A Justiça Federal permitiu que uma empresa do Rio Grande do Sul inclua os seus débitos fiscais no Programa Especial de Regularização Tributária (Pert), mesmo sem a desistência do processo administrativo pelo qual questiona a existência de tais valores. A decisão contraria o que estabelecem as regras do programa.
O Pert é uma espécie de Refis. Foi aberto pelo governo federal em 2017 para os contribuintes quitarem, em condições especiais, dívidas tributárias.
No programa, tanto as empresas como as pessoas físicas poderiam optar entre parcelar os valores em até 120 vezes ou pagar 20% da dívida, sem desconto e em cinco parcelas mensais e sucessivas, e o restante com créditos de prejuízo fiscal – base de cálculo negativa da CSLL e outros créditos tributários.
Para aderir ao programa, porém, o contribuinte precisaria desistir das discussões administrativas e judiciais. Há previsão expressa no artigo 5º da Lei 13.496 e na Instrução Normativa 1.711 que regulamentou o Pert, ambas de 2017. O artigo 8º da IN estipulava que a desistência dos processos deveriam ser apresentadas à Receita até o último dia útil do mês de novembro daquele ano.
O juiz Evandro Ubiratan Paiva da Silveira, da 13ª Vara Federal de Porto Alegre, que analisou o caso, classificou a exigência como “demasiado formalismo” (processo nº 5081682-50.2018.4.04.7100). Ele considerou o fato de o contribuinte ter incluído os valores no cálculo da parcela de entrada e, inclusive, já ter efetuado o pagamento.
“Independentemente dos vícios formais nos quais incorreu a impetrante [empresa], o fato processualmente relevante é o de que ela, à evidência, portou-se estritamente de acordo com a boa-fé”, afirmou o magistrado na decisão. “A exclusão [ou o impedimento de inclusão de um débito] em razão do descumprimento de exigências formais atenta aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade”, disse.
A empresa recorreu ao Judiciário ao perceber que os valores referentes ao processo administrativo não estavam disponíveis no sistema para a etapa de consolidação do Pert, no fim do ano passado. Ou seja, mais de um ano após o período de adesões.
Na primeira fase do programa não há uma checagem dos valores incluídos. O próprio contribuinte calcula o devido e inicia o pagamento das parcelas. Só na etapa de consolidação, quando a Receita Federal libera o sistema para receber as informações, isso ocorre.
“Ao optar pelo Pert, a empresa, automaticamente, fez a sua escolha sobre o parcelamento ou o processo administrativo, mesmo que não tenha afirmado de forma expressa”, diz Michel Zavagna Gralha, sócio do Zavagna Gralha e representante do contribuinte no caso. “Ela já havia pago o percentual exigido [na modalidade que permite o uso de prejuízo fiscal]. Não permitir que fizesse a consolidação por mero excesso de formalismo causaria grande prejuízo”.
Especialista na área tributária, Leo Lopes, do FAS Advogados, entende como um “exagero” a exclusão do contribuinte do programa unicamente por ele não ter desistido do processo administrativo. “Tem respaldo em lei, mas a partir de uma análise criteriosa, como fez o juiz, certamente não faz sentido. Até porque essa exigência vem de um problema sistêmico da Receita Federal de não conseguir permitir que o contribuinte indique quais débitos ele quer incluir já quando faz a adesão”, pondera.
Ana Carolina Monguilod, professora da FGV-SP e do Insper e sócia do escritório PGLaw, diz que muitos contribuintes tiveram problemas na consolidação do Pert, mesmo aqueles que tinham cumprido todas as formalidades. Alguns de seus clientes, por exemplo, não conseguiram acessar os débitos que tinham incluído no programa e precisaram, com isso, protocolar as informações de forma física, em papel, na Receita.
A Receita informou que “devido ao sigilo fiscal, previsto no Código Tributário Nacional, não pode se manifestar sobre casos de contribuintes específicos”.
Já a PGFN afirmou, por meio de nota, que recorreu e a liminar “foi objeto de agravo de instrumento”. Citou ainda que a desistência do processo administrativo estava prevista tanto na lei como em instrução normativa e, em razão disso, “não se vislumbra a prática de qualquer ato coator por parte da administração tributária”.
Por Joice Bacelo | De São Paulo
Fonte : Valor – 21/01/201