PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) Nº 5023060-85.2024.4.03.6100 / 21ª Vara Cível Federal de São Paulo
AUTOR: CALIBRATEC – MANUTENCAO DE EQUIPAMENTOS LTDA
Advogado do(a) AUTOR: JULIA LEITE ALENCAR DE OLIVEIRA – SP266677
REU: UNIAO FEDERAL – FAZENDA NACIONAL
D E C I S Ã O
Trata-se de ação processada sob o rito comum ajuizada por CALIBRATEC MANUTENÇÃO DE EQUIPAMENTOS LTDA em face da UNIÃO FEDERAL, objetivando, em sede de tutela provisória de urgência, provimento jurisdicional que determine “a suspensão da exigibilidade do crédito tributário (CTN, art. 151, V) decorrente da indevida inclusão do ISS na base de cálculo do PIS e da COFINS”.
Aduz que a inclusão do ISSQN na base de cálculo do PIS e da COFINS ocorre em razão do argumento de que aquele tributo não integra o conceito de faturamento/receita, sustentando, ainda, a inconstitucionalidade de tal imposição tributária.
Menciona, ainda, que o entendimento deduzido na decisão do Supremo Tribunal Federal – STF no RE 574.706/PR, que declarou que o ICMS não compõe a base de incidência do PIS e da COFINS, porque estranho ao conceito de faturamento, pode ser aplicado ao presente caso.
Com a inicial vieram documentos.
Após o recolhimento de custas processuais (ID 339725429), vieram os autos conclusos.
É o relatório.
Decido.
A Constituição Federal de 1988 (CF/88) determinou que a seguridade social deveria ser “financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios” (art. 195, caput), bem como por meio das contribuições sociais indicadas nos diversos incisos e alíneas daquele mesmo artigo.
Dentre as contribuições autorizadas para tal finalidade, destacam-se aquelas impostas ao empregador, à empresa e à entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre a receita ou o faturamento (art. 195, I, alínea “b”, da CF/88 – redação atual).
A redação original do art. 195, I, da CF/88 falava apenas em “faturamento”, o que gerou discussões em razão do advento da LC 70/91 (decidida na ADC 01 (STF)) e da Lei n. 9.718/98 (decidida no RE n. 346.084/PR (STF)). A ementa deste último julgamento bem explica a posição do Supremo Tribunal Federal a respeito de tais questões:
“[…] A jurisprudência do Supremo, ante a redação do artigo 195 da Carta Federal anterior à Emenda Constitucional n. 20/98, consolidou-se no sentido de tomar as expressões receita bruta e faturamento como sinônimas, jungindo-as à venda de mercadorias, de serviços ou de mercadorias e serviços. É inconstitucional o § 1o do artigo 3o da Lei n. 9.718/98, no que ampliou o conceito de receita bruta para envolver a totalidade das receitas auferidas por pessoas jurídicas, independentemente da atividade por elas desenvolvida e da classificação contábil adotada”.
Com o advento da Emenda Constitucional 20/98, o art. 195, I, alínea “b”, da CF/88 passou a autorizar, como já visto acima, a incidência da contribuição social sobre “a receita ou o faturamento”. Assim, a partir de então, qualquer receita do contribuinte, que seja reveladora de capacidade contributiva, pode ser incluída, por lei, como integrante da base de cálculo das contribuições sociais lastreadas naquele dispositivo constitucional.
Ademais, como ensina Leandro Paulsen:
“Quando do advento da Constituição de 1988, havia duas contribuições vigentes incidindo sobre o faturamento: a contribuição ao PIS/Pasep, instituída pela LC n. 07/70, e a contribuição denominada Finsocial, instituída pelo DL n. 1.940/82. Ambas foram recepcionadas: a) a contribuição PIS/Pasep para que continuasse vigendo em caráter permanente, conforme o art. 239; b) a contribuição Finsocial para que prosseguisse vigendo, temporariamente, até que instituída nova contribuição no exercício da competência ordinária do art. 195, I, sobre o faturamento, recepção esta feita e disciplinada pelo art. 56 do ADCT. Com tais recepções expressas, restou excepcionada a vedação de bis in idem entre contribuições de seguridade social constante do art. 195, § 4o, da Constituição. Ou seja, prosseguiram coexistindo as duas contribuições sobre o faturamento, forte em fundamentos constitucionais distintos: os arts. 239 e 195, I, c/c o art. 56 do ADCT. O STF, aliás, pronunciou-se nesse sentido, afirmando a existência de suporte constitucional para incidência simultânea de ambas[…]” (PAULSEN, Leandro; VELLOSO, Andrei Pitten. “Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro”. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 225).
