Os contribuintes estão vencendo, na Justiça, a discussão sobre a cobrança do diferencial de alíquotas (Difal) do ICMS no comércio eletrônico. Levantamento realizado pelo escritório Bocater Advogados, com base em publicações no Diário Oficial, mostra que foram concedidas pelo menos sete liminares a empresas para adiar os recolhimentos – a maioria para 2023. Em apenas três casos, os pedidos foram negados.
A discussão surgiu com o atraso na publicação, pelo governo federal, da lei complementar exigida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para a cobrança. Aprovada pelo Congresso Nacional em 20 de dezembro, a norma, de nº 190, só foi publicada neste mês. Com o atraso, os contribuintes passaram a defender que o Difal só deveria valer a partir de 2023. Porém, sem ele, os Estados correm o risco de perder R$ 9,8 bilhões em arrecadação.
O tema, inclusive, foi novamente levado ao STF. A Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) questiona, em uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI), a previsão da Lei Complementar 190 de entrar em vigor na data da sua publicação (dia 5 deste mês).
Enquanto os ministros não definem a questão, as empresas estão recorrendo ao Judiciário para obter liminares contra o pagamento. As primeiras sete, segundo levantamento do Bocater Advogados, foram obtidas em São Paulo, Distrito Federal, Bahia e Espírito Santo.
Os Estados defendem a cobrança imediata. Como não se trata de aumento de imposto ou novo tributo, não seria necessário, segundo eles, cumprir nem a noventena (90 dias para início da cobrança a partir da publicação da lei) nem a chamada anterioridade anual (prazo de um ano) – que jogaria os recolhimentos para 2023.
Seis pedidos de liminares foram julgados em São Paulo. Três foram concedidos e outros três, não. As julgadas em outros Estados (Bahia e Espírito Santo) e no Distrito Federal são todas favoráveis.
Uma das liminares foi concedida pela 3ª Vara da Fazenda Pública Estadual e Municipal, Registros Públicos, Meio Ambiente e Saúde, em Vitória. A decisão beneficia a Perkons, empresa especializada em tecnologia para segurança e gestão integrada de tráfego. Afasta a exigência do Difal “por todo o exercício financeiro de 2022 e antes da edição de lei estadual regulamentando tal obrigação no âmbito do Estado do Espírito Santo”.
A Procuradoria-Geral do Estado vai recorrer da decisão. Em nota, afirma que a matéria já está em debate no Supremo, onde será decidida de forma definitiva (processo nº 5000602-63.2022.8.08.0024).
No Distrito Federal, liminar semelhante foi obtida pela Condor Indústria Química, na 7ª Vara da Fazenda Pública. “Considerando que a publicação da lei complementar ocorreu já no ano de 2022, entende-se que a exigência do Difal nas operações interestaduais destinadas a consumidores finais não contribuintes somente será válida a partir de janeiro de 2023”, diz o juiz Paulo Afonso Cavichioli Carmona (processo nº 0700137-46.2022.8.07.0018).
Já em São Paulo, a 1ª Vara de Fazenda Pública de Araraquara negou pedido liminar da Whirlpool. O juiz Guilherme Stamillo Santarelli Zuliani afirma na decisão que não se trata de criação de imposto novo ou majoração de imposto existente. A Lei Complementar nº 190, acrescenta, só disciplinou a distribuição do ICMS quando há movimentação de mercadorias entre dois Estados (processo nº 1012495- 52.2021.8.26.0510). A mesma justificativa foi usada pela 2ª Vara de Fazenda Pública de São Paulo (processo nº 1001125-55. 2022.8.26.0053).
A Procuradoria Geral do Estado (PGE), que atua nos casos, destaca que a aplicação da anterioridade tributária em relação ao Difal é um tema recente e, por enquanto, com decisões díspares. A PGE pretende recorrer de todas as decisões contrárias.
Para o órgão, “não é plausível” impor a Estados e ao Distrito Federal, por meio de lei complementar, obediência à anterioridade plena ou nonagesimal, já que a competência para instituir o Difal é dos entes subnacionais.
“Além de violar o pacto federativo e a competência tributária, há claro princípio concorrencial violado nessa interpretação, uma vez que produtos adquiridos pelo ecommerce interestadual terão tributação bem menor do que itens vendidos no mercado interno. Ou seja, o mesmo produto terá uma tributação diferente a depender da forma de aquisição”, diz na nota.
Apesar da maioria das liminares ser favorável, a advogada Rachel Mira Lagos, tributarista do Bocater Advogados, afirma que esse cenário pode mudar com a ação que tramita no STF. O relator é o ministro Alexandre de Moraes, que ficou vencido no julgamento anterior, em fevereiro de 2021. Ele disse, na ocasião, que não se tratava da criação de um novo tributo.
A advogada afirma que essa discussão levou empresas a retomarem outra, que pode ser considerada uma “tese filhote”: a cobrança da Difal nas vendas entre contribuintes do ICMS. Nesse caso, quem compra paga o diferencial. Isso ocorre na venda de maquinário entre empresas, por exemplo.
Não existe previsão legal para a cobrança, mas era feita com base em decreto que o STF desconsiderou em 2021, segundo Rachel. A Lei Complementar 190, acrescenta, não trata do assunto, o que animou as empresas a discutirem a questão. O advogado Maurício Barros, sócio do Demarest Advogados afirma que alguns clientes já tinham essa discussão da “tese filhote”, mas o interesse por ela foi reforçado agora.
No começo do mês, a Justiça concedeu parcialmente pedido da BRF. A companhia pedia, na ação, para afastar a exigibilidade do Difal nas operações interestaduais de aquisição de mercadorias destinadas ao uso e consumo nos seus estabelecimentos, tendo em vista a inexistência de lei complementar regulando a matéria, com base na decisão do STF.
A juíza Luiza Barros Rozas Verotti, da 13ª Vara de Fazenda Pública de São Paulo, considerou o pedido procedente para as operações ocorridas a partir do exercício de 2022. Cabe recurso (processo nº 1057052-40.2021.8.26.0053).
Valor Econômico – Por Beatriz Olivon, 20/01/2022