PROCESSO Nº: 0802780-93.2024.4.05.8201 – MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL
IMPETRANTE: _____________ SUPERMERCADO LTDA
ADVOGADO: Allan De Queiroz Ramos
IMPETRADO: FAZENDA NACIONAL e outro
10ª VARA FEDERAL – PB (JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO)
SENTENÇA
I – Relatório
- Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado por _____________ contra ato
atribuído ao DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM JOÃO PESSOA/PB, objetivando
determinar à autoridade coatora que admita declarações de compensação de crédito tributário reconhecido
judicialmente (DCOMPs), sem contrapor prescrição ou qualquer outro óbice, permitindo ao contribuinte o
aproveitamento da totalidade dos créditos habilitados tempestivamente no Fisco Federal, sem limitação
temporal, afastando-se, assim, a restrição prevista no art.
106 da IN-RFB n.º 2.055/21 e na Solução de Consulta COSIT n.º 239/2019.
- Na inicial, alega a impetrante, em síntese, que:
- a) ajuizou anteriormente, nesta 10ª Vara Federal/PB, o mandado de segurança nº
080059614.2017.4.05.8201, em que, ao final, foi concedida a segurança, a fim de afastar a inclusão do ICMS
nas bases de cálculo do PIS e da COFINS, bem como reconhecer o direito à compensação dos valores
indevidamente recolhidos, respeitado o prazo prescricional de cinco anos;
- b) em 01/04/2019, ocorreu o trânsito em julgado do julgado, reconhecendo a inexigibilidade dos tributos
referidos;
- c) promoveu pedido de habilitação de crédito oriundo da sentença transitada em julgado, em 28/09/2021,
o qual foi deferido, nos termos do Despacho Decisório proferido no PAF N.º 0166.791772/2021-40; e
- d) a IMPETRANTE vinha compensando mensalmente o crédito habilitado com seus tributos vincendos;
contudo, na última tentativa de realizar o pedido de compensação no portal do e-CAC, o sistema do Fisco
não está mais admitindo a transmissão da declaração (DCOMP), por indevidamente acusar prescrição, o que
viola os princípios da legalidade, da segurança jurídica e da coisa julgada.
- Com a inicial, os documentos de id. 4058201.14195494 a 14195380. Custas pagas.
- O MPF não manifestou sobre o mérito da demanda, afirmando a ausência de interesse público primário
que justifique sua intervenção.
- A PFN requereu apenas o acompanhamento do feito.
- Notificada, a autoridade impetrada prestou informações, pugnando pela denegação da liminar e da
segurança.
- É o que importa relatar. Decido.
II – Fundamentação
- O mandado de segurança, remédio constitucional previsto no capítulo destinado aos direitos e deveres
individuais e coletivos, é cabível para a proteção de direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus
ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente
de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público (art. 5º, LXIX).
- No caso, a impetrante requer liminar para o fim de determinar que a autoridade administrativa se
abstenha de impedir a empresa contribuinte de processar, no sistema eletrônico da RFB, pedidos de
compensação relativos ao crédito decorrente de sentença judicial transitada em julgado, habilitado em
28/09/2021, conforme PAF nº 0166.791772/2021-40.
- O CTN, nos arts. 165, inciso III, c/c o art. 168, inciso II, dispõe que o sujeito passivo tem direito,
independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo na hipótese de cobrança ou
pagamento espontâneo de valor indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou
da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido, sendo que essa faculdade
submete-se ao prazo de 05 (cinco) anos, a partir do trânsito em julgado da decisão judicial que tenha
reconhecido o direito do(a) contribuinte.
- Nesse contexto, a IN-RFB n. 2.055/2021, em seu art. 106, estabelece que a declaração de
compensação em questão poderá ser apresentada no prazo de até 5 (cinco) anos, a partir da data do trânsito
em julgado da decisão ou da homologação da desistência da execução do título judicial.
