Não se desconhece o resultado desfavorável à União no julgamento da repercussão geral no RE 574.706.
Na sessão plenária de 15/03/2017, o STF concluiu o julgamento do referido RE, em repercussão geral (tema nº 69), reconhecendo, por maioria de votos, que o “ICMS não integra a base de cálculo das contribuições PIS/COFINS”.
Por ocasião da proclamação do resultado naquela assentada, a Presidente da Corte, Ministra Carmen Lúcia, postergou a deliberação sobre o pedido de modulação de efeitos da União para o momento da apreciação dos embargos de declaração a serem opostos pela Fazenda Nacional.
Diante disso, os Embargos de Declaração foram pautados para julgamento no dia 05/12/2019, entretanto, foram retirados sem previsão de retorno no dia 28/11/2019.
Sendo assim, torna-se imprescindível esclarecer o contexto e tentar dimensionar o que será julgado pelo Supremo:
1)Desde 15/03/2017, foram ajuizadas mais de 25 (vinte e cinco) mil novas[1] ações judiciais sobre esse tema ou sobre a sua extensão a outras controvérsias.
2)Existe mais de 8 (oito) mil processos sobrestados nos Tribunais aguardando a decisão definitiva do STF, o que somente ocorrerá com o julgamento de embargos de declaração.
3)Há, ainda, mais de 200 (duzentas) mil execuções fiscais que podem sofrer potencial impacto em razão do que vier a ser definido pelo STF.
4)Há mais de 2,5 mil processos que já transitaram em julgado, mesmo sem o trânsito em julgado do RE 574.706 do STF em que há debates intrigantes em aberto sobre os critérios de cálculos a serem adotados.
5)O potencial de impacto nos cofres públicos supera a marca dos 250 (duzentos e cinquenta) bilhões de reais, dados que foram estimados em 2015. Porém, um estudo recente do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) estimou em até R$ 485 bilhões o impacto do julgamento.
Traduza-se, o objetivo desse artigo é alertar que houve uma metamorfose enérgica de entendimento dos Tribunais Superiores sobre o tema:
1) Em 27/06/1988, quando vigorava a Constituição Federal de 1967, o antigo Tribunal Federal de Recursos editou a súmula 258: “inclui-se na base de cálculo do PIS a parcela relativa ao ICM”;
2) Em 15.12.1992, com a CF/88 manifestou-se o Superior Tribunal de Justiça, após reiteradas decisões, com base na súmula 68 — “A parcela relativa ao ICM inclui-se na base de cálculo do PIS”— e 94 — “A parcela relativa ao ICMS inclui-se na base de cálculo do FINSOCIAL” na data de 22/02/1992;
3) Em 12/12/2016, No REsp nº 1.144.469 o STJ fixou em sede de recurso repetitivo que o ICMS deve compor a base de cálculo do PIS/COFINS apenas pacificando o que sempre foi reconhecido neste Tribunal.
4) Já o STF, inicialmente não conhecia os Recursos Extraordinários sobre os temas, entendia-se que a questão era infraconstitucional[2], sendo competente, portanto o Superior Tribunal de Justiça.
5) Apenas em 08/10/2014, houve o julgamento do RE 240.785, em que o STF veio se posicionar de forma diversa sobre a matéria. Entretanto, a composição plenária era completamente diferente da atual, de maneira que não se pode considerar um precedente atualmente.
Perceba, não estão mais presentes 6 (seis) ministros: Joaquim Barbosa, Eros Grau, Teori Zavaski, Ayres Britto, Cezar Peluso, