Empresas têm conseguido na Justiça afastar a cobrança de ISS sobre a importação de serviços – aqueles prestados no exterior. Apesar de a Lei Complementar nº 116, de 2003, que trata do tributo, obrigar o recolhimento, juízes e desembargadores vêm entendendo que não há previsão constitucional para a tributação.
Recentemente, a GKN do Brasil, multinacional inglesa fabricante de componentes de transmissão automotiva, obteve sentença na Justiça de Porto Alegre para anular autuações de mais de R$ 7 milhões efetuadas pelo Fisco de Porto Alegre (RS). Existem ainda decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) favoráveis a outras companhias.
As Fazendas dos municípios têm autuado empresas que deixam de pagar o ISS na importação de serviços prestados no exterior com base no artigo 1º, parágrafo 1º da Lei Complementar 116. O dispositivo diz expressamente que o ISS incide também sobre o serviço proveniente do exterior do país ou cuja prestação se tenha iniciado lá fora.
O advogado Rafael Diehl, do Diehl & Cella Advogados Associados, que assessora a GKN do Brasil, afirma que, apesar da previsão em lei, o fato gerador do imposto é o local da prestação de serviços e não se pode inverter essa lógica. Assim, de acordo com ele, como a prestação ocorreu fora do território brasileiro, esse tributo não poderia ser cobrado do tomador no país.
No caso da empresa GKN, o serviço foi prestado em Nova York. “A cobrança de ISS sobre a importação de serviços ofenderia o princípio da territorialidade”, diz o advogado.
Nesse caso, a decisão é do juiz João Pedro Cavalli Júnior, da 8ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central de Porto Alegre. Ele entendeu que inexiste previsão legal para o tomador de serviço brasileiro pagar tributo em razão de fato gerador (prestação do serviço) praticado por terceiro estrangeiro, não sendo nem contribuinte nem substituto do imposto (processo nº 001/1.15.0192786-9).
A Procuradoria-Geral do Município (PGM) de Porto Alegre informou por nota ao Valor que se trata de decisão recente, de primeira instância, e que “analisa seus termos para o competente recurso”.
O advogado tributarista Diogo Ferraz, do Freitas Leite Advogados, afirma que a Constituição não prevê expressamente a possibilidade de o ISS incidir sobre serviços importados, diferentemente do que ocorre com o ICMS, em que há previsão explícita.
“A questão não é pacífica. Por um lado, essa situação dá margem à interpretação de que a incidência do ISS na importação dependeria de expressa autorização constitucional. Por outro lado, atualmente existe uma tendência mundial de tributação no local do destino dos serviços, o que justifica tanto a incidência do ISS na importação quanto a isenção do ISS na exportação”, diz Ferraz.
Outro caso, julgado pelo TJ-SP, envolve a Premier Brasil Serviços de Suporte para Indústrias e a Prefeitura de São Paulo. A 14ª Turma foi unânime ao aceitar recurso da empresa e afastar a cobrança.
Segundo a decisão do relator, desembargador João Alberto Pezarini, ainda que a tributação do ISS na importação de serviços esteja inserida na Lei Complementar 116 “não possui previsão constitucional, configurando indevido alargamento do campo de incidência do ISS, em ofensa ao princípio da territorialidade das leis tributárias”.
De acordo com a decisão, o município de São Paulo estabeleceu a cobrança do ISS sobre importação de serviços por meio da Lei nº 13.701, de 2003. Porém, segundo o desembargador, “a Constituição Federal atribui aos municípios a competência para tributar o serviço prestado dentro dos seus limites de seu território” (apelação nº 9221533-34.2007.8.26.0000).
A prefeitura de São Paulo recorreu ao STJ, que não julgou o tema por se tratar de matéria constitucional. O Supremo Tribunal Federal (STF), porém, determinou que o processo seja levado a um novo julgamento no plenário do tribunal paulista, segundo os advogados que assessoram a companhia no processo, Fernando Ciscato e Fabíola Paes de Almeida Ragazzo, do Ronaldo Martins & Advogados. Isso porque só o plenário poderia declarar a inconstitucionalidade da lei, conforme o artigo 97 da Constituição.
Segundo Fabíola Ragazzo, “a Lei Complementar 116/03 trouxe um ilegal e indevido alargamento no campo de incidência do ISS, sendo manifestamente inconstitucional a exigência nos moldes por ela versados, instituindo a exigência sobre a importação de serviços, bem como pelas leis municipais locais que instituíram formalmente a incidência do imposto na mencionada prestação”. Para ela, a decisão do TJ-SP “constitui um avanço e uma mitigação da carga tributária nos negócios empresariais”.
A expectativa agora, segundo Fabíola, é que o plenário acolha esse entendimento e declare a inconstitucionalidade da Lei Complementar 116, na parte que trata da incidência do ISS na importação de serviços.
A Prefeitura de São Paulo informou, por meio de nota, que “não vai se pronunciar sobre o tema, que ainda não está pacificado no Judiciário”.
Já a decisão no STJ, que tem sido usada como precedente, é de 1992. No julgamento, a 1ª Turma entendeu que a lei do ISS do município de São Paulo, na época, não poderia alcançar fatos geradores ocorridos no exterior. O caso envolvia uma editora (REsp 26.827-1/SP).
Fonte: Valor – 12/07/2018.
Por Adriana Aguiar | De São Paulo