- Segundo o parágrafo único do mesmo preceito supra, o prazo fica suspenso no período compreendido
entre a data de protocolização do pedido de habilitação do crédito decorrente de ação judicial e a data da
ciência do seu deferimento.
- Na hipótese sob exame, o pedido de habilitação foi requerido administrativamente e deferido, nos
termos do Despacho Decisório DCFAZ 4ªRF nº 9.632/2021 (id. 4058201.14325636), com cientificação do
contribuinte em 03/03/2022; na sequência, a impetrante passou a transmitir as declarações PER/DCOMP,
iniciando a operacionalização do procedimento de compensação do crédito.
- Diante desse cenário, promovida a habilitação do crédito antes de cinco anos contados do trânsito em
julgado da sentença, que se deu em 23/01/2019, não se pode falar em inércia do contribuinte, uma vez que
ele tomou as medidas necessárias para iniciar o procedimento dentro do prazo prescricional. Ademais,
iniciado o procedimento, a impetrante tem o direito de utilizar-se dos créditos integralmente, pois não há
previsão legal que fixe prazo para o seu término.
- Nesse sentido, confira-se o entendimento iterativo da jurisprudência, inclusive do Superior Tribunal de
Justiça:
TRIBUTÁRIO. COMPENSAÇÃO. PRESCRIÇÃO. CINCO ANOS A CONTAR DO TRÂNSITO EM JULGADO
DA DECISÃO QUE RECONHECEU A EXISTÊNCIA DOS CRÉDITOS. CABÍVEL SOMENTE PARA O INÍCIO
DA COMPENSAÇÃO. 1. Os fundamentos do acórdão recorrido não foram infirmados nas razões do recurso
especial, aplicando-se, desse modo, a inteligência do verbete sumular 283/STF, a impedir o trânsito do apelo.
- A jurisprudência do STJ assenta que o prazo para realizar a compensação de valores reconhecidos por
meio de decisões judiciais transitadas em julgado, a teor do art. 165, III, c/c o art. 168, I, do CTN, é de cinco
anos. Portanto, dispõe a contribuinte de cinco anos para iniciar a compensação, contados do trânsito em
julgado da decisão judicial que reconheceu o direito ao crédito. 3. “É correto dizer que o prazo do art. 168,
caput, do CTN é para pleitear a compensação, e não para realizá-la integralmente” (REsp 1.480.602/PR,
Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/10/2014, DJe 31/10/2014).2Agravo
regimental improvido. (AgRg no REsp 1.469.926/PR, relator Ministro Humberto Martins, Segunda Turma,
julgado e 7/4/15, DJe de 13/4/15.)
TRIBUTÁRIO. DIREITO CREDITÓRIO RECONHECIDO JUDICIALMENTE. COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA.
HABILITAÇÃO ADMINISTRATIVA DOS CRÉDITOS. INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO. Realizado o
pedido de habilitação dos créditos dentro do prazo prescricional de 05 anos contados do trânsito em
julgado da ação que reconheceu o direito à compensação, tem a impetrante o direito de compensar a
integralidade de seus créditos, porquanto a habilitação do crédito efetuada interrompe o prazo
prescricional e, uma vez iniciada a compensação, não há prazo máximo à sua finalização. (TRF4
5012637-47.2018.4.04.7200, PRIMEIRA TURMA, untado aos autos em 10/11/2022)
TRIBUTÁRIO. COMPENSAÇÃO. PRESCRIÇÃO DE CINCO ANOS A CONTAR DO TRÂNSITO EM
JULGADO DA DECISÃO QUE RECONHECEU A EXISTÊNCIA DOS CRÉDITOS. APLICABILIDADE
SOMENTE PARA O INÍCIO DA COMPENSAÇÃO. AFASTAMENTO QUANTO À REALIZAÇÃO
INTEGRAL. REMESSA OFICIAL E APELAÇÃO IMPROVIDAS. 1. Remessa oficial e apelação interposta pela
FAZENDA NACIONAL contra sentença que, em ação mandamental, concedeu a segurança para determinar
que a autoridade coatora se abstenha de impedir as compensações com créditos oriundos do MS n. 0008129-
95.2010.4.05.8300, sob o argumento de decadência ou prescrição ao direito de utilização dos créditos, dando
o devido prosseguimento às compensações pleiteadas até o esgotamento total do crédito existente, bem
