A LC n° 183/21 explicita a incidência do ISS e veio para afastar a pretensão estadual de tributar esses serviços.
Em 23 de setembro, entrou em vigor a Lei Complementar (LC) nº 183/21, que explicita a incidência do ISS sobre os serviços de rastreamento e monitoramento a partir da inclusão do item 11.05 à Lista Anexa da LC n° 116/03. Em trâmite no Congresso Nacional desde 2013, a aprovação da medida solucionou três relevantes controvérsias tributárias relacionadas a tais serviços, revelando-se de extrema importância para trazer segurança jurídica às relações comerciais.
A primeira delas refere-se à resolução do conflito de competência entre Estados e municípios instaurado por anos a fio na disputa pela tributação da atividade. Isso porque os Estados qualificavam os serviços de rastreamento e monitoramento como de comunicação, tributando-os pelo ICMS, conforme orientação consignada no Convênio Confaz nº 139/06. Por sua vez, o item 11.02 da Lista Anexa à LC n° 116/03 submetia o serviço de “(…) monitoramento de bens, pessoas e semoventes” ao ISS.
A LC n° 183/21 explicita a incidência do ISS e veio para afastar a pretensão estadual de tributar esses serviços.
Ocorre que os serviços de comunicação não se confundem com os serviços de rastreamento e monitoramento, apesar de essenciais para a prestação desses. Afinal, o primeiro é apenas o meio (insumo) pelo qual serão captados os sinais dos equipamentos, que são instalados nos bens e nas pessoas para prestação do serviço-fim (rastreamento e monitoramento). Diante desse contexto, a LC nº 183/21, conforme papel atribuído pelo artigo 146, I, da Constituição Federal, veio para afastar a pretensão estadual de tributar os serviços de rastreamento e monitoramento pelo ICMS, pacificando o entendimento de que a exação incidente sobre a atividade é o ISS.
Outro relevante esclarecimento feito pela nova legislação complementar é a previsão de que os serviços se sujeitam ao ISS independentemente de o prestador “ser proprietário ou não da infraestrutura de telecomunicações que utiliza”. É dizer: a natureza dos serviços de rastreamento e monitoramento de bens permanece hígida – mesmo quando prestados por empresa que também tenha por atividade a consecução dos serviços de comunicação.
É vetusta a pretensão dos Estados em tratar os serviços de valor adicionado prestados pelas empresas de telecomunicação como se fossem de comunicação, tributando-os (ilegitimamente) pelo ICMS. Contudo, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já pacificaram o entendimento de que tais atividades apenas se utilizam dos meios de comunicação como insumo e com esses últimos não se confundem, tal como dispõe o artigo 61 da Lei Geral de Telecomunicações (Lei n° 9.472/97).
É precisamente em reverência a essa consolidada jurisprudência que a LC nº 183/21 previu expressamente que os serviços de rastreamento e monitoramento – mesmo quando prestados por empresas de telecomunicação – serão tributados exclusivamente pelo ISS. O fato de a empresa de telecomunicação possuir o insumo (serviço de telecomunicação) necessário para a prestação dos serviços de rastreamento e monitoramento não altera a hipótese de incidência tributária.
Apenas torna desnecessária a contratação de outras empresas para viabilizar os serviços, sujeitos ao ISS.
Por fim, a LC nº 183/21 sujeitou a tributação dos serviços de rastreamento e monitoramento de bens ou pessoas em movimento à regra geral do ISS: recolhimento do imposto pelo prestador do serviço ao município onde o seu estabelecimento está localizado. Com isso, colocou fim ao imbróglio causado pela antiga redação da legislação complementar, que atribuía aos municípios, em que se situassem os bens monitorados, a competência para cobrar o imposto.
A previsão anterior, hoje revogada, era impraticável nos casos em que os objetos de rastreamento e monitoramento fossem bens ou pessoas em circulação ou movimento. Afinal, a inexistência de uma localização definida é inerente a tais atividades. Dada essa realidade, era impossível utilizar-se do “local dos bens monitorados” para definição do sujeito ativo da exação, tendo em vista sua constante mobilidade.
Exemplificando, tenha-se em conta um caminhão que se desloca constantemente pelo Brasil afora, de Norte a Sul, sendo rastreado ao longo do caminho. Na regra antiga, cada município pelo qual o caminhão passasse faria jus a uma ínfima parcela do ISS sobre o serviço de rastreamento. Como operar essa divisão? A condição era impossível e até mesmo o exercício da fiscalização dos entes municipais seria inviável.
A insuperabilidade do problema, hoje solucionado a partir da nova redação da lei complementar, pode ser ilustrada pela ausência de consenso sobre o assunto entre os próprios entes tributantes. O município de Fortaleza (Parecer n° 2012/12), por exemplo, entendia que o ISS deveria ser recolhido ao local onde se encontra a central de monitoramento, diante da impraticabilidade da norma. Por sua vez, o município de São Paulo (SC SF/DEJUD nº 35/07) se manifestou no sentido de que a “localização do bem” equivaleria ao domicílio do proprietário do bem monitorado.
Em conclusão, as alterações promovidas pela LC n° 183/21 foram imprescindíveis para que os contribuintes passassem a ter segurança jurídica no cumprimento de suas obrigações tributárias. Hoje, a regra é insofismável: os serviços de rastreamento e monitoramento de bens ou pessoas em circulação são tributados pelo ISS (e não pelo ICMS, como pretendiam os Estados), independentemente se prestados ou não por empresa de telecomunicação, devendo o imposto ser recolhido pelo próprio prestador ao município em que o seu estabelecimento (central de monitoramento) estiver localizado.
Valor Econômico – Por André Moreira, Alice Gontijo e Izabella Bitar, 09/12/2021.
André Moreira, Alice Gontijo e Izabella Bitar são, respectivamente, professor de Direito Tributário da UFMG, doutor (USP) e mestre (UFMG) em Direito Tributário; doutoranda (USP) e mestra (UFMG) em Direito Tributário; e advogada e contadora.