AMIGOS DA CORTE
IDDD busca reabrir debate no Supremo sobre embargos de amicus curiae
Tiago Angelo
12 de maio de 2024
O Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) entrou com embargos de declaração na ADPF 347, em que o Supremo Tribunal Federal reconheceu o estado de coisas inconstitucional no sistema penitenciário Brasileiro.
Supremo entende que amici curiae não podem opor embargos em sede de controle concentrado de constitucionalidade
O acórdão do caso foi publicado em dezembro do ano passado. Na decisão, o Supremo confirmou liminar de 2015 que determinava uma série de medidas para solucionar os problemas envolvendo os presídios do país.
O IDDD atuou no caso como amigo da corte e agora pede, via embargos de declaração, que o tribunal revise restrições sobre a admissão de Habeas Corpus nos Tribunais Superiores e que a progressão de regime ocorra, uma vez cumpridos os requisitos, de forma automática, podendo o juiz barrar a transferência para regime menos rigoroso a pedido do MP.
Não se trata de solicitação fácil de vingar, e a entidade sabe. Isso porque o Supremo entende que embargos de declaração feitos por amigos da corte, caso do IDDD, não são cabíveis em ações de controle concentrado.
O instituto, no entanto, espera que o caso sirva para que o STF revise também essa posição. Para isso, apresentou junto aos embargos três pareceres, feitos respectivamente pelos professores Flávio Luiz Yarshell, da USP, e Cássio Scarpinella Bueno e Georges Abboud, ambos da PUC-SP.
Amigos da corte
Apesar de o Código de Processo Civil de 2015 permitir a oposição de embargos de declaração por amigos da corte, o entendimento do Supremo é o de que o instrumento jurídico não é aplicável em sede de controle concentrado.
Recentemente, em 4 de abril, o tribunal reafirmou o entendimento, agora quanto aos recursos extraordinários com repercussão geral. O tema foi decidido em questão de ordem levantada durante o julgamento que discutiu o limite da coisa julgada em matéria tributária.
Prevaleceu na ocasião o posicionamento do ministro Cristiano Zanin. Ele afirmou, no entanto, que o Regimento Interno do Supremo prevê que, em decisões irrecorríveis, os relatores podem admitir a manifestação de terceiros para elucidar eventuais dúvidas.
O presidente do Conselho Deliberativo do IDDD, Roberto Soares Garcia, disse à revista eletrônica Consultor Jurídico que a solução do STF de aplicar o Regimento Interno da corte é insuficiente.
Segundo ele, meras petições apontando omissões não possuem efeito interruptivo de prazos, ao contrário dos embargos. Por isso, prossegue, acórdãos que mereceriam reparos acabariam por transitar em julgado.
“Note-se que, para evitar embargos de amigos da corte, expressamente previstos no Código de Processo Civil, pode ser que o tribunal, para manter a integridade da coisa julgada, seja levada a manter imutável decisão, proferida em controle de constitucionalidade, que esteja maculada de omissão, contradição, obscuridade ou erro material”, afirmou.
Ele também questionou o argumento de que muitas das vezes embargos são usados para impedir que processos cheguem ao fim.
“Embargos protelatórios são punidos pela lei processual e são fenômenos patológicos que não podem ser tomados como regra. A imensa maioria dos declaratórios opostos buscam o aperfeiçoamento das decisões, sendo indevido tomar a exceção como se regra fosse, para limitar a atuação de quem opera como amigo da corte”, prosseguiu.
Princípio da especialidade
Em seu parecer, o professor Flávio Yarshell afirma que não admitir embargos de amigos da corte é o mesmo que considerar a presença de terceiros interessados como algo meramente formal, dando a ela apenas “aparência de intervenção”.
“Não há fundamento que justifique esvaziar prerrogativa que é indissociável da participação do amigo. Repita-se: ou bem não se admite seu ingresso; ou, se ele for admitido, cercear sua palavra, via declaratórios, é como tornar inócua a admissão, mais próxima de um simulacro que só desprestígio traria à atividade jurisdicional”, diz o advogado no documento.
O professor também questiona o argumento de que, no caso do não cabimento de embargos, valeria o chamado “princípio da especialidade”, segundo o qual regras especiais se sobrepõem a regras gerais.
Segundo ele, a Lei 9.822/99, que dispõe sobre o processo e julgamento de ADPFs e é usada para justificar a inadmissibilidade dos embargos, não veda o cabimento dos declaratórios.
“Ninguém desconhece ou coloca em dúvida da regra de hermenêutica segundo a qual o especial derroga o geral. Contudo, para que haja derrogação é preciso que efetivamente haja uma regra especial; que, no caso do citado diploma legal, simplesmente inexiste: a Lei 9.882/99 não veda o cabimento dos declaratórios e, portanto, não há uma regra especial que logicamente pudesse derrogar a geral”, afirma.
Argumento semelhante envolvendo a especialidade é utilizado no Supremo contra sustentações orais de advogados em agravos. Nesse caso, o tribunal cita o próprio Regimento Interno, que tem força de lei. Saiba mais nesta reportagem.
CPC 2015
Já o professor Cássio Scarpinella Bueno afirma em seu parecer que qualquer discussão possível a respeito do caso deveria ter sido superada a partir do CPC de 2015. Isso porque o texto diz de forma expressa que os amigos da corte têm legitimidade para interpor embargos.
“Em que pese o entendimento contrário, é suficiente a legitimidade recursal expressamente prevista no § 1º do art. 138 do CPC para também reconhecer ao amicus curiae legitimidade para embargar de declaração nas ações de controle concentrado de constitucionalidade”, diz trecho do parecer.
Ainda segundo o professor, a lei 9.822/1999, que trata das ADPFs, deve ser interpretada levando em conta as inovações trazidas pelo CPC, em especial no que diz respeito à atuação dos amigos da corte.
“O amicus curiae tem legitimidade para interpor recurso de embargos de declaração inclusive no âmbito das ações de controle concentrado e, em específico, em arguições de descumprimento de preceito fundamental, não sendo óbice para tanto o texto que se extrai do art. 12 da Lei n. 9.882/1999”, prossegue.
O trecho citado pelo professor afirma que a decisão que julgar procedente ou improcedente o pedido em ADPF é irrecorrível, não podendo ser objeto de ação rescisória.
Discricionariedade do julgador
O parecer de Georges Abboud foca na necessidade de limitar o poder discricionário dos relatores para admitir ou não admitir embargos de amigos da corte.
Segundo o especialista, a vedação da atividade discricionária implica em liberdade interpretativa “dentro dos limites dos textos, à luz dos fatos e em diálogo com a tradição institucional”.
“No paradigma que defendemos, é ínsito à democracia constitucional que questões jurídicas não sejam solucionadas por parâmetros discricionários. Nesse sentido, deve-se rejeitar aquilo que denominamos de ‘relativismo hermenêutico’, pelo qual o intérprete pode extrair do significante, consistente no texto legal, qualquer significado que melhor lhe atenda a subjetividade”, diz.
Ainda segundo o professor, para que não haja discricionariedade, é preciso “deferência legislativa” por parte do julgador.
“Por conseguinte, perante o que estabelece o art. 138, §1º do CPC é defeso ao julgador, inclusive ao STF, rejeitar puramente a regra legal posta que admite a interposição de embargos de declaração pelo amicus curiae. Fazê-lo, aliás, importaria declaração de inconstitucionalidade escamoteada do dispositivo, à revelia da Súmula Vinculante n° 10 da Corte”, afirma.
Tiago Angelo é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.