DIREITO TRIBUTÁRIO – REGISTRO ESPECIAL; FABRICAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO DE CIGARROS; OBRIGAÇÕES TRIBUTÁRIAS; DESCUMPRIMENTO; SANÇÃO POLÍTICA
DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS; ORDEM ECONÔMICA E FINANCEIRA
Indústria de cigarro: possibilidade de cancelamento sumário de seu registro especial – ADI 3.952/DF
Resumo:
O cancelamento, pela autoridade fiscal, do registro especial de funcionamento de empresa dedicada à fabricação de cigarros — decorrente do “não cumprimento de obrigação tributária principal ou acessória, relativa a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal” (Lei 9.822/1999, art. 1º, na parte que deu nova redação ao Decreto-Lei 1.593/1977, art. 2º, II) — é medida excepcional e deve atender aos critérios da razoabilidade e da proporcionalidade, precedido: (i) da análise da relevância (montante) dos débitos tributários não quitados; (ii) da observância do devido processo legal na aferição da exigibilidade das obrigações tributárias; e (iii) do exame do cumprimento do devido processo legal para a aplicação da sanção.
A orientação desta Corte que, historicamente, tem confirmado e garantido a proibição constitucional às sanções políticas não serve de escusa ao deliberado e temerário desrespeito à legislação tributária. Não há que se falar em sanção política se as restrições à prática de atividade econômica objetivam combater estruturas empresariais que têm na inadimplência tributária sistemática e consciente sua maior vantagem concorrencial. Assim, a restrição ao exercício de atividade econômica apenas se afigura inconstitucional se for desproporcional e desarrazoada.
Na espécie, a norma deve ser concebida para regular situações extremas e de grave desequilíbrio concorrencial, e não pode ser mero instrumento de combate ao inadimplemento, na medida em que a inadimplência contumaz, marcada ou não pela sonegação, desequilibra artificial e ilicitamente as condições de livre concorrência.
Nesse contexto, para se caracterizar como sanção política, a norma extraída da interpretação do art. 2º, II, do Decreto-Lei 1.593/1977 deve atentar contra uma das balizas que foram acima registradas (1). Os três estágios para a identificação de dada restrição à atividade empresarial como sanção política tributária são baseados na tensão que se coloca entre o direito fundamental ao exercício de atividade profissional ou econômica lícita, reforçado pela garantia de acesso aos mecanismos de controle da validade do débito tributário, que se deve dar ao administrado e ao jurisdicionado, e o dever fundamental de pagar tributos, aplicado tanto como salvaguarda da garantia à livre concorrência e iniciativa como instrumento de arrecadação de recursos essenciais à atividade estatal.
Por fim, é necessário que o recurso administrativo cabível do ato de cancelamento do registro especial seja dotado de efeito suspensivo (Decreto-Lei 1.593/1977, art. 2º, § 5º), permitindo o funcionamento da empresa até o julgamento do recurso, haja vista a gravidade da sanção.
Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por maioria e em conclusão de julgamento (Informativos 605 e 914), julgou parcialmente procedente a ação para dar interpretação conforme a Constituição ao art. 1º da Lei 9.822/1999 — na parte que deu nova redação ao inciso II do art. 2º do Decreto-Lei 1.593/1977 (2), bem como concluiu pela existência do efeito suspensivo ao recurso administrativo mencionado no § 5º do art. 2º do Decreto 1.593/1977 (3), incluído pela Medida Provisória 2.158-35/2001.
(1) Precedente citado: RE 550.769.
(2) Decreto-Lei 1.593/1977: “Art. 2º O registro especial poderá ser cancelado, a qualquer tempo, pela autoridade concedente, se, após a sua concessão, ocorrer um dos seguintes fatos: (…) II – não-cumprimento de obrigação tributária principal ou acessória, relativa a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal;”
(3) Decreto-Lei 1.593/1977: “Art. 2º (…) § 5º Do ato que cancelar o registro especial caberá recurso ao Secretário da Receita Federal, sem efeito suspensivo, dentro de trinta dias, contados da data de sua publicação, sendo definitiva a decisão na esfera administrativa.”
ADI 3.952/DF, relator Ministro Joaquim Barbosa, redatora do acórdão Ministra Cármen Lúcia, julgamento finalizado em 29.11.2023