O presente artigo tem por objetivo tratar da importância da segurança jurídica trazida pela Lei Complementar 160/2017 aos incentivos fiscais do ICMS para a agroindústria, a exemplo da produção de vinhos nos estados de Pernambuco e da Bahia.
Por muitos anos, o setor produtivo, incluindo-se a agroindústria, sofreu com a falta de segurança jurídica relacionada aos incentivos fiscais do ICMS concedidos, sem a chancela do Confaz[1], que exigia a aprovação unânime dos estados, diante do que prescreve a Lei Complementar 24/75[2]. Foram décadas de problemas para os estados e, especialmente, para os contribuintes.
A exigência da unanimidade para aprovação de incentivos sempre nos pareceu descabida, por criar uma espécie de ditadura da minoria, sem falar que a Constituição de 1988 em momento algum autorizou a obrigatoriedade de que as votações ou decisões fossem unânimes para se fazer aprovar norma jurídica. Em nosso entendimento, tal regra não foi recepcionada pela Constituição, apesar de reconhecermos que o STF já apontou a inconstitucionalidade de incentivos fiscais concedidos sem a aprovação do Confaz[3].
Pois bem. Felizmente, com a publicação da Lei Complementar 160/2017[4], os incentivos fiscais concedidos unilateralmente pelos estados puderam ser preservados, inclusive para a agroindústria[5], por meio da aprovação do Convênio Confaz 190/2017, publicado em 18/12/2017. Por meio da sua cláusula 8ª, o convênio prescreve que serão convalidados os incentivos fiscais dos estados que republicarem suas normas em Diário Oficial e depositarem no Confaz as informações a ele relacionadas:
“Cláusula oitava. Ficam remitidos e anistiados os créditos tributários do ICMS, constituídos ou não, decorrentes dos benefícios fiscais instituídos, por legislação estadual ou distrital publicada até 8 de agosto de 2017, em desacordo com o disposto na alínea “g” do inciso XII do § 2º do art. 155 da Constituição Federal.
§ 1º A remissão e a anistia previstas no caput desta cláusula aplicam-se também aos benefícios fiscais:
I – desconstituídos judicialmente, por não atender o disposto na alínea “g” do inciso XII do § 2º do art. 155 da Constituição Federal;
II – decorrentes de, no período de 8 de agosto de 2017 até a data da reinstituição, desde que a reinstituição não ultrapasse 28 de dezembro de 2018:
a) concessão pela unidade federada a contribuinte localizado em seu território, com base em ato normativo vigente em 8 de agosto de 2017, observadas suas condições e limites;
b) prorrogação pela unidade federada de ato normativo ou concessivo;
c) modificação pela unidade federada de ato normativo ou concessivo, para reduzir-lhe o alcance ou montante”.
A aprovação do referido convênio se deu atendendo a regra prevista no artigo 3° da Lei Complementar 160[6], cujo critério de aprovação atende aos valores democráticos previstos na Constituição.
É de se destacar que recentemente foi distribuída, em 26 de fevereiro, no Supremo Tribunal Federal, a ADI 5.902, na qual se questiona os principais artigos da Lei Complementar 160/2017 e do Convênio 190/2017. A relatoria coube ao ministro Marco Aurélio Mello, que decidiu por julgar o mérito da ação oportunamente, sem a concessão de medida liminar[7].
Esperamos que o Supremo Tribunal Federal decida pela constitucionalidade das referidas normas, pois foram construídas de forma a atender aos princípios da república, da segurança jurídica, permitindo garantir ainda outros valores constitucionalmente assegurados, a exemplo da diminuição das desigualdades regionais, o desenvolvimento econômico e a geração de emprego e renda.
Pois bem. Em função da vocação agrícola brasileira, uma das formas mais eficientes de criação de emprego e renda é incentivar a produção agroindustrial. Um dos exemplos mais emblemáticos encontramos na região do Vale do São Francisco, entre os estados da Bahia e de Pernambuco, onde se iniciou há alguns anos algo improvável, a produção de uva, sucos e vinhos em pleno sertão nordestino.
