Por qualquer ângulo que se examine, um aumento da carga tributária nesse momento é totalmente desaconselhável.
Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon) se apressaram em alertar para as providências contábeis que deverão ser observadas ainda nas demonstrações financeiras de 31 de dezembro de 2019 (eventos futuros conhecidos), e nas subsequentes, relativamente à covid-19.
Na verdade, o Ibracon foi muito mais abrangente e didático, enfrentando as principais variáveis que podem influenciar essas demonstrações, inclusive a própria continuidade da entidade.
Por qualquer ângulo que se examine, um aumento da carga tributária nesse momento é totalmente desaconselhável.
Dentre delas se destacam as perdas esperadas de ativos, o impairment do imobilizado e intangível, o valor realizável dos estoques, os valores justos de ativos e passivos, impactos em receitas e despesas futuras, contingências, falta de matérias primas, inadimplências, falta de liquidez etc.
Será um teste decisivo para essas novas regras contábeis, dado que não há critérios confiáveis para valorar, por exemplo, justos valores ou impairments de ativos e passivos, numa situação atípica como estamos vivendo, onde a própria continuidade da entidade pode estar em jogo.
Em apoio desses novos regramentos contábeis, a lei permitiu o adiamento da publicação das demonstrações de 31 de dezembro de 2019, havendo mais tempo para avaliar os impactos e informá-los ou registrá-los.
Contudo, do ponto de vista de IR e CSLL, tributos sobre os resultados, infelizmente esses registros contábeis são inócuos, dado que essas bases de cálculo são insensíveis a reduções de valores de ativos, ainda que justificáveis por uma “pandemia”.
Daí resulta que se está a tributar um lucro fortemente comprometido com desvalorizações e riscos de continuidade, contabilizados mas indedutíveis.
Mas algumas obrigações trabalhistas decorrentes das medidas legais (férias antecipadas com adicional e abono pecuniários, por exemplo) serão plenamente dedutíveis, incluídos os encargos sociais sobre elas, como INSS e FGTS, sem contar custos de eventuais demissões.
A depreciação dos bens produtivos parados pode continuar a ser registrada, porque eles sofrem a ação do tempo e da obsolescência. Se a depreciação for suspensa, para minimizar as perdas contábeis, não poderá ser “recuperada” posteriormente.
Nas empresas que pararam as atividades, os salários e encargos sociais da mão de obra produtiva, bem como os demais custos de fabricação, deverão ser diretamente “despesados”, uma vez que não há estoques em fabricação, ou serviços em execução (working in progress).
Embora as perdas com devedores duvidosos possam ser deduzidas dentro das regras fiscais, se houver moratória nos vencimentos a eventual provisão não será aceita fiscalmente, porque faltará o requisito do “vencimento da obrigação”. Será diferente se a devedora pedir recuperação judicial, fato que enseja o abatimento do crédito habilitado.
Nesse período poderá haver momentos de perdas fiscais, razão pela qual é importante a apuração da redução/suspensão do pagamento de tributos sobre o lucro, com base em balanços/balancetes, em detrimento da estimativa.
Aqueles que apuram lucro real trimestral deverão estar arrependidos, pois estarão sujeitos à trava de 30% para os prejuízos fiscais desses períodos, quando estes puderem ser compensados no futuro. As holdings poderão receber balanços de coligadas e controladas com prejuízos e até patrimônios líquidos negativos.
A avaliação pela equivalência patrimonial exigirá que o investimento seja ajustado e, no limite, zerado, podendo implicar provisão para perdas, se a investidora tem a expectativa de cobrir o déficit da investida.
Essas e outras situações similares recomendam que as empresas tenham prudência na distribuição de lucros neste ano, para preservarem a continuidade de suas atividades e evitarem um endividamento, cujas consequências futuras são imprevisíveis.
Até mesmo os IR/CSLL diferidos ativos sobre prejuízos fiscais deverão ser registrados com prudência, pois não há segurança na perspectiva de recuperação econômica.
Não poderíamos deixar de comentar as notícias que abordam possíveis empréstimos compulsórios e até mesmo tributos sobre fortunas e dividendos.
A União tem um histórico bastante desfavorável sobre empréstimos compulsórios. Houve no passado cobranças sobre combustíveis, viagens, veículos e até patrimônios (Decreto-lei nº 1.782/80). Todos sofreram judicialização e foram considerados inconstitucionais, por diversas razões.
No caso específico dos patrimônios, a lei de abril de 1980 pretendeu incidir sobre os ativos de pessoas físicas e jurídicas declarados em dezembro de 1979. Essa extemporaneidade entre o fato gerador e a base de cálculo foi questionada com sucesso.
Em favor dessa tese, neste caso, militaria ainda a evidente desvalorização dos ativos de dezembro de 2019 até a eventual cobrança desse empréstimo ou tributo neste ano.
E quanto aos dividendos distribuídos, como já ressaltamos, deverão ser pontuais, não se prestando a ser base tributável na magnitude de que a União necessita para fazer frente aos compromissos que a epidemia está a reclamar.
Ademais, o artigo 104, III, do Código Tributário Nacional (CTN) só permite cobrar IR de dividendos em 2021.
Os agentes econômicos importantes para satisfazer essa reivindicação ou já estão no limite de tributação suportável, ou estão sofrendo as consequências econômico/financeiras da covid-19, traduzidas na redução de receitas e inadimplência de recebíveis, dentre outros, não se prestando a serem sujeitos passivos de novos encargos tributários.
Por qualquer ângulo que se examine, um aumento da carga tributária nesse momento é totalmente desaconselhável.
Por Plinio J. Marafon
Fonte: Valor Econômico – 27/04/2020.