A intenção de maior geração de receita não só não será atendida, como também restará dificultada a conciliação judicial.
Com a entrada em vigor, no dia 23 de setembro, da Lei nº 13.876/19 que, dentre outras questões, introduziu os parágrafos 3º-A e 3º-B ao artigo 832 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em tese, os acordos firmados na esfera trabalhista passarão a ser todos tributados.
Ocorre que a incidência previdenciária e fiscal, nas conciliações judiciais trabalhistas, recai somente sobre verbas de natureza remuneratória e, embora a CLT já determinasse a indicação da natureza jurídica das parcelas acordadas em juízo, não havia, até então, qualquer restrição legal à sua discriminação como totalmente indenizatórias e no quotidiano forense, as partes costumavam discriminar as parcelas, sempre que possível, como de natureza total ou majoritariamente indenizatória, especialmente com intuito de evitar (ou reduzir) as incidências previdenciárias e fiscais, que acresciam, aproximadamente, 20% ao valor do acordo.
Cristalino, portanto, que a intenção do legislador ao introduzir os mencionados parágrafos 3º-A e 3º-B ao artigo 832 da CLT foi o aumento da receita de tributação, uma vez que o Imposto de Renda e as contribuições sociais só incidem sobre verbas remuneratórias, tais como diferenças salariais, horas extras, adicionais de insalubridade e periculosidade, dentre outros. Segundo a senadora Soraya Thronicke (PSL-MS) – que propôs a inclusão de tais previsões no projeto da Lei nº 13.876/19 – a alteração “tem o potencial de gerar receita adicional de R$ 1,95 bilhão por ano, o que representa aumento de receita da ordem de R$ 19,5 bilhões em dez anos”.
Ocorre que, na prática, as alterações suscitam diversas interrogações sobre os seus efeitos concretos, projetando-se entraves à formalização de acordos na esfera trabalhista, o que poderá, a contrário sensu, representar uma diminuição no número de conciliações e, por conseguinte, nos recolhimentos aos cofres públicos.
Explica-se: o parágrafo 3º-A do artigo 832 da CLT estabeleceu que a base de cálculo para as incidências previdenciárias em qualquer decisão – de procedência ou homologatória – em processos em que se discutam também parcelas remuneratórias, não poderá ser inferior ao salário mínimo. Logo, o total da remuneração devida no mês, para fins cálculo de previdência e impostos incidentes sobre o acordo, não poderá ser inferior a um salário mínimo.
Contudo, o legislador não atentou ao fato de que diversas reclamatórias trabalhistas têm como objeto, por exemplo, apenas o reconhecimento de vínculo empregatício e, por conseguinte, suas decisões, ainda que homologatórias, possuem efeito meramente declaratório – não havendo condenação ao pagamento de valores – ou, ainda, de que, atualmente, a legislação trabalhista autoriza que determinados trabalhadores percebam remuneração mensal inferior ao salário mínimo nacional, como é o caso dos empregados contratados por tempo parcial ou dos trabalhadores intermitentes.
O que fazer, então, diante da imposição legal de base de incidência de recolhimento previdenciário mínimo não correspondente à efetiva dívida do principal (verbas de natureza remuneratória)? De acordo com a literalidade da lei e da lacuna jurídica verificada, ao que parece, o recolhimento será devido tendo como base o salário mínimo, até que advenha algum posicionamento dos Tribunais Superiores sobre o tema ou, ainda, alguma alteração legislativa.
Surge, ainda, outra inquietação: com o intuito de viabilizar os acordos, poderão os reclamantes, de forma prévia à sua formalização, desistir de verbas remuneratórias postuladas buscando maiores margens de negociação do principal (líquido), especialmente em razão da não incidência de tributos sobre parcelas indenizatórias, tais como vale alimentação, PLR, indenizações por danos morais e materiais, etc? A legislação não veda que a parte desista de eventuais pedidos, o que, em uma primeira análise, leva a crer que tal manobra poderá ser utilizada como “estratégia processual”.
Ainda é muito cedo para responder a todas as dúvidas decorrentes do artigo 832 da CLT, em especial em razão das lacunas legislativas identificadas. De qualquer sorte, é desde já inegável que possivelmente a intenção de maior geração de receita não só não será atendida, como também restará dificultada a conciliação judicial, o que vai de encontro à principiologia basilar à Justiça do Trabalho, reveladora, inclusive, de sua essência e gênese.
A nova regra, imagina-se, dificultará o atingimento de metas da Justiça Especializada do Trabalho e atrasará o caminho rumo à consolidação das formas adequadas de solução de conflitos, constituindo-se em verdadeiro retrocesso processual e material.
(*) Manoela Pascal é advogada trabalhista, sócia de Souto Correa Advogados.
Fonte: Valor Econômico, por Manoela Pascal (*), 07.10.2019