Aos poucos, a região se consolidou como a segunda maior região produtora de vinhos do país, com a produção de cerca de oito milhões de litros por ano[8], com destaque para a produção dos espumantes, que já recebem destaque por sua qualidade em diversos concursos[9]. É comum encontrar nos supermercados, padarias e lojas especializadas os vinhos e espumantes produzidos em Pernambuco e na Bahia.
Para que esse polo econômico se desenvolvesse, foi absolutamente relevante a criação de incentivos fiscais relacionados ao ICMS. É inegável que os incentivos fiscais, quando utilizados de maneira a não gerar concorrência desleal ou problemas de arrecadação com a chamada guerra fiscal, são uma ferramenta de política tributária eficiente, utilizada ao redor do mundo.
Especificamente em relação ao estado de Pernambuco, foi criado o Programa de Desenvolvimento do Setor Vitivinícola do Estado de Pernambuco, por meio da Lei estadual 13.830/2009, instituída dentro dos mesmos moldes do Prodepe[10], que reúne o conjunto de normas que autorizam a concessão de incentivos fiscais no estado. A referida norma permite a redução do ICMS na importação e na saída dos produtos fabricados a partir das uvas produzidas em Pernambuco:
“Art. 1º Fica instituído o Programa de Desenvolvimento do Setor Vitivinícola do Estado de Pernambuco, com a finalidade de atrair investimentos para o referido Setor e fomentar o seu desenvolvimento, mediante a concessão de incentivos fiscais para os estabelecimentos agrícolas e industriais ali situados.
Parágrafo único. Para efeito do Programa previsto no caput, considera-se Setor Vitivinícola o conjunto de empresas situadas neste Estado, produtoras de:
I – uva;
II – vinho ou suco de uva, desde que elaborados exclusivamente com uvas produzidas em Pernambuco.
Art. 2º O disposto nesta Lei aplica-se também aos estabelecimentos agrícolas e industriais que produzam insumos e matérias primas, relacionados em decreto do Poder Executivo, quando destinados ao estabelecimento industrial produtor de vinho ou de suco de uva.
Art. 3º Os incentivos fiscais previstos no art. 1º são os seguintes:
I – crédito presumido do ICMS equivalente a 95% (noventa e cinco por cento) do saldo devedor do mencionado imposto, apurado em cada período fiscal;
II – diferimento do recolhimento do ICMS incidente:
a) na aquisição de insumos e matérias-primas, relacionados em decreto do Poder Executivo, exceto energia elétrica e combustíveis, quando destinados à produção de vinho e suco de uva;
b) na saída interna e na importação de aparelhos, equipamentos, máquinas e ferramentas, bem como peças, partes e componentes, para a respectiva montagem ou reposição, quando os referidos aparelhos, equipamentos, máquinas e ferramentas sejam destinados a integrar o ativo fixo do citado estabelecimento, excluídos, em qualquer hipótese, os relacionados com as atividades administrativas do adquirente, nestes incluídos os meios de transportes que trafeguem fora do estabelecimento;
c) na aquisição, em outra Unidade da Federação, dos bens e produtos mencionados nas alíneas ”a” e “b”, com a destinação ali indicada, relativamente ao ICMS complementar resultante da aplicação do percentual equivalente à diferença entre a alíquota prevista para as operações internas e aquela prevista para as operações interestaduais sobre o valor da operação na Unidade da Federação de origem”.
O incentivo fiscal criado para a agroindústria vitivinícola de Pernambuco garante a redução de 95% do ICMS devido quando da saída dos vinhos e dos sucos de uva, o que por si só já é bastante expressivo.