como deferiu o pedido de liminar para autorizar o impetrante a prosseguir com as compensações até o limite
do seu crédito já habilitado (R$ 221.890,69), afastando a aplicação do entendimento da RFB (Solução de
Consulta n. 239/2019). 2. Inexiste norma que estabeleça prazo para que o adimplemento de uma obrigação
seja cumprido pelo devedor, isto é, não existe determinação legal que fixe o tempo máximo para a finalização
da compensação. 3. O art. 168 do CTN ao dispor que “o direito de pleitear a restituição extingue-se com o
decurso do prazo de 5 (cinco) anos”, estabelece que o prazo é para que se realize o pleito de compensação
e não para realizá-la integralmente. 4. Nos termos do art. 146, III, “b “da CF, cabe à lei complementar
estabelecer normas sobre prescrição tributária, sendo descabido à Receita Federal do Brasil a
criação, por ato infralegal, de normas que tratem sob o tema. 5. A jurisprudência da Segunda Turma
do STJ firmou entendimento no sentido de que o prazo de cinco anos para realizar a compensação
de valores reconhecidos por meio de decisões judiciais transitadas em julgado, a teor do art. 165, III,
c/c o art. 168, I, do CTN, é para pleitear referido direito (compensação), e não para realizá-la
integralmente. Precedentes: REsp 1469954/PR, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em
18/08/2015, DJe 28/08/2015; AgRg no REsp 1.469.926/PR, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma,
DJe 13/04/2015; REsp 1.480.602/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma,DJe 31/10/2014). 6.
Remessa oficial e apelação improvidas. (TRF5, APELAÇÃO 0820329-52.2020.4.05.8300, data 10/08/2021).
- Com efeito, não pode o contribuinte ser prejudicado quando promoveu seu direito em tempo hábil, já
que o pedido de habilitação foi apresentado dentro do prazo quinquenal.
- Muito embora o pedido de habilitação e o pedido de compensação constituam atos distintos, é
evidente que integram um único procedimento voltado a um mesmo fim: a obtenção da compensação do
crédito obtido por força de decisão judicial transitada em julgado. O pedido de habilitação de crédito é o
primeiro ato voltado ao exercício do direito subjetivo à compensação.
- Desse modo, o entendimento da jurisprudência é que a aplicabilidade dos termos indicados no Código
Tributário Nacional (arts. 165 e 168) se refere ao pleito de compensação, e não ao seu encerramento. De tal
sorte, havendo impossibilidade concreta de compensação, não deve ser considerado prazo final para
conclusão das compensações para consumo de todo o crédito.
- Com base no mesmo raciocínio, o Acórdão nº 3302-006.585, proferido em 26/03/2019 pela 3ª
Câmara/2ª Turma Ordinária do CARF, concluiu não ser possível que a norma prescricional seja interpretada
de forma a exigir que o particular faça algo impossível, ou seja, utilizar um crédito sem que exista um débito:
“Assim, a questão jurídica posta a análise é de se o prazo prescricional de cinco anos limita o início das
compensações ou o fim das compensações. Em outras palavras, se após iniciadas as compensações, se o
contribuinte possui prazo para concluí-las, e se este prazo varia de acordo com a existência ou não de débitos,
ou seja, se o contribuinte pode, mesmo tendo débitos, prolongar a compensação de acordo com sua
discricionariedade.
(…) Contudo, a questão reside em afirmar, diante da omissão da norma jurídica, qual seria o prazo para
terminar o procedimento compensatório.
Esta indagação, no entanto, é dividida em três hipóteses:
A primeira delas é a do contribuinte que não conclui as compensações sem qualquer motivo. A segunda é a
do contribuinte que tem créditos, mas não exercita o direito durante o prazo de cinco anos. A terceira é do
contribuinte que não exercita o direito compensatório por não ter tributos a compensar.
