Os julgamentos no Plenário Virtual poderão ser mantidos depois que a situação de pandemia terminar e os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) voltarem às suas funções de forma presencial. Conta a favor da plataforma a possibilidade de se resolver mais casos em menos tempo.
Neste ano foram julgados 114 processos com repercussão geral – 19 deles em sessões presenciais e 95 no Plenário Virtual. Houve um aumento de mais de 300% se comparado com o ano de 2019, quando foram decididos somente 32 casos. Os dados são do próprio STF.
Foi preciso mudar o regimento da Corte para que o julgamento de processos com repercussão geral pudesse ser realizado no ambiente virtual. Apesar de essa alteração ter sido aprovada em meio à pandemia – como medida para manter o funcionamento dos trabalhos durante o período de isolamento social – não está estabelecida, na norma, como algo provisório.
Ao Valor, o STF informou, por meio da assessoria, que “a permissão para esses julgamentos terá continuidade até que seja estabelecida uma nova resolução”.
“A taxa de congestionamento estava inviável. No plenário, talvez, fossem necessários mais de dez anos para julgar tudo. Eles precisavam desenhar uma saída e o período de pandemia acabou acelerando muito isso”, diz Ademar Borges, professor de direito constitucional, acrescentando que há ainda a necessidade de ajustes na plataforma.
Para ele, não há dúvidas de que temas mais técnicos, entre eles os tributários, serão os direcionados ao ambiente virtual – como já vem ocorrendo – e os que ele chama de “estruturantes”, com impacto à sociedade ou que possam causar efeito econômico em cascata sobre outras discussões, serão os escolhidos para o julgamento presencial.
No Plenário Virtual, não há interação em tempo real. Segundo advogados, o nível de engajamento é menor e isso tem consequências. Nem todos os casos são enfrentados de forma plena e, por vezes, os ministros chegam ao mesmo resultado, com argumentos muito diferentes.
Na falta de um debate mais profundo e da possibilidade de os advogados interferirem – como ocorre com as questões de ordem, no plenário físico – corre-se o risco de se ter uma decisão que ainda deixe dúvidas sobre a matéria.
Ademar Borges diz já perceber, por exemplo, um aumento no número de embargos de declaração. “As interações estão sendo canalizadas nos embargos. E o tribunal vai ter que dar uma atenção porque será a última chance de fazer ajustes. Não se pode deixar a tese dúbia ou dois casos semelhantes e julgados no mesmo mês com decisões conflitantes”, diz.
O advogado cita o exemplo de dois processos diferentes, ambos sobre IPVA, que foram levados ao Plenário Virtual no mês de junho. Em um deles, uma ação direta de inconstitucionalidade, os ministros validaram uma lei de Santa Catarina que permitia a cobrança do imposto mesmo se o veículo estivesse registrado em outro Estado. No outro, um recurso especial, ficou definido que o IPVA tem de ser pago ao Estado de domicílio do contribuinte.
Para os advogados têm pesado ainda a falta de acesso à Corte. “A percepção geral é de que a advocacia não conseguiu exercer na plenitude o seu papel nesses julgamentos virtuais. Diferentemente de outras épocas, não temos conseguindo entregar memoriais e fazer os despachos com os ministros”, diz um advogado que prefere não ser identificado.
A rotina desses profissionais mudou. Os advogados têm passado as noites de sextas-feiras na frente do computador. Isso porque, não raro, o placar só se completa no fim do prazo para o julgamento.
Um outro advogado ouvido pelo Valor conta que em um dos casos, colocado em pauta no mês de agosto, eram 22h de sexta-feira quando conseguiu despachar com assessores e ministros para pedir que eles votassem. Sem o depósito dos votos até meia-noite não haveria quórum para ser declarado o resultado.
FONTE: Valor Econômico – Por Beatriz Olivon e Joice Bacelo, 21/10/2020.