Além disso, a legislação estimula o desenvolvimento das agroindústrias ao conferirem incentivos para a aquisição de insumos, máquinas e equipamentos necessários para montagem do ativo fixo relacionada à unidade produtiva, o que reduz de maneira significativa os investimentos para o desenvolvimento da atividade.
O Decreto Estadual de Pernambuco 33.709/2009 estabelece em seu anexo único quais são os insumos e bens do ativo fixo alcançados, a exemplo de barricas de carvalho, rolha de cortiça natural, máquina para encher garrafa de vinho e espumante, entre tantos outros.
São várias as empresas que são beneficiadas por esses incentivos fiscais em Pernambuco, todos devidamente publicados no Diário Oficial do estado.
O desenvolvimento de tal atividade agroindustrial fez surgir algo igualmente inesperado, que foi o enoturismo nos sertões da Bahia e de Pernambuco[11], o que também traz oportunidades para os moradores da região, com a criação de emprego e renda.
Assim, os incentivos fiscais, quando utilizados de forma a atender os preceitos constitucionais e legais, permitem o desenvolvimento regional e criação de verdadeiras indústrias. Esperamos que a Lei Complementar 160/2017 tenha a sua constitucionalidade confirmada pelo Supremo Tribunal Federal e que os estados tratem do tema dos incentivos fiscais de maneira transparente e equilibrada. A agroindústria vitivinícola em Pernambuco e na Bahia é a prova da sua relevância para o desenvolvimento nacional.
[1] O Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) é constituído pelos secretários da Fazenda dos estados e do Distrito Federal e presidido pelo ministro da Fazenda ou por representante por ele indicado. Também fazem parte desse conselho os representantes das unidades federadas. A finalidade do órgão é promover ações necessárias à elaboração de políticas e harmonização de procedimentos e normas inerentes ao exercício da competência tributária dos estados e do Distrito Federal na concessão, revogação e regulamentação de benefícios fiscais referentes ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS). http://fazenda.gov.br/carta-de-servicos/lista-de-servicos/conselho-nacional-de-politica-fazendaria-confaz.
[2] Art. 2º – Os convênios a que alude o art. 1º, serão celebrados em reuniões para as quais tenham sido convocados representantes de todos os Estados e do Distrito Federal, sob a presidência de representantes do Governo federal.
§ 1º – As reuniões se realizarão com a presença de representantes da maioria das Unidades da Federação.
§ 2º – A concessão de benefícios dependerá sempre de decisão unânime dos Estados representados; a sua revogação total ou parcial dependerá de aprovação de quatro quintos, pelo menos, dos representantes presentes.
[3] http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=339461. Ministro suspende lei do MA que concedia benefícios fiscais sem autorização do Confaz. O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), deferiu liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5467 para suspender a eficácia de normas do Estado do Maranhão que concedem “crédito presumido” do Imposto sobre Comercialização de Mercadorias e Serviços (ICMS) para empresas participantes de programa de incentivo ao desenvolvimento econômico. O relator salientou que a instituição unilateral de benefício fiscal estimula a guerra fiscal e representa risco ao equilíbrio do pacto federativo. A decisão será submetida a referendo do Plenário do STF.
Na ADI, o Partido Solidariedade (SD) questiona a Lei maranhense 10.259/2015, que institui o Programa de Desenvolvimento Industrial e de Integração Econômica do Estado do Maranhão (Mais Empresas) e concede “crédito presumido” de ICMS aos participantes. Segundo a legenda, os benefícios fiscais foram concedidos sem aprovação prévia em convênio interestadual, no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), o que viola regra constitucional. Os pareceres da Advocacia-Geral da União e da Procuradoria Geral da República, apresentados nos autos, opinam pela procedência do pedido.
