MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO Nº 6033959-57.2024.4.06.3800/MG
IMPETRANTE: ASSOCIACAO BRASILEIRA DOS PROMOTORES DE EVENTOS ABRAPE
IMPETRADO: UNIÃO – FAZENDA NACIONAL
IMPETRADO: SUPERINTENDENTE DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL DA 9ª REGIÃO – UNIÃO – FAZENDA
NACIONAL – CURITIBA
IMPETRADO: SUPERINTENDENTE DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL DA 6ª REGIÃO FISCAL – UNIÃO –
FAZENDA NACIONAL – BELO HORIZONTE
IMPETRADO: DELEGADO DA RECEITA FEDERAL EM BELO HORIZONTE – UNIAO FEDERAL (FAZENDA
NACIONAL)
DESPACHO/DECISÃO
Trata-se de mandado de segurança coletivo impetrado pela ASSOCIACAO
BRASILEIRA DOS PROMOTORES DE EVENTOS ABRAPE contra o
SUPERINTENDENTE REGIONAL DA 1ª REGIÃO FISCAL (DF, GO, MT, MS e TO), o
SUPERINTENDENTE REGIONAL DA 2ª REGIÃO FISCAL (AC, AM, AP, PA, RO e RR),
o SUPERINTENDENTE REGIONAL DA 3ª REGIÃO FISCAL (CE, MA e PI), o
SUPERINTENDENTE REGIONAL DA 4ª REGIÃO FISCAL (AL, PB, PE e RN), o
SUPERINTENDENTE DA 5ª REGIÃO FISCAL (BA e SE), o SUPERINTENDENTE DA 6ª
REGIÃO FISCAL (MG), o SUPERINTENDENTE DA 7ª REGIÃO FISCAL (ES e RJ), o
SUPERINTENDENTE DA 8ª REGIÃO FISCAL (SP), o SUPERINTENDENTE DA 9ª
REGIÃO FISCAL (PR e SC), o SUPERINTENDENTE DA 10ª REGIÃO FISCAL (RS) e o
DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL DE ADMINISTRAÇÃO
TRIBUTÁRIA EM BELO HORIZONTE, com pedido de liminar para que:
b.1) sejam as d. Autoridades Impetradas compelidas a admitir a habilitação
prévia de todas as empresas associadas à Impetrante, independentemente dos
requisitos do artigo 7º, incisos II, III e todas as alíneas do inciso IV, da IN RFB
2.195/2024, não previstos na Lei especial do PERSE, notadamente a
obrigatoriedade de adesão ao DTE, cadastro regular no CNPJ, regularidade
fiscal e/ou junto ao FGTS, bem como de débitos inscritos no CADIN, de forma
que sejam autorizadas as empresas associadas à Impetrante a utilizar a
alíquota zero de PIS, COFINS, IRPJ e CSLL, desde que, evidentemente, sejam
preenchidos os demais requisitos aqui não discutidos (apenas os previstos na
Lei especial do PERSE);
b.1.1) sucessivamente ao pedido acima (“b.1)”), sejam as d. Autoridades
Impetradas compelidas a admitir a habilitação prévia de todas as empresas
associadas à Impetrante, independentemente dos requisitos do artigo 7º, incisos
II e III, da IN RFB 2.195/2024, que sequer previsão legal possuem
(obrigatoriedade de adesão ao DTE e cadastro regular no CNPJ), de forma que
sejam autorizadas as empresas associadas à Impetrante a utilizar a alíquota
zero de PIS, COFINS, IRPJ e CSLL, desde que, evidentemente, sejam
preenchidos os demais requisitos;
Ressalta que essas vedações em particular não são – e nunca foram –
concebidas na redação da lei instituidora do PERSE, nem mesmo com as recentes alterações
promovidas pela Lei n. 14.859/2024, e têm o condão de prejudicar muitas empresas do setor
de eventos, que tem no PERSE uma importante ferramenta para a retomada das suas
atividades econômicas após a maior crise do setor.
