Publicado no primeiro semestre deste ano, o acórdão do julgamento sob a sistemática de repercussão geral, do Recurso Extraordinário (RE) 651703, de relatoria do ministro Luiz Fux, reconheceu a possibilidade de incidência de Imposto sobre Serviço de Qualquer Natureza (ISS) sobre as atividades de planos de saúde.
Além da definição acerca da tributação da atividade em si, tal julgado do Supremo Tribunal Federal (STF) trouxe aspecto ainda mais relevante, mas que tem sido timidamente explorado. Este diz respeito ao entendimento quanto ao conceito constitucional de serviços adotado, no voto condutor do ministro Luiz Fux, como fundamento da incidência do imposto municipal sobre as atividades realizadas pelas operadoras de planos privados de assistência à saúde.
Segundo o entendimento que prevaleceu nesse julgado, o conceito constitucional de serviço para fins de incidência do ISS comportaria uma interpretação mais ampla, respaldada na economia. Para os defensores dessa amplitude, em linhas gerais, o conceito constitucional de serviços buscaria espaço nos limites da dicotomia existente entres bens e serviços resultantes da atividade econômica, a que se refere o artigo 966 do atual Código Civil.
Cabe aos ministros um rápido posicionamento acerca do tema que deverá seguir o entendimento fixado em súmula vinculante
Em outras palavras, tendo como premissa que o ICMS incide sobre a circulação de mercadorias (assim entendidos os bens móveis, corpóreos, sujeitos à mercancia), de maneira residual o ISS incidiria sobre todos os demais produtos da atividade econômica não enquadrados como bens materiais, isto é, serviços, evidentemente previstos na lista anexa à Lei Complementar 116/03.
Nessa medida, ao permitir a incidência do ISS nas operações de leasing financeiro e leaseback (RREE 547.245 e 592.205), o próprio STF teria admitido uma interpretação mais ampla do texto constitucional quanto ao conceito de “serviços”, desvinculado do conceito de “obrigação de fazer”.
Ainda segundo tal entendimento, a classificação das obrigações em “obrigação de dar”, de “fazer” e “não fazer”, teria cunho eminentemente civilista e, portanto, não seria a mais apropriada para o enquadramento dos produtos e serviços resultantes da atividade econômica.
Obviamente tal posição se choca com o entendimento do STF consagrado no Recurso Extraordinário nº 116.121-3, onde se decidiu, como se sabe, pela impossibilidade da incidência do ISS sobre locação de bens móveis, eis que tal tributo abarca somente a tributação de típicas obrigações de fazer.
Portanto, o novo posicionamento do STF tem o potencial de fornecer novos contornos às disputas envolvendo a tributação pelo ISS, ainda mais sendo considerado o contexto da edição da Lei Complementar nº 157/16, que incluiu no rol de “serviços” tributáveis pelo imposto uma gama de atividades cuja natureza em si comporta questionamentos acerca do respectivo enquadramento sob o contexto de obrigações de fazer.
Não obstante, convém lembrar que a tese daqueles que defendem uma evolução do conceito de serviços não é propriamente uma novidade na mediada em que o tema já foi abordado pelo STF, antes da vigência da Constituição Federal de 1988, nos Recursos Extraordinários nº 112.947 e 115.103, quando chegou-se a aplicar um conceito econômico de serviço para se sustentar a incidência do ISS na locação de guindastes.
Contudo, tal entendimento, já na vigência da Constituição Federal de 1988, foi superado pelo já citado Recurso Extraordinário nº 116.121-3 que, inclusive, deu origem à súmula vinculante nº 31 do próprio Supremo, cuja eficácia remanesce até o presente momento e segundo a qual: “É inconstitucional a incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS sobre operações de locação de bens móveis.”
De todo modo, o tema deverá ser novamente objeto de discussões por parte de nossa Corte constitucional, inclusive em função de assuntos ali pendentes de julgamento e que passam pela incidência, ou não, do ISS sobre atividades diversas que escapam ao conceito de obrigações de fazer.
Por outro lado, cabe aos ministros um rápido posicionamento acerca do tema que, a nosso ver, até o momento, deverá seguir o entendimento fixado em súmula vinculante cuja premissa é a não incidência do ISS sobre atividades que não reúnam as características de obrigações de fazer.
Por Douglas Mota e Thiago Abiatar L. Amaral
Douglas Mota e Thiago Abiatar L. Amaral são, respectivamente, sócio e advogado da área tributária do Demarest Advogados.
Valor – 05/12/2017