[4] Art. 1º Mediante convênio celebrado nos termos da Lei Complementar no 24, de 7 de janeiro de 1975, os estados e o Distrito Federal poderão deliberar sobre:
I – a remissão dos créditos tributários, constituídos ou não, decorrentes das isenções, dos incentivos e dos benefícios fiscais ou financeiro-fiscais instituídos em desacordo com o disposto na alínea “g” do inciso XII do § 2º do art. 155 da Constituição Federal por legislação estadual publicada até a data de início de produção de efeitos desta Lei Complementar;
II – a reinstituição das isenções, dos incentivos e dos benefícios fiscais ou financeiro-fiscais referidos no inciso I deste artigo que ainda se encontrem em vigor.
[5] “Art. 3º O convênio de que trata o art. 1º desta Lei Complementar atenderá, no mínimo, às seguintes condicionantes, a serem observadas pelas unidades federadas:
§ 2º A unidade federada que editou o ato concessivo relativo às isenções, aos incentivos e aos benefícios fiscais ou financeiro-fiscais vinculados ao ICMS de que trata o art. 1º desta Lei Complementar cujas exigências de publicação, registro e depósito, nos termos deste artigo, foram atendidas é autorizada a concedê-los e a prorrogá-los, nos termos do ato vigente na data de publicação do respectivo convênio, não podendo seu prazo de fruição ultrapassar:
I – 31 de dezembro do décimo quinto ano posterior à produção de efeitos do respectivo convênio, quanto àqueles destinados ao fomento das atividades agropecuária e industrial, inclusive agroindustrial, e ao investimento em infraestrutura rodoviária, aquaviária, ferroviária, portuária, aeroportuária e de transporte urbano”.
[6] Art. 2º O convênio a que se refere o art. 1º desta Lei Complementar poderá ser aprovado e ratificado com o voto favorável de, no mínimo:
I – 2/3 (dois terços) das unidades federadas; e
II – 1/3 (um terço) das unidades federadas integrantes de cada uma das 5 (cinco) regiões do País.
[7] Decisão proferida pelo ministro Marco Aurélio Mello em 26/2/2017, conforme andamento no site do STF na ADI 5.902.
[8] http://g1.globo.com/pe/petrolina-regiao/noticia/2017/03/producao-de-vinhos-esta-em-alta-nas-vinicolas-do-vale-do-sao-francisco.html
[9] http://www.vinhosriosol.com.br/principal
[10] http://www.addiper.pe.gov.br/index.php/atuacao/incentivos-fiscais
É responsabilidade da AD Diper a concessão de incentivos fiscais no âmbito do Programa de Desenvolvimento do Estado de Pernambuco (Prodepe). O Programa compreende um conjunto de incentivos fiscais direcionados para alguns setores da atividade econômica, entre os quais se destacam: industrial, central de distribuição e importador atacadista.
O pacote destina-se a atrair novos investimentos para Pernambuco e manter em seu território aqueles já existentes. O programa foi instituído pela Lei nº 11.675, de 11 de outubro de 1999, e regulamentado por meio do Dec. nº 21.959, de 27 de dezembro de 1999, e respectivas alterações. É um dos programas mais robustos do gênero, pela abrangência e escalonamento de percentuais em função da localização dos empreendimentos, e transparentes, por dar publicidade aos atos através de decretos específicos no Diário Oficial, diferentemente da maioria dos programas mantidos em funcionamento no Brasil pelos governos estaduais. No Prodepe os incentivos só se aplicam a saldos devedores e o tipo de diferimento usado é o intrínseco.
[11] http://ecoviagem.uol.com.br/noticias/turismo/turismo-nacional/enoturismo-a-rota-do-vinho-no-vale-do-sao-francisco-18162.asp
Por Gustavo Ventura
Gustavo Ventura é advogado, especialista em Direito Tributário pela Universidade de Santiago de Compostela e mestre pela PUC-SP. Professor de pós-graduação e presidente da comissão de Direito Financeiro do Instituto dos Advogados de Pernambuco.
Revista Consultor Jurídico, 13 de abril de 2018.
https://www.conjur.com.br/2018-abr-13/incentivos-fiscais-icms-industriavitivinicola-pe-ba