Grandes empresas, como Biosev, ArcelorMittal e Equinor Energy do Brasil/Statoil Brasil, foram à Justiça e obtiveram liminares contra o pagamento de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre a entrada no país de receitas de exportação. No início do ano, os bancos começaram a enviar cartas a exportadores para avisar que passariam a reter 0,38% de IOF, conforme novo entendimento da Receita Federal.
Concedidas em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, essas decisões já são usadas por outras empresas para evitar o recolhimento. Os contribuintes alegam que o Decreto nº 6.306, de 2007, garante alíquota zero do imposto nas operações de câmbio realizadas no ingresso dessas receitas (artigo 15-B).
A cobrança tem como base a Solução de Consulta nº 246, de dezembro, editada pela Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) da Receita Federal. O texto afirma que “se os recursos inicialmente mantidos em conta no exterior forem, em data posterior à conclusão do processo de exportação, remetidos ao Brasil, haverá incidência de IOF à alíquota de 0,38%”.
A Receita interpreta que o processo de exportação encerra-se com o recebimento dos recursos em conta mantida no exterior. Por isso, se em data posterior ao depósito o exportador decide remeter os recursos ao Brasil, é obrigado a pagar o IOF.
Os bancos decidiram seguir o entendimento da Receita porque são os responsáveis pela retenção automática do imposto e podem ser cobrados caso o IOF não seja recolhido. Esse percentual é significativo, principalmente para companhias que são majoritariamente exportadoras, como as dos setores de mineração, óleo e gás e do agronegócio.
A Biosev, uma das maiores processadoras de cana-de-açúcar do país, obteve liminar na 11ª Vara Cível Federal de São Paulo (processo nº 5001951-88.2019.4.03.6100). Para a juíza Regilena Emy Fukui Bolognesi, que julgou o caso, “a criação de marco temporal, efetivamente menor que vinte e quatro horas, cria obrigação que desborda de previsão normativa”.
Já a Equinor Energy/Statoil Brasil conseguiu, no Rio, decisão favorável do juiz João Augusto Carneiro Araújo, da 30ª Vara Federal do Estado. “Não há qualquer outra exigência na lei, a não ser que os ingressos sejam decorrentes de receitas de exportação”, diz o magistrado na decisão (processo nº 5011528-10.2019.4.02.5101).
Em Minas Gerais, a juíza Maria Edna Fagundes Veloso, da 15ª Vara Federal Cível, proferiu liminar para a ArcelorMittal. “A conclusão da Receita Federal, ao desbordar dos limites do decreto regulamentador, impondo restrições que este não contempla, vai na contramão do próprio escopo extrafiscal da norma, que ao fixar a alíquota zero para o IOF, não foi outra que não incentivar o ingresso, no país, de recursos decorrentes de exportação”, diz a juíza na decisão (processo nº 1001989-41.2019.4.01.3800).
O advogado Leonardo Homsy, sócio do escritório Mattos Filho, explica que a Lei nº 13.371, de 2006, permite a exportadores manter recursos no exterior, decorrentes de exportação, para cumprir obrigações lá fora. “Assim, a empresa mantém o recurso em moeda estrangeira sem ter que fazer um hedge para proteger esse capital”, diz. Além disso, ele lembra que as exportações brasileiras são desoneradas de tributos, com base no texto da Constituição Federal.
“Temos muitos clientes com esse problema da área de óleo e gás porque todo o nosso petróleo é exportado para ser refinado. Não resta outra alternativa a não ser entrar com ação na Justiça”, afirma Homsy.
Representante da ArcelorMittal no processo, o advogado Valter de Souza Lobato, do SCMD Consultores e Advogados, diz que a solução de consulta vai muito além da lei ao lhe dar uma interpretação incompatível com sua literalidade e com sua finalidade. “A receita de exportação não perde tal natureza por ter originalmente ingressado em conta no exterior e posteriormente internalizado no Brasil.”
Leonardo Melo, do escritório Almeida Advogados, representante da Biosev no caso, pondera que soluções de consulta têm o viés de “explicar, dirimir dúvidas, e não de criar confusão”, como entende ter ocorrido. “Está sendo extremamente prejudicial porque essa norma vincula todos os auditores e os responsáveis pelo recolhimento do IOF são os bancos, que, ao ter conhecimento, já sinalizaram para a tributação”, afirma.
A empresa ingressou com a ação após comunicado do Banco do Brasil, no começo do mês de fevereiro, informando que passaria a aplicar 0,38% de IOF nos casos em que os valores tivessem sido mantidos no exterior por prazo superior ao dia em que o depósito foi feito pelo adquirente dos produtos ou serviços.
Como a redação do Decreto 6.306 não se alterou e não foi editada lei nova, continua a valer a alíquota zero de IOF, segundo o advogado Fabio Calcini. “Pouco importa se esses recursos ficaram por um período no exterior”, diz. O especialista em tributos explica que o foco do IOF é regular operações e não arrecadar. “Não há razão de controle cambial que justifique essa mudança de entendimento do Fisco.”
O percentual da alíquota do imposto pode parecer pequeno, mas o impacto financeiro para o caixa das exportadoras é significativo, acrescenta Calcini. “Estamos distribuindo ações na Justiça e vamos usar as primeiras liminares obtidas, na argumentação, para questionar a cobrança”, afirma o tributarista.
O recebimento de recursos de exportação em contas no exterior é uma rotina comum entre os exportadores brasileiros, enfatizam os advogados Carolina Secches e Marcos Neder, do escritório Trench Rossi Watanabe. “Seja por ser mais conveniente para o negócio ou porque o exportador tem despesas que precisa pagar lá fora. Então ele recebe, usa parte do dinheiro para pagar as despesas e traz somente o restante”, diz Carolina.
Para os advogados, transitar pela conta bancária no exterior não desvirtua a natureza dessas receitas. “Não deixou de ser de exportação”, frisa Neder. Ele chama atenção que até recentemente os exportadores eram obrigados a preencher uma declaração sobre o uso de recursos em moeda estrangeira, a Derex. Por meio dela, a Receita podia confirmar que tais recursos eram receitas oriundas de exportação.
A Receita Federal foi procurada pelo Valor, mas informou que não iria se manifestar sobre o assunto. Já a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) não deu retorno até o fechamento da edição.
Fonte: Valor-18/03/2019
Por Laura Ignacio e Joice Bacelo | De São Paulo e Brasília