MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL (120) Nº 5000960-39.2024.4.03.6100 / 14ª Vara Cível Federal de São Paulo IMPETRANTE: SEARA ALIMENTOS LTDA Advogado do(a) IMPETRANTE: FABIO AUGUSTO CHILO – SP221616 IMPETRADO: UNIAO FEDERAL – FAZENDA NACIONAL, DELEGADO DA DELEGACIA DE ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL (DERAT/SPO) D E C I S Ã O Trata-se de mandado de segurança visando à concessão de medida liminar que afaste todos os efeitos jurídicos do artigo 4º da Medida Provisória nº 1.202/2023, permitindo o regular exercício do direito à compensação integral dos créditos reconhecidos judicialmente em favor da impetrante. Subsidiariamente, requer a concessão de medida liminar que assegure o direito da impetrante de não aplicar o regramento disciplinado no artigo 4º da Medida Provisória nº 1.202/2023 para todas as compensações, ainda que supervenientes, cujos créditos tenham sido reconhecidos em ação judicial proposta em data pretérita à publicação da mencionada Medida Provisória ou que assegure o direito da impetrante de não aplicar o regramento disciplinado no artigo 4º da Medida Provisória nº 1.202/2023 para todas as compensações, ainda que supervenientes, cujos créditos tenham sido habilitados a partir de renúncias ao direito à execução judicial dos títulos executivos protocoladas em datas anteriores ao advento da Medida Provisória em questão. Em último caso, pleiteia a concessão de medida liminar que reconheça a necessidade de que os limites impostos ao direito de compensação, na forma do artigo 4º da Medida Provisória nº 1.202/2023, observem os princípios da anterioridade geral e nonagesimal, contada a partir da data da publicação da Portaria Normativa MF nº 14/2024 ou, no mínimo, da publicação da Medida Provisória. A impetrante relata que possui diversas ações judiciais de natureza tributária que foram resolvidas em sentido favorável ao seu interesse, tendo sido reconhecido o direito à recuperação dos valores indevidamente recolhidos pela empresa. Narra que, na maioria dos casos, optou pela habilitação administrativa do crédito e protocolou petição nos autos desistindo expressamente do seu direito à execução judicial, na forma do artigo 102, parágrafo 1º, da Instrução Normativa RFB nº 2.055/2021. Afirma que, em 29 de dezembro de 2023, foi publicada a Medida Provisória nº 1.202/2023, a qual delegou ao Ministro da Fazenda o direito de estabelecer os limites que entende pertinentes para a utilização dos créditos reconhecidos judicialmente e habilitados na esfera administrativa. Descreve que a Portaria Normativa MF nº 14/2024 estabeleceu limites temporais para a utilização do indébito tributário reconhecido em favor dos contribuintes. Alega que a opção pela habilitação administrativa do direito creditório tratou-se de ato jurídico perfeito, adotado com base na legislação tributária vigente e com efeitos jurídicos próprios, incluindo a renúncia de seu direito de acesso ao Poder Judiciário, de modo que a legislação superveniente não pode alterar as consequências jurídicas desse ato no tempo, sob pena de violação de princípios legais e constitucionais. Sustenta que a Medida Provisória nº 1.202/2023 contraria o disposto no artigo 170 do Código Tributário Nacional, o qual determina que caberá apenas à lei o direito de dispor sobre as condições e as garantias para a realização das compensações administrativas. Defende que o artigo 4º da Medida Provisória nº 1.202/2023 também viola o artigo 62, parágrafo 1º, da Constituição Federal, uma vez que a exposição de motivos deixa claro que a limitação pretende resguardar a arrecadação federal e, no presente caso, não se vislumbra a urgência da medida. Aduz que, no julgamento do Recurso Especial nº 1.137.738/SP, o Superior Tribunal de Justiça fixou a tese no sentido de que “em se tratando de compensação tributária, deve ser considerado o regime jurídico vigente à época do ajuizamento da demanda (…)”. Reforça que, ao julgar o Recurso Especial nº 1.164.452/MG (Tema nº 345), o Superior Tribunal de Justiça firmou a tese de que as restrições supervenientes ao direito de compensação não alcançam o crédito reconhecido em ações judiciais propostas em datas pretéritas. Argumenta que, no mínimo, o artigo 4º da Medida Provisória nº 1.202/2023 deveria observar o princípio da anterioridade geral e nonagesimal. A inicial veio acompanhada da procuração e de documentos. Foi concedido à impetrante o prazo de quinze dias