A criação do IVA trará benefícios à economia, mas alguns setores, por suas peculiaridades, devem ser regulados de forma apartada.
A criação do IVA trará vários benefícios à economia e aos negócios em geral. No entanto, alguns setores de atividade econômica, pelas suas peculiaridades, devem ser regulados de forma apartada. Os principais setores que demandam atenção especial são: imobiliário, financeiro, setor público e entidades sem fins lucrativos, e saúde. Neste primeiro artigo, iremos analisar o setor imobiliário.
O IVA, como regra geral, deve incidir sobre todos bens e serviços com uma alíquota única. Em cada elo da cadeia produtiva, o imposto pago na etapa anterior não representa custo em vista do crédito. Assim, o IVA cobrado em cada etapa da cadeia é “transportado” para o próximo elo até chegar ao consumidor, este sim, aquele que arca com o custo do imposto, não tendo direito de crédito.
As vendas de imóveis comerciais, novos ou usados, devem ser tributadas pelo IVA. O imposto pago pelo vendedor/construtor deve ser creditado integralmente pelo contribuinte no momento da aquisição, podendo se for o caso ser restituído em dinheiro.
A criação do IVA trará benefícios à economia, mas alguns setores, por suas peculiaridades, devem ser regulados de forma apartada.
Neste mesmo contexto, temos a alienação indireta de imóveis inseridos na venda do fundo de comércio que não deve ser tributada. Cabe ao direito definir e delimitar os conceitos de venda do imóvel e venda do fundo de comércio.
O aluguel do imóvel comercial também deve ser tributado e a empresa locatária terá direito de crédito deste imposto. A empresa proprietária do imóvel (locador) também poderá se creditar do IVA pago pelo construtor/vendedor por ocasião da sua aquisição.
A questão mais intrincada do IVA na área imobiliária é a tributação dos imóveis residenciais. Inicialmente, vamos supor que a venda de moradias construídas por contribuintes (empresas) para pessoas físicas seja tributada pelo IVA. Considerando que o comprador é o consumidor final que, por definição deve arcar com o custo do imposto, não haverá direito de crédito.
Vamos agora supor que uma pessoa física deseje construir a sua casa comprando os insumos e contratando a mão de obra. Embora nos custos dos insumos estejam incluídos o IVA, o proprietário não pagará o IVA sobre o valor adicionado nesta “última etapa” da cadeia. Como resultado, haverá incentivo para não contribuintes construírem casas ao invés de comprálas de empresas especializadas. Além de reduzir a produtividade, visto que empresas especializadas são mais eficientes, esta situação também incentiva a informalidade.
Uma solução para este problema seria isentar a venda de imóveis residenciais novos ou usados. A isenção no IVA implica não poder utilizar os créditos sobre o imposto pago nos insumos. Como resultado, tanto a empresa construtora quanto a pessoa física, que decida construir sua própria casa, estarão em situação equivalentes.
Outro problema com a incidência do IVA sobre imóveis residenciais novos é de médio prazo. Não é incomum uma empresa adquirir um edifício residencial para transformá-lo em hotel ou conjunto de escritórios. Nesta aquisição não haveria a incidência do IVA, visto que a pessoa física não é contribuinte. Como consequência a empresa adquirente não teria direito a crédito. Devemos lembrar que esta residência já foi tributada anteriormente e o imposto transformou-se em custo para a pessoa física. A empresa quando vender o agora imóvel comercial incluirá no preço, indiretamente, o imposto pago originalmente, e o IVA pela venda. Certamente, a empresa construtora vai preferir construir um prédio comercial novo no qual pagará o IVA da mesma forma, mas terá o direito de crédito dos insumos utilizados na produção.
Esta distorção pode ser resolvida de duas formas. Uma solução seria permitir que a pessoa física seja considerada contribuinte somente nesta operação, recuperando o crédito do imposto pago originalmente, mas sendo sujeita ao IVA na venda. Desta forma, a empresa adquirente poderá tomar o crédito. Trata-se de tributar para garantir a transmissão do crédito na cadeia produtiva em direção ao consumo.
Outra possibilidade seria aplicar a alíquota zero na venda de imóveis residenciais novos. Devemos ressaltar que na terminologia do IVA, ao contrário da isenção, a alíquota zero permite que o construtor recupere todo o imposto pago na compra dos insumos, inclusive em dinheiro. Desta forma, na prática, a construção de residências não seria tributada, pois o construtor não paga IVA na venda e recupera todo o imposto pago nos insumos. No nosso exemplo, a venda do imóvel residencial à empresa construtora não carregaria o custo do imposto e, portanto, não teria impacto na decisão de construir um imóvel comercial novo ou transformar o imóvel residencial em comercial.
Esta última solução, alíquota zero sobre imóveis residências, tem impacto distributivo e arrecadatório. Distributivo, porque as pessoas de alta renda também vão poder comprar imóveis sem incidência do IVA, e arrecadatório, pois o valor que deixará de ser arrecadado seria significativo. Do ponto de vista alocativo, também teríamos um desvio, pois teríamos uma preferência do consumidor em adquirir imóveis, visto que ficariam mais baratos (25%, se esta fosse a alíquota escolhida) em relação aos demais produtos.
As escolhas entre isenção, alíquota zero ou outras alternativas não mencionadas neste texto, devem levar em conta alguns fatores. Além dos aspectos arrecadatórios, distributivos e alocativo, a viabilidade da administração tributária pôr em prática e controlar um destes formatos também deve ser considerada.
FONTE: Valor Econômico – 7 de agosto de 2019
Por Eduardo Fleury