Inicialmente, como o direito não pode determinar condutas impossíveis e os enunciados jurídicos
devem ser interpretados de forma a gerar normas válidas, não é possível que a norma decadencial ou
prescricional seja interpretada de forma a exigir que o particular faça algo impossível, ou seja, utilizar
um crédito sem que exista um débito.
(…) É verdade que o direito não socorre a quem dorme ‘dormientibus non sucurrit jus’, mas no caso da
inexistência de débitos o contribuinte não estava dormindo, pelo contrário, estava acordado, e apenas não
utilizou o seu crédito por não ter o débito com o qual compensar, não devendo ser punido pelo fato de não
possuir débitos.
Por estes motivos, admite-se que, iniciado o procedimento compensatório pela entrega da declaração de
compensação no prazo prescricional, mas inexistindo débito a compensar, ao contribuinte não pode ser
estipulado prazo para utilizar o seu crédito, sob pena de exigir-lhe conduta impossível.”
- Ressalte-se que as decisões do STJ e do CARF acima colacionadas deixam claro que o contribuinte
não pode, mesmo tendo débitos, prolongar a compensação de acordo com sua discricionariedade. Assim, a
possibilidade de aproveitamento sine die do montante total dos créditos reconhecidos judicialmente e
habilitados administrativamente ficará restrita aos casos em que não existam débitos para compensar.
- Nesse cenário, ressai nítida a ilegalidade do art. 106 da IN RFB nº 2.055/2021, que estabelece prazo
prescricional para o exercício da compensação via PERDCOMP contado a partir do trânsito em julgado da
sentença, que é o que fundamenta a negativa de transmissão gerada automaticamente pelo sistema
eletrônico do Fisco (cf. print de tela no id. 4058201.14195380, que indica “A ação judicial apresenta data do
trânsito em julgado com mais de cinco anos em relação à data atual (artigo 168 do CTN). A utilização do
crédito além desse prazo está condicionada às hipóteses permitidas na legislação. Descumpridas essas
condições, o PER/DCOMP poderá não ser recepcionado pela RFB”).
- Portanto, a impetrante possui o direito de efetivar a compensação dos tributos já existentes mediante a
utilização do crédito reconhecido judicialmente e habilitado administrativamente. Caso não existam tributos a
compensar no momento, poderá aguardar para, assim que surgirem, pleitear a compensação com o crédito
habilitado. Eventuais resíduos de crédito que não possam ser compensados pela ausência de tributos
também não poderão ser atingidos pela prescrição.
III – Dispositivo
- Ante o exposto, CONCEDO A SEGURANÇA, resolvendo a lide com resolução do mérito, nos termos
do art. 487, I, do CPC, para assegurar o direito da impetrante de utilizar o crédito advindo de decisão
judicial transitada em julgado oriundo do processo judicial nº 0800596-14.2017.4.05.8201 e habilitado
perante a Receita Federal do Brasil (processo administrativo nº 0166.791772/2021-40), até o seu
exaurimento, mesmo após o transcurso de cinco anos do trânsito em julgado da decisão judicial, devendo
dar continuidade ao procedimento compensatório, desde que inexistam outros óbices.
- Custas ex lege.
- Sem condenação em honorários advocatícios (art. 25 da Lei nº 12.016/2009).
- Sentença sujeita a reexame necessário – art.14, § 1º, da Lei nº 12.016/2009.
- Dê-se ciência à autoridade coatora e sua Procuradoria jurídica, nos termos do art. 13 da Lei
12.016/2009.
- Transitada em julgado, intime-se o impetrante para requerer o que entender de direito, em 15 (quinze)
dias; ausente manifestação, arquivem-se o feito, com baixa.
- Publicação e registro decorrem automaticamente da validação no sistema.
- Intimem-se.
Campina Grande/PB, data de validação no sistema.
TRF 2ª REGIÃO