Além da inexistência de exigências e/ou restrições acerca de regularidade
cadastral, apontamentos no CADIN e/ou de débitos fiscais e de FGTS como condição prévia
e indispensável à fruição do benefício fiscal, o que resulta na ilegalidade e/ou
inconstitucionalidade das previsões contidas no art. 7o
da IN RFB 2.195/2024, a Lei n.
14.148/2021 expressamente dispôs que o alcance da regulamentação seria “restrita
exclusivamente à apresentação (…)” dos atos constitutivos e respectivas alterações”.
A impetrante também se volta contra o disposto no inciso II do art. 9º da IN
RFB 2.195/2024, que permite o cancelamento de ofício da habilitação ao benefício fiscal pela
autoridade fiscal. No ponto, argumenta que a revogação da habilitação não pode ter efeitos
retroativos para alcançar fatos geradores anteriores, sob pena de completa insegurança
jurídica.
Inicial instruída com procuração e documentos.
Custas recolhidas.
Regularizada a representação processual, os autos vieram conclusos.
Decido.
A Lei 14.895/2024 alterou a Lei 14.148/2021, instituidora do Programa
Emergencial de Retomada do Setor de Eventos, para estabelecer o novo procedimento de
habilitação prévia como condição necessária para a fruição dos benefícios fiscais.
Eis a redação do art. 4o
-B da Lei 14.148/2021.
Art. 4º-B. A fruição do benefício fiscal previsto no art. 4º desta Lei é
condicionada à habilitação prévia, no prazo de 60 (sessenta) dias a contar da
regulamentação deste artigo, restrita exclusivamente à apresentação, por
plataforma eletrônica automatizada da Secretaria Especial da Receita Federal
do Brasil, dos atos constitutivos e respectivas alterações. (Incluído pela Lei
nº 14.859, de 2024)
§ 1º As pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real ou no lucro
arbitrado informarão, no procedimento de habilitação prévia de que trata o
caput deste artigo, se, durante a vigência do Perse, farão uso: (Incluído pela
Lei nº 14.859, de 2024)
I – de prejuízos fiscais acumulados, de base de cálculo negativa da CSLL e do
desconto de créditos da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins em relação
a bens e serviços utilizados como insumo nas aquisições de bens, de direitos ou
de serviços para auferir receitas ou resultados das atividades do setor de
eventos; ou (Incluído pela Lei nº 14.859, de 2024)
II – da redução de alíquotas de que trata o art. 4º desta Lei. (Incluído pela
Lei nº 14.859, de 2024)
§ 2º A habilitação posterior não impede a aplicação do benefício fiscal sobre
períodos anteriores. (Incluído pela Lei nº 14.859, de 2024)
§ 3º Transcorrido o prazo de 30 (trinta) dias após o pedido de habilitação da
pessoa jurídica sem que tenha havido a manifestação da Secretaria Especial da
Receita Federal do Brasil, a pessoa jurídica será considerada habilitada para a
fruição do benefício fiscal enquanto ele perdurar. (Incluído pela Lei nº
14.859, de 2024)
§ 4º Observado o direito à ampla defesa e ao contraditório, a habilitação
será: (Incluído pela Lei nº 14.859, de 2024)
I – indeferida, na hipótese de a pessoa jurídica não atender aos requisitos
previstos no art. 4º desta Lei; ou (Incluído pela Lei nº 14.859, de 2024)
II – cancelada, na hipótese de a pessoa jurídica deixar de atender aos mesmos
requisitos. (Incluído pela Lei nº 14.859, de 2024)
Por seu turno, a IN RFB 2.195, publicada em 24/05/2024, ao regulamentar a
matéria, fixou que a habilitação se dará mediante a apresentação dos atos constitutivos da
empresa e outros documentos exigidos no formulário eletrônico (art. 5o
, I, a e b), e
apresentou, no art. 7o
, um rol de requisitos cumulativos para deferimento do pedido de
habilitação. São eles:
Art. 7º A habilitação ao benefício fiscal de que trata esta Instrução Normativa
fica condicionada:
I – ao atendimento aos requisitos previstos na Lei nº 14.148, de 2021;
II – à adesão ao Domicílio Tributário Eletrônico – DTE de que trata a
Instrução Normativa SRF nº 664, de 21 de julho de 2006;
III – à regularidade cadastral perante o CNPJ de que trata a Instrução
Normativa RFB nº 2.119, de 6 de dezembro de 2022; e
IV – ao cumprimento das normas relacionadas aos impedimentos legais à
concessão e à manutenção de benefícios fiscais, em especial:
a) à regularidade fiscal quanto a tributos e contribuições federais, em
conformidade com o disposto no § 3º do art. 195 da Constituição Federal e no
art. 60 da Lei nº 9.069, de 29 de junho de 1995;
b) à inexistência de sentenças condenatórias decorrentes de ações de
improbidade administrativa, em conformidade com o disposto nos incisos I, II e
III do caput do art. 12 da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992;
c) à inexistência de débitos inscritos no Cadastro Informativo de Créditos não
Quitados do Setor Público Federal – Cadin, em conformidade com o disposto
no inciso II do caput do art. 6º da Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002;
d) à inexistência de sanções penais e administrativas derivadas de condutas e
atividades lesivas ao meio ambiente, em conformidade com o disposto no art.
10 da Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998;
e) à inexistência de débitos com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço –
FGTS, em conformidade com o disposto na alínea “c” do caput do art. 27 da
Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990, e ao não enquadramento em mora
contumaz com o FGTS, nos termos estabelecidos pelo art. 51 do Decreto nº
99.684, de 8 de novembro de 1990;
f) à inexistência de registros ativos no Cadastro Nacional de Empresas Punidas
– CNEP, derivados da prática de atos lesivos à administração pública, nacional
ou estrangeira, em conformidade com o disposto no inciso IV do caput do art.
19 da Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013; e
g) à inexistência de decisões judiciais ou administrativas encaminhadas à RFB,
relacionadas a impedimentos à concessão e fruição de benefícios fiscais e
regimes especiais de tributação.
§ 1º O disposto na alínea “b” do inciso IV do caput abrange a pessoa jurídica
requerente e seu sócio majoritário.
§ 2º O disposto na alínea “e” do inciso IV do caput abrange o estabelecimento
matriz e todas as filiais da pessoa jurídica requerente.
§ 3º A comprovação do atendimento dos requisitos a que se refere o inciso IV
do caput será processada de forma automatizada, dispensada a entrega prévia
de documentos comprobatórios pelo contribuinte.
O exercício do poder regulamentar deve observar, de modo estrito, o disposto
na legislação de origem. Não pode inovar, criando direitos, obrigações ou exigências não
previstas em lei.
Em outras palavras: a expedição de atos normativos infralegais deve ater-se à
disciplina, à interpretação do texto legal. Deve se liminar a especificar o que já está contido
na legislação que visa regulamentar, a fim de lhe possibilitar adequada e efetiva aplicação aos
casos concretos. Não pode criar direitos e obrigações não previstos na correspondente lei,
nem suprimir direitos e obrigações nela constantes.
Analisando o que dispõe o art. 4º-B da Lei 14.148/2021, incluído pela Lei n.
14.859/2024, verifica-se que as exigências veiculadas no ato infralegal (art. 7º, II, III e IV, da
IN RFB 2.195/2024), alusivas à comprovação de adesão do Domicílio Tributário Eletrônico
(“DTE”), regularidade cadastral perante o CNPJ, e cumprimento de requisitos previstos em
outras normas para a concessão de benefícios fiscais, como regularidade fiscal, inexistência
de sentenças condenatórias decorrentes de ações de improbidade administrativa, de débitos
inscritos no CADIN, e outros, não encontram suporte na lei de origem, que foi expressa ao
estatuir que a habilitação prévia será restrita exclusivamente à apresentação dos atos
constitutivos e respectivas alterações.
Desse modo, ao menos em exame perfunctório, próprio desta fase processual,
conclui-se que a IN/RFB 2.195/2024 extrapolou o poder regulamentar delineado no art. 99 do
CTN, desbordando das disposições contidas na Lei 14.148/2021 e, por consequência,
violando o princípio da estrita legalidade (artigos 150, I da CF, e art. 97 do CTN).
