A Receita Federal divulgou em seu relatório anual que a principal prioridade na fiscalização em 2018 são os 8.885 maiores contribuintes do país. Apesar de responderam por 61% da arrecadação, eles foram responsáveis por quase 80% das autuações em 2017.
Considerando um levantamento publicado pela advogada Ana Teresa Lima Rosa em estudo para a Fundação Getulio Vargas, que já indicava desde 2014 que o tamanho do contencioso fiscal de apenas 31 empresas era de mais de R$ 282 bilhões, concluímos que essa proporção só tende a crescer. Os valores ficam ainda mais impressionantes quando comparamos o montante do contencioso fiscal contra o valor de mercado das empresas. Esse mesmo estudo aponta que 32% do valor total das empresas está comprometido com riscos decorrentes do contencioso tributário.
A dimensão desses números explica a tendência nas empresas de priorização da governança do provisionamento. Boa parte dessa reserva poderia ser destinada para investimentos em seus negócios, aquisição de novas tecnologias e inovação, geração de dividendos aos acionistas e outras iniciativas que trazem ganho de competitividade, melhoria na operação e, como consequência, ajudam a melhorar o balanço das empresas.
Mas essa questão não se restringe simplesmente à alocação de recursos das organizações. Trata-se de garantir conformidade legal e saber em quais disputas fiscais há maior ou menor chance de obter sucesso. Assim, a empresa consegue ter mais controle dos recursos e garantias de que não estará sujeita a outras penalizações por não estarem em compliance.
Além disso, dependendo do tipo de contencioso, havendo pendências ou irregularidades, a empresa pode ficar impedida de fazer negócios. E, em alguns casos, o processo oferece risco também pessoal para a liderança e para os responsáveis pela governança da empresa. Esse cenário faz com que muitas das companhias brasileiras comecem a se movimentar para serem mais preventivas e proativas, ampliando as tendências de trazerem a gestão e a otimização, evitando desta forma novos contenciosos e efetuando eventuais ajustes em suas operações. Nesse caso, é necessário um trabalho em parceria entre os departamentos jurídico e tributário.
Como fazer isso de maneira eficiente? Com ajuda da alta tecnologia, sobretudo da automação, do big data e do machine learning, os fundamentos para uma estratégia de inteligência artificial. Em um ambiente em que há cerca de 50 mudanças tributárias todos os dias, é impossível, para qualquer organização, fazer uma gestão inteligente do contencioso de maneira manual. O volume de dados e informações é muito grande para ser coletado, catalogado e estudado, com menor custo e em curto espaço de tempo para uma rápida tomada de decisão.
Muito fala-se de inteligência artificial, mas poucos sabem de fato que jornada devem percorrer para chegar lá. Para um bom aproveitamento dessa tecnologia, o tratamento das informações é essencial. É fundamental organizar o histórico fiscal e tributário da organização, tudo que já foi alvo de disputas passadas, atuais ou possa ser passível de ações futuras. Depois, traçar um paralelo analisando a legislação que permanece em constante atualização, bem como a jurimetria do contencioso existente. É essencial contar com pessoas com know how para que haja conclusões consistentes para a tomada de ação nos negócios.
Outro fator importante para ter sucesso nessa estratégia é entender que a tecnologia não vai substituir nenhum profissional dentro da empresa. O objetivo é aprimorar o trabalho de todos, permitindo que o jurídico deixe de se preocupar com burocracias e se dedique ao trabalho de inteligência. Em vez de buscar informações, o sistema oferece as doutrinas, jurisprudências e legislações referentes a cada processo, com o histórico de decisões semelhantes, o que auxilia as ações a serem tomadas.
Também é preciso destacar que a boa gestão traz uma melhor assertividade na classificação do risco e precisão do valor de provisionamento. Essa informação precisa estar totalmente apurada, pois é divulgada no balanço das empresas. É preciso se adaptar o mais rápido possível, pois os órgãos governamentais estão cada vez mais automatizados, e a tendência é que a regulação aumente cada vez mais.
Desta forma, com uma gestão eficiente e inteligente do contencioso, todos saem ganhando. A empresa consegue alocar mais recursos para seu core business e garante conformidade legal e fiscal. Os gestores ganham segurança para poder agir com mais precisão. As áreas jurídicas e tributárias das empresas focam sua atuação na inteligência do negócio, e não em trabalhos manuais e cansativos.
Por Ana Paula Neves
Ana Paula Neves é diretora de vendas na Thomson Reuters Brasil, especialista em Gestão Estratégica de Mercado pela FGV-SP e graduada em Ciências da Computação pela PUC-Rio.
Revista Consultor Jurídico, 20 de outubro de 2018.
https://www.conjur.com.br/2018-out-20/ana-neves-inteligencia-artificial-solucao-contencioso-tributario