A Justiça de São Paulo extinguiu execução fiscal contra uma empresa do setor de cosméticos que aderiu em 2017 ao Programa Especial de Parcelamento (PEP), aberto pelo governo paulista. A cobrança de ICMS tratava de uma diferença levantada pela Fazenda do Estado após o contribuinte quitar o que devia à vista, por meio do programa.
A empresa decidiu recorrer à Justiça após ser intimada a efetuar o recolhimento complementar, de aproximadamente R$ 80 mil, com juros e multa. No processo (nº 1509319-17.2016. 8.26.0014), alegou que o erro no cálculo da dívida foi da Fazenda paulista e que pagou o que foi apontado pelo sistema, aproximadamente R$ 458 mil.
O advogado que assessora a empresa, Marcos Martins, sócio do Pallotta, Martins e Advogados, afirma que, ao entrar no sistema, apenas se clicou no valor correspondente à modalidade de pagamento à vista, sem que pudesse modificar a quantia por qualquer motivo. Para ele, a diferença, ainda que exista, não poderia ser imputada ao contribuinte, por violar os princípios constitucionais da segurança jurídica e boa-fé. “O contribuinte não pode ser punido, já que cumpriu todas as regras previstas na legislação do PEP e do próprio sistema do credor”, diz.
Os valores devidos de ICMS já tinham sido questionados anteriormente porque estavam sendo corrigidos pelo Estado com taxas superiores a 1% ao mês, segundo o advogado. O montante total, acrescentou, foi recalculado e inserido no sistema do PEP. Aplicou-se ao caso o entendimento do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) de que não poderia ser aplicada correção acima da Selic.
Ao analisar o pedido do contribuinte para extinção da cobrança extra, a juíza Renata Scudeler Negrato, da Vara das Execuções Fiscais Estaduais, entendeu que “se houve equívoco na inclusão de valores, pela Fazenda do Estado, para cálculo do PEP, o erro deve ser suportado pela exequente, pois o contribuinte em nada colaborou para esse fato”.
“Aliás, cumpriu [o contribuinte] sua parte no acordo e quitou, em parcela única, o valor apontado. Exigir, posteriormente, o pagamento de saldo remanescente seria atentar, inclusive, contra os princípios da segurança jurídica e da boa-fé”, afirma a magistrada na sentença.
A decisão, de acordo com Marcos Martins, pode servir de precedente para outras empresas que foram cobradas por diferenças de valores após o pagamento de dívidas tributárias. O entendimento, acrescenta, traz um equilíbrio na relação entre Fisco e contribuintes, uma vez que no caso de algum erro do contribuinte em parcelamento, por exemplo, a Justiça tem decidido pela sua exclusão. “Se o contribuinte erra, ele assume o ônus. O mesmo deve acontecer com a Fazenda”, diz.
Diogo Ferraz, do escritório Freitas Leite Advogados, entende que a decisão “dá uma guinada no protecionismo que muitas vezes o Judiciário tem em relação às Fazendas Públicas”. “Esse é o caminho correto. Só quando a Fazenda efetivamente sofrer as consequências dos seus próprios atos, poderá haver uma mudança de comportamento na sua relação com os contribuintes”, afirma.
O caso concreto é um exemplo do que tem que mudar, segundo o advogado. “O Estado de São Paulo simplesmente alegou que houve um erro, da própria Fazenda, no cálculo do débito parcelado, mas nunca comprovou esse erro. Não há uma planilha de cálculo sequer sobre isso” diz. A sentença, segundo ele, coloca as coisas em seus devidos lugares: quem alega tem que provar e quem comete um erro, tem que arcar com esse erro. Para o advogado, sentenças como essas trazem esperança e podem servir de impulso para uma relação mais equilibrada entre Fisco e contribuintes.
Procurada pelo Valor, a Procuradoria-Geral de São Paulo (PGE-SP) informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que o Estado ainda não foi intimado formalmente da decisão “e, assim que for, analisará as medidas cabíveis”.
Valor Econômico – Por Adriana Aguiar – 21 de janeiro de 2020