tributários, a representação em licitações e também nos recursos contra as multas que são aplicadas pelos órgãos ambientais. “Não são atividades privativas de advogados, mas ninguém duvida que o advogado, quando realiza essas funções, o faz por conta da sua condição de advogado.”
Procurada pela reportagem, a Prefeitura de São Paulo não deu retorno até o fechamento.
Supremo
As sociedades uniprofissionais foram analisadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em um julgamento, com repercussão geral, no mês de abril (RE 940769). Na ocasião, os ministros decidiram que os municípios não têm competência para fixar critérios para o enquadramento. Isso só poderia ser feito por meio de lei nacional, segundo o entendimento.
Esse caso envolveu a seccional gaúcha da OAB, mas não tratou sobre a atuação na arbitragem. O processo havia sido uma reação dos advogados de Porto Alegre contra o Decreto Municipal nº 15.416, de 2006, que impedia os profissionais inscritos na cidade de recolherem o ISS sob o regime da tributação fixa.
O ministro Alexandre de Moraes, em seu voto, no entanto, chamou a atenção que havia uma “proliferação de interpretações” pelo país sobre as sociedades uniprofissionais e citou o município de São Paulo. “Cada novo prefeito que assume, em busca da tentativa de arrecadar mais, interpreta novamente esse tema. Sempre por um viés ou outro”, afirmou no julgamento.
Fonte: Valor Econômico – Joice Bacelo – 24 de julho de 2019