Atualmente, temos, então, duas contribuições incidentes sobre a receita ou faturamento:
COFINS (que substituiu a contribuição FINSOCIAL) – regida pela LC 70/91, pela Lei n. 9.718/98 e pela Lei n. 10.833/2003 (pode ser disciplinada por lei ordinária);
Contribuição PIS/Pasep – regida pela Lei n. 9.715/98 e pela Lei n. 9.718/98
Essa legislação acima descrita trata do regime comum ou cumulativo das contribuições PIS e COFINS, que é aplicável à maior parte das empresas, incluindo as tributadas pelo imposto de renda incidente sobre o lucro presumido ou arbitrado, as imunes a impostos e as cooperativas (art. 10 da Lei n. 10.833/2003; art. 8o da Lei n. 10.637/2002 c/c art 16 da Lei n. 10.833/2003). Neste regime, não se admite apuração nem compensação de créditos para cálculo da contribuição a ser paga.
Há também o regime não cumulativo aplicável às empresas tributadas, quanto ao imposto de renda, com base no lucro real (Lei n. 10.637/2002 para PIS; Lei n. 10.833/2003 para a COFINS).
A Emenda Constitucional n. 42/2003 autorizou a criação de contribuição social do “importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar” (art. 195, IV, da CF/88), o que foi feito por meio da Lei n. 10.865/2004.
Vejamos a situação específica debatida nos autos.
Percebe-se, em análise prefacial, que a impetrante pretende a não inclusão da parcela do ISSQN na base de cálculo do PIS e da COFINS, assim como a compensação dos valores indevidamente recolhidos aos cofres públicos, por não se tratar de valores tidos como faturamento ou receita, termos estes utilizados para limitar a base de cálculo dos tributos já referenciados.
Nesse ponto, sigo a jurisprudência do E. Tribunal Regional Federal desta 3a Região, nos seguintes termos, que adoto como razão de decidir. Vejamos:
TRIBUTÁRIO. BASE DE CÁLCULO PIS E COFINS. EXCLUSÃO ISS. APLICAÇÃO DO RE 574.706/PR. POSSIBILIDADE. COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA. ART. 26-A LEI 11.457/2007. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. – O Plenário STF, no julgamento do RE nº 574.706-PR, reconheceu que o valor arrecadado a título de ICMS não se incorpora ao patrimônio do contribuinte, não podendo integrar a base de cálculo do PIS e da COFINS. – O valor do ICMS a ser excluído da base de cálculo do PIS/COFINS é o destacado na nota fiscal, e não o ICMS efetivamente pago ou arrecadado. – A recente posição do STF sobre o descabimento da inclusão do ICMS na formação da base de cálculo do PIS/COFINS aplica-se também ao caso da inclusão do ISS, já que a situação é idêntica. – A autora faz jus à compensação/restituição dos valores indevidamente pagos. – Nos termos do art. 74, da Lei 10.637/2002, a compensação poderá ser feita com débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal, observado o artigo 26-A, da Lei 11.457/2007. – Apelação parcialmente provida.
(APELAÇÃO CÍVEL ..SIGLA_CLASSE: ApCiv 5001309-12.2021.4.03.6144 ..PROCESSO_ANTIGO: ..PROCESSO_ANTIGO_FORMATADO:, Desembargador Federal MONICA AUTRAN MACHADO NOBRE, TRF3 – 4ª Turma, DJEN DATA: 28/03/2023 ..FONTE_PUBLICACAO1: ..FONTE_PUBLICACAO2: ..FONTE_PUBLICACAO3:.)
TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. AGRAVO INTERNO. ISS NA BASE DE CALCULO PIS COFINS. RE 574.706/PR APLICADO POR SIMILARIDADE. MODULAÇÃO PENDENTE DE APRECIAÇÃO RE 592.616 (TEMA 118). COMPENSAÇÃO.
– O Plenário do E. Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE nº 574.706-PR, publicado em 02.10.2017, por maioria e nos termos do voto da E. Relatora, Ministra Cármen Lúcia (Presidente), apreciando o tema 69 da repercussão geral, firmou entendimento no sentido de que “O ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da Cofins”.
– O E. Supremo Tribunal Federal, nos autos do citado RE, acolheu parcialmente os embargos de declaração, para modular os efeitos do julgado, fixando como marco temporal a data da sessão de julgamento de 15.03.2017 para aplicação do entendimento firmado no RE 574.706, admitida a produção de efeitos retroativos para as ações judiciais e administrativas protocoladas até o julgamento do mérito do RE.
– No que toca ao ISS, compartilho do entendimento de que tal tributo não compõe a base de cálculo das contribuições do PIS e da COFINS, aplicando, por similaridade, a tese fixada no RE nº 574.706. Entretanto, tenho que a modulação dos efeitos da decisão do RE nº 574.706/PR não se aplica aos casos do ISS.
[…]
(TRF 3ª Região, 6ª Turma, ApelRemNec – APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA – 5010875-20.2021.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal LUIZ ALBERTO DE SOUZA RIBEIRO, julgado em 25/08/2023, DJEN DATA: 31/08/2023)
TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL. CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. PIS. COFINS. BASE DE CÁLCULO. EXCLUSÃO DO VALOR DE ICMS DESTACADO EM NOTA FISCAL. OBSERVÂNCIA DE MODULAÇÃO DE EFEITOS. EXCLUSÃO DO VALOR DE ISS DESTACADO EM NOTA FISCAL. NÃO CABIMENTO DE MODULAÇÃO DE EFEITOS. COMPENSAÇÃO. APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA DESPROVIDAS.
- Discute-se a inclusão, na base de cálculo da contribuição para o Programa de Integração Social – PIS e da Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social – COFINS, de valores recebidos a título de Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS.
- Segundo entendimento desta Corte, não se verifica impedimento para julgamento do recurso em razão da pendência de julgamento pelo e. STF do Tema de Repercussão Geral n.º 118, haja vista que, em que pese imperativo legal expresso no artigo 1.035, § 5º, do CPC, não houve determinação da Corte Suprema para suspensão da tramitação dos processos que versem sobre a questão (confira-se: STF, Pleno, RE/RG-QO 966177).
- Segundo o entendimento desta 3ª Turma, remanesce o interesse processual, inclusive após o julgamento do Tema de Repercussão Geral n.º 69 e da aprovação do Parecer SEI n.º 7.698/2021/PGFN-ME, “pois ‘além da discussão da tese jurídica em si, supervenientemente resolvida pela Corte Suprema, subsiste a necessidade de análise dos fatos essenciais ao reconhecimento concreto do direito vindicado’, a exemplo dos parâmetros da compensação do indébito tributário e o próprio cabimento da restituição pela via administrativa”. Precedente.
- O e. Supremo Tribunal Federal, respectivamente em 25.04.2008 e 10.10.2008, reconheceu repercussão geral aos temas n.º 69 (“Inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS.”) e 118 (“Inclusão do ISS na base de cálculo do PIS e da COFINS.”), este último ainda pendente de julgamento (RE n.º 592.616/RS).
- No julgamento do Recurso Extraordinário n.º 574.706/PR, com reconhecimento de repercussão geral (tema n.º 69), o e. STF firmou tese no sentido de que “o ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da Cofins”, observada a modulação de seus efeitos a partir de 15.03.2017, ressalvadas as ações judiciais e procedimentos administrativos protocolados até referida data.
- Reconhecido pelo Plenário do e. STF que não há receita, mas ônus fiscal relativo aos valores destacados nas notas fiscais a título de ICMS, tem-se que, em relação às contribuições ao PIS e COFINS incidentes sobre fatos geradores ocorridos a partir de 16.03.2017, não compõem sua base de cálculo os valores percebidos a título de ICMS, devidamente destacados nas notas fiscais.
- Não obstante a Corte Suprema não tenha firmado tese quanto ao Tema de Repercussão Geral n.º 118, por analogia, aplica-se ao ISS o mesmo entendimento que se desenvolveu sobre o ICMS, que, igualmente, representaria um ônus fiscal. Assim, também os valores percebidos a título de ISS, devidamente destacados nas notas fiscais, não compõem sua base de cálculo contribuições ao PIS e COFINS.
[…] (TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApelRemNec – APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA – 5023739-90.2021.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO, julgado em 31/08/2023, Intimação via sistema DATA: 04/09/2023)
Portanto, a tutela liminar merece deferimento.
Por fim, cumpre referir que a matéria em discussão foi afetada pelo Supremo Tribunal Federal à sistemática da repercussão geral (Tema 118 – “Inclusão do ISS na base de cálculo do PIS e da COFINS”), sem, contudo, ter determinado a suspensão do trâmite de todos os processos que versem sobre o referido assunto.
Ante o exposto, DEFIRO O PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA para determinar à RÉ que deixe de exigir da autora o recolhimento das contribuições do PIS e da COFINS incidentes sobre parcela referente ao ISSQN devido pela autora, de forma comprovada, devendo se abster de promover meios diretos e indiretos de cobrança do crédito tributário, que também não servirá de impedimento ao direito de obter certidões de regularidade fiscal pela requerente.
Int. Cite-se.
A presente decisão servirá de ofício, mandado, carta precatória.
Publique-se. Intimem-se.
São Paulo, data registrada no sistema.
PAULO CEZAR NEVES JUNIOR
Juiz Federal
TRF 3ª REGIÃO