para apresentar planilha indicativa dos números e dos respectivos objetos dos processos indicados na certidão de Id 312087538, tendo em vista o grande número de demandas (id nº 312104143). A impetrante apresentou a manifestação de id nº 312134281. Conforme id nº 313031554, foi concedido à impetrante o prazo de quinze dias, sob pena de indeferimento da petição inicial, para regularizar sua representação processual, uma vez que os documentos apresentados no id 312074894 foram subscritos há mais de um ano e para comprovar, ainda que por amostragem, que requereu compensação de débitos tributários por crédito decorrente de ação judicial, tendo em vista que, em mandado de segurança, a prova dos fatos deve ser pré-constituída. A impetrante manifestou-se nas petições de id ns 314509443 e 315778220. É o relatório. Decido. Afasto a possibilidade de prevenção com os processos relacionados na aba “Associados”, pois possuem objetos diversos da presente ação, conforme tabela de id nº 312134286. Assim determina o artigo 4º da Medida Provisória nº 1.202/2023: “Art. 4º A Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, passa a vigorar com as seguintes alterações:
‘Art. 74. ……
§ 3º …….
X – o valor do crédito utilizado na compensação que superar o limite mensal de que trata o art. 74-A.’
‘Art. 74-A. A compensação de crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado observará o limite mensal estabelecido em ato do Ministro de Estado da Fazenda. § 1º O limite mensal a que se refere o caput: I – será graduado em função do valor total do crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado; II – não poderá ser inferior a 1/60 (um sessenta avos) do valor total do crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado, demonstrado e atualizado na data da entrega da primeira declaração de compensação; e III – não poderá ser estabelecido para crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado cujo valor total seja inferior a R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais). § 2º Para fins do disposto neste artigo, a primeira declaração de compensação deverá ser apresentada no prazo de até cinco anos, contado da data do trânsito em julgado da decisão ou da homologação da desistência da execução do título judicial.” (grifado) O artigo 146, inciso III, da Constituição Federal estabelece o seguinte: “Art. 146. Cabe à lei complementar: (…) III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas, inclusive em relação aos tributos previstos nos arts. 156-A e 195, V; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023) d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso dos impostos previstos nos arts. 155, II, e 156-A, das contribuições sociais previstas no art. 195, I e V, e § 12 e da contribuição a que se refere o art. 239. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)” Nos termos do artigo 170, caput, do Código Tributário Nacional, “A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda pública” (grifado). A Medida Provisória nº 1.202/2023 definiu que a compensação de crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado observará o limite mensal estabelecido em ato do Ministro de Estado da Fazenda. Destarte, o artigo 74-A da Lei nº 9.430/96, incluído pela Medida Provisória nº 1.202/2023, contraria o princípio da reserva legal, uma vez que outorga ao Ministro da Fazenda o poder de fixar o limite mensal para a compensação dos créditos, enquanto tal matéria somente poderia ser tratada por lei. O Poder Executivo apenas poderia regulamentar as disposições legais, não podendo, todavia, criar limitações ou condições ao direito dos contribuintes. Em face do exposto, defiro a medida liminar para afastar todos os efeitos jurídicos do artigo 4º da Medida Provisória nº 1.202/2023, permitindo o regular exercício do direito à compensação integral dos créditos reconhecidos judicialmente em favor da impetrante. Notifique-se a autoridade impetrada para ciência, cumprimento e para que preste informações no prazo legal. Dê-se ciência ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada, enviando-lhe cópia da inicial sem documentos, para que, querendo, ingresse no feito, nos termos do artigo 7°, inciso II, da Lei nº 12.016/2009. Manifestando interesse em ingressar nos autos, retifique-se a autuação. Após, vista ao Ministério Público Federal e, na sequência, venham conclusos para sentença. Intimem-se as partes. São Paulo, data da assinatura no sistema.