Leonel Pittzer: ao mesmo tempo que a Receita congela créditos instaurando um TDPF, exige que o contribuinte zere o seu estoque em cinco anos.
Valor de R$ 6,3 bi foi gerado em disputa para excluir ICMS do cálculo do PIS/Cofins.
A Telefônica precisou recorrer à Justiça para usar parte dos cerca de R$ 6 bilhões em créditos gerados pela exclusão do ICMS do cálculo do PIS e da Cofins a que tem direito. A quantia já foi reconhecida em ação transitada em julgado (em que não há mais chance de recurso), mas a Receita Federal, após a empresa habilitá-la no sistema do órgão, instaurou procedimento de fiscalização e travou a possibilidade de uso.
Tributaristas afirmam que essa vem sendo uma das estratégias da Receita para minimizar o impacto da disputa aos cofres públicos. O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu em 2017 que o imposto deveria ser retirado do cálculo das contribuições. Na época, a Fazenda Nacional afirmou que com a decisão as perdas poderiam ser de mais de R$ 200 bilhões à União.
A ferramenta usada pela Receita Federal é chamada de Termo de Distribuição de Procedimento Fiscal (TDPF). Trata-se de um instrumento que serve para confirmar “a certeza e a liquidez” do crédito informado pelo contribuinte. Advogados afirmam, no entanto, que antes da discussão do cálculo do PIS e da Cofins, o TDPF ficava restrito aos casos em que havia indícios de fraude.
“Não era uma coisa deliberada”, diz um dos especialistas ouvidos pelo Valor. “Agora estamos vendo com mais frequência, sempre atrelado a créditos altos e muitos deles gerados com a exclusão do ICMS do PIS e da Cofins”, acrescenta.
Foi só com a Lei nº 13.670, de maio de 2018, que o TDPF passou a produzir o efeito de congelamento dos créditos. Ou seja, enquanto durar o procedimento de fiscalização, que não tem limite de prazo, os valores não podem ser usados pelos contribuintes para o pagamento de outros tributos.
Essa legislação modificou o artigo 74 da Lei nº 9.430, que trata especificamente sobre as compensações. Há muitas críticas do mercado em relação à forma com que se deu a alteração. Toda a publicidade em torno da Lei nº 13.670, no dia em que foi aprovada, estava voltada à reoneração da folha de pagamentos.
A norma foi aprovada às pressas pelo Congresso, em meio à greve dos caminhoneiros, como uma saída para amenizar as perdas que a União teria com a redução dos tributos sobre o óleo diesel. O trecho que tratava das compensações só foi percebido por contribuintes e advogados depois que a lei foi publicada no Diário Oficial.
No caso da Telefônica, segundo consta no processo, o TDPF foi instaurado no mês de outubro – já sob a orientação da nova lei. Fazia menos de um mês que a empresa havia transmitido uma declaração de compensação de R$ 594,2 milhões para quitar débitos de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), PIS, Cofins e Contribuições Sociais Retidas na Fonte (CSRF).
Essa é só uma parcela do total de créditos que a empresa tem direito. A Telefônica obteve na Justiça o reconhecimento de valores de PIS e Cofins que foram recolhidos a mais – em razão da inclusão do ICMS – entre os anos de 2003 e 2014. Segundo consta no seu formulário de referência, o total soma R$ 6,3 bilhões.
O caso foi julgado pela 19ª Vara Cível Federal de São Paulo. “Cuidando-se de crédito reconhecido judicialmente, objeto de declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal em sede de repercussão geral, não me afigura razoável a restrição do direito à compensação pretendida”, afirma o juiz na decisão, liberando, em sede de liminar, a compensação (mandado de segurança nº 5027765-39.2018.4.03.6100).
Especialista na área tributária, Leonel Pittzer, sócio do Fux Advogados, diz que, além do congelamento do crédito, o TDPF pode provocar ainda outro efeito, “perigoso”, para o contribuinte. “A Receita pode considerar as compensações já realizadas com aquele crédito como não declaradas. Isso significa que aquele débito que se pretendeu compensar será inscrito em dívida ativa e executado judicialmente”, afirma.
Pittzer traça ainda um paralelo entre a aplicação do TDPF e a Solução de Consulta nº 239, publicada pela Receita Federal em agosto, que estabelece um prazo máximo para o total aproveitamento do crédito reconhecido por decisão transitada em julgado.
“Esses dois instrumentos aliados podem ser muito prejudiciais aos contribuintes. Ao mesmo tempo que a Receita congela o aproveitamento do crédito instaurando um TDPF, exige que o contribuinte zere o seu estoque de crédito em cinco anos.”
Leo Lopes, sócio do FAS Advogados, chama a atenção que os contribuintes vêm enfrentando obstáculos também na etapa de habilitação dos créditos – a fase anterior a das compensações. “Houve um caso em que tivemos que fazer três diligências na Receita Federal. Da primeira vez não aceitou o formato do protocolo. Da segunda negou porque deveria ser no formato do primeiro e na terceira aceitou. Há resistência já no protocolo da habilitação do crédito”, afirma.
O advogado cita ainda a demora para as respostas às habilitações. A Receita Federal deveria cumprir um prazo de 30 dias. “Mas tem habilitações que estão paradas há mais de três meses”, exemplifica. “Na prática, o que todo o mercado está enfrentando é uma série de barreiras que a Receita Federal vem utilizando para postergar o uso do crédito.”
A Telefônica foi procurada pelo Valor, mas afirmou que não se pronunciaria. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e a Receita Federal também foram procuradas e não retornaram até o fechamento da edição.
Valor Econômico – Por Joice Bacelo – 2 de outubro de 2019.