A propósito do tema, destaco precedente oriundo do Tribunal Regional Federal
da 1ª Região que afastou a necessidade de comprovação de regularidade fiscal pelo
contribuinte beneficiário de incentivo fiscal, quando exigida apenas por ato infralegal.
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE PRODUTOS
INDUSTRIALIZADOS. VEÍCULO. PORTADOR DE DEFICIÊNCIA.
ISENÇÃO. LEI Nº 8.989/1995. APRESENTAÇÃO DE CERTIDÃO DE
REGULARIDADE FISCAL. EXIGÊNCIA NÃO PREVISTA EM LEI. 1. A Lei nº
8.989/1995, que dispõe sobre a isenção do Imposto sobre Produtos
Industrializados – IPI na aquisição de automóveis para utilização por pessoas
portadoras de deficiência física, não condiciona a obtenção do benefício
fiscal à apresentação de certidão de regularidade fiscal. 3. O egrégio Superior
Tribunal de Justiça entende que: “O art. 1º, da Lei n. 8.989/95 determina a
concessão de isenção de IPI na aquisição de automóveis por portadores de
deficiência física, visual, mental severa ou profunda, ou autistas, diretamente
ou por intermédio de seu representante legal […] A concessão do benefício
para deficientes físicos restringe-se às situações enumeradas no § 1º, do art. 1º,
da Lei n. 8.989/95” (REsp 1.370.760/RN, Rel. Ministro Humberto Martins,
Segunda Turma, DJe de 06/09/2013). 4. “Os atos normativos de natureza
administrativa que visam regulamentar normas gerais e abstratas têm como
função a complementação da disciplina contida em lei ‘strictu sensu’, sendo
vedado extrapolar os limites da legislação em sede de decreto regulamentar,
sob pena de ofensa ao princípio da reserva legal. Precedentes do STF: AgRg
no RE. 583.785, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 22.2.2013; AgRg no RE.
458.735, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 3.2.2006″ (STJ, AgRg no AREsp
231.652/PR, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe
de 21/03/2017). 5. Inviável a Administração Tributária criar exigências não
previstas na lei que disciplina a isenção do Imposto sobre Produtos
Industrializados – IPI na aquisição de automóveis por pessoas portadoras de
deficiência física. 6. Apelação não provida. (TRF-1 – AC:
10056215920204013600, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL
HERCULES FAJOSES, Data de Julgamento: 09/11/2021, SÉTIMA TURMA,
Data de Publicação: REPDJ 11/11/2021 PAG REPDJ 11/11/2021) sem grifos
no original.
Presente, portanto, o fumus boni iuris.
Já o periculum in mora revela-se evidente, tendo em vista o prazo final em
02/08/2024 para a o protocolo do requerimento para a habilitação das empresas para fruição
do benefício fiscal concedido no âmbito do PERSE.
No que toca ao pedido liminar de afastamento dos efeitos do art. 9º, inciso II da
IN RFB 2.195/2024, observo que o inciso II do § 4º do art. 4o
-B da Lei 14.148/2021 prevê a
possibilidade de cancelamento da habilitação. Ademais, considerando que o prazo de 30 dias
para manifestação da RFB sobre os pedidos de habilitação (IN 2.195/2024, art. 8º, parágrafo
único) sequer começou a fluir, e eventuais cancelamentos ocorrerão apenas em relação a
habilitações já deferidas, reputo ausente o perigo de dano.
Isso posto, DEFIRO EM PARTE o pedido liminar para determinar que as
autoridades coatoras admitam e processem o pedido de habilitação prévia das empresas
associadas à impetrante independentemente da comprovação dos requisitos previstos nos
incisos II, III e IV, alíneas, do art. 7o
da IN 2.195/2024.
Notifiquem-se as autoridades impetradas para que, no prazo da lei, apresentem
as informações (art. 7º, I, Lei 12.016/2009).
Cumpra-se o item II do art. 7º da Lei 12.016/2009, dando-se ciência do feito ao
órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada, para, querendo, ingressar no
feito.
Após, remetam-se os autos ao Ministério Público Federal, para que apresente
seu parecer.
Oportunamente, retornem-me os autos conclusos para sentença.
Belo Horizonte, data da assinatura eletrônica.