O Superior Tribunal de Justiça (STJ) finalizou recentemente o julgamento do REsp nº 1.340.553, no qual fixou importantes – mas, em alguns casos, duvidosas – teses sobre a prescrição intercorrente em Execuções Fiscais. O julgamento, sintomaticamente iniciado há quase quatro anos, foi realizado sob o rito dos recursos repetitivos, o que significa que o entendimento adotado deverá ser aplicado por tribunais e juízes de todo o país.
Para se compreender melhor a importância da matéria, é necessário lembrar que, em ações de cobrança, prescrição é o prazo do qual o credor dispõe para exigir seu crédito através do Judiciário. A necessidade de se estipular um prazo máximo para a cobrança judicial de créditos é um imperativo de pacificação social.
Trata-se de posição que fomenta a inércia fazendária, mais uma vez em prejuízo dos contribuintes
Por um lado, o objetivo da prescrição é exigir do credor proatividade na cobrança de seus direitos (a ideia romana de que o direito não socorre aos que dormem). Por outro, a prescrição permite que os devedores não virem eternos reféns de suas dívidas do passado, ficando sujeitos a cobranças com origens tão longínquas que até mesmo a memória não as alcançaria.
Por sua vez, a prescrição intercorrente, foco do julgamento do STJ, é a perda do direito de cobrar o crédito durante o curso do processo judicial, em razão da inércia do credor em dar seguimento à cobrança. Também aqui, o intuito da lei é evitar a eternização de processos (e dos conflitos subjacentes) quando verificada a falta de interesse ou de efetividade do credor.
No mencionado julgamento, discutia-se a aplicação do art. 40 da Lei de Execução Fiscal, que estabelece que (i) o processo será suspenso por um ano caso o devedor não seja localizado ou não se encontrem bens penhoráveis e (ii) o juiz, ao final desse prazo de um ano, ordenará o arquivamento dos autos e, se transcorrido o prazo prescricional (cinco anos, para créditos tributários) desde o despacho que ordenou esse arquivamento, decretará a prescrição intercorrente.
O espírito dessa sistemática, conforme consta do voto vencedor, é o de que “nenhuma execução fiscal já ajuizada poderá permanecer eternamente nos escaninhos do Poder Judiciário ou da Procuradoria Fazendária encarregada da execução das respectivas dívidas fiscais”.
Essa lógica foi corretamente refletida na primeira tese firmada no julgamento, no sentido de que a suspensão do processo por um ano não depende de uma decisão expressa do juiz, iniciando-se automaticamente a partir do momento em que a Fazenda Pública é intimada sobre a não localização do devedor ou de bens penhoráveis.
Nesse mesma linha, o Tribunal confirmou que o prazo de cinco anos para a prescrição intercorrente de dívidas tributárias se inicia automaticamente após o 1º ano de suspensão do processo, o que deveria fazer com que, passados seis anos sem que o devedor ou seus bens sejam localizados, a prescrição intercorrente ficasse consumada.
Todavia, em uma guinada que contradiz o “espírito” identificado acima, o STJ estabeleceu que se a Fazenda Pública requerer a realização de alguma diligência em qualquer momento nesses seis anos, a efetivação de uma dessas medidas, mesmo após os seis anos mencionados acima, tem o condão de interromper a prescrição intercorrente retroativamente até a data do protocolo da petição fazendária. Em outras palavras, a efetiva citação do devedor e a constrição de seus bens a qualquer tempo interromperiam a prescrição de forma retroativa.
Na prática, esse entendimento significa que, por exemplo, caso a Fazenda Pública requeira a citação do devedor por edital ou a penhora de seus bens no 2º ano após a suspensão do processo e passe os outros três anos sem diligenciar a efetivação dessas medidas, ainda assim a prescrição intercorrente poderá ser afastada, caso a medida se concretize anos depois. O mesmo acontecerá se a Fazenda Pública deixar para requerer uma dessas medidas já ao final do 5º ano depois da suspensão do processo, às vésperas da consumação da prescrição intercorrente, com o conforto de que a medida poderá ser efetivada mesmo depois do fluxo do prazo prescricional, sem que isso lhe cause qualquer prejuízo.
Evidentemente, essa situação contraria frontalmente o propósito da prescrição, pois relega o contribuinte a uma situação de permanente insegurança, ao passo em que prestigia (e até mesmo estimula) a ineficiência ou a desídia do credor, que não correrá riscos ainda que não adote qualquer postura proativa no curso do processo ou se mantenha inerte até quase o fim do prazo prescricional.
Definitivamente, trata-se de posição que fomenta a inércia fazendária, mais uma vez em prejuízo dos contribuintes, que poderão ver-se na surreal situação de só tomar conhecimento da ação após o decurso do prazo da prescrição intercorrente – e, mesmo assim, a dívida não será considerada prescrita.
Não se ignora que todas as Fazendas Públicas de todos os níveis da Federação possuem inúmeras limitações estruturais, mas a correção desse problema certamente não decorrerá de uma complacência ainda maior com a ineficiência estatal, nem pode vir ao custo de uma eterna insegurança dos cidadãos.
Por Thiago Marigo e Matias Zerbino
Thiago Marigo e Matias Zerbino são advogados associados do FreitasLeite Advogados e pós-graduados em direito financeiro e tributário pela Universidade Federal Fluminense
Fonte : Valor – 13/11/2018