O tratamento tributário aplicável deve ser definido a cada caso, a partir das particularidades contratuais da operação.
O sistema de “cashback” tem se expandido no varejo brasileiro. O cliente recebe de volta determinado percentual do preço de um produto ou serviço adquirido, tipicamente na forma de crédito em uma conta virtual para ser utilizado em compras futuras.
Apesar de recente, o cashback é similar a outras práticas já bastante difundidas nas relações entre empresas, com o pagamento dos chamados rebates em dinheiro ou a entrega de mercadorias ou serviços em bonificação.
Os impactos tributários destas transações não são sempre evidentes e geram dúvidas e discussões entre autoridades fiscais e contribuintes. O que ocorre é que, do ponto de vista legal, tais práticas não possuem um regramento específico e, a depender de como sejam interpretadas, produzirão efeitos adversos na apuração de tributos.
O tratamento tributário aplicável deve ser definido a cada caso, a partir das particularidades
contratuais da operação.
Uma primeira interpretação possível é de que os valores concedidos aos clientes, por estarem intrinsicamente relacionados aos bens ou serviços vendidos, representam meras reduções ou ajustes no preço da operação original. A favor desta interpretação pesa o tratamento contábil de receita definido no Pronunciamento Técnico CPC 47 (Receita de Contrato com Cliente).
A discussão passa ainda pela possível caracterização dos valores bonificados como “descontos”, sejam estes condicionais ou incondicionais, particularmente quando a sua concessão estiver vinculada a determinados requisitos (volume de vendas, prazo de pagamento etc.).
Outras interpretações podem surgir a depender do arranjo contratual existente. Por exemplo, se o rebate ou bonificação estão atrelados ao atingimento de metas, cumprimento de prazos, gastos com ações de marketing etc. Em cada caso, as normas contábeis podem sugerir que os valores dispendidos sejam considerados como despesas operacionais, por exemplo, para marketing e propaganda, despesas financeiras ou ainda como parte de um acordo de rateio de despesas ou contraprestação por serviços prestados.
Nas hipóteses em que a operação envolve duas pessoas jurídicas, a entrega dos valores, bens ou serviços a título de bonificação deve ser interpretada tanto sob a perspectiva da empresa que concede quanto do ponto de vista daquela que recebe. Para a pessoa jurídica que concede a bonificação, a depender da interpretação adotada, a operação pode ser registrada como um efetivo “ajuste de receita” ou como uma “despesa”. Para a pessoa jurídica que recebe a bonificação, pode-se cogitar de uma “redução de custo ou despesa” ou uma “receita” isoladamente considerada.
Do ponto de vista da apuração do lucro tributável as qualificações acima descritas tendem a ser menos relevantes, já que a base tributável será o lucro líquido (empresas que apuram o IRPJ/CSLL com base no lucro real). Por outro lado, os reflexos para a apuração das contribuições para o PIS/Cofins são menos óbvios, especialmente nos casos em que a venda original e pagamento da bonificação ocorrem em momentos distintos.
Na apuração do PIS/Cofins, se a bonificação for tratada como ajuste de receita por parte do fornecedor e ajuste de custo ou de despesa pelo cliente, a incidência desses tributos refletirá os valores da transação, sem impactos adversos. Todavia, se a empresa que concede a bonificação a trata como uma despesa (e não como redução de receita), poderá calcular o PIS/Cofins sobre uma base de cálculo majorada e, de outro lado, não ter admitido o reconhecimento de créditos sobre o valor da “despesa” de bonificação registrada.
Efeito similar pode ocorrer para a empresa que recebe a bonificação. Caso o valor não seja tratado como ajuste de custo, poderá resultar na apropriação de créditos de PIS/Cofins sobre uma base incorreta (majorada), particularmente se o valor da bonificação, registrado isoladamente como “receita”, não for computado na base de cálculo das contribuições.
A discussão ganha novos contornos diante da multiplicidade de modelos de incentivo adotados pelas empresas e da ausência de uniformidade de interpretação tomada por precedentes das cortes administrativas e das próprias autoridades fiscais. Discussões recentes têm apontado para que sejam consideradas como receitas tributáveis pelo PIS/Cofins o recebimento, por empresas varejistas, de rebates pagos para recomposição de margem (RFB, Solução de Consulta Cosit nº 380/17); de descontos pré-acordados a título de “pedágio” ou para custeio indireto de atividades (Carf, acórdão 9303-008.247 de 19/03/19); ou ainda em razão do cumprimento de metas e ações (Carf, acórdão 3301-004.808 de 24/07/18).
O tratamento tributário aplicável deve ser definido a cada caso, a partir das particularidades contratuais da operação e suportado pelo correspondente tratamento contábil. Nesse sentido, as práticas do cashback e da bonificação devem ser acompanhadas de uma análise para mitigar possíveis reflexos tributários negativos para as empresas.
FONTE: Valor Econômico – Por Flávio Sussumu Pizão Yoshida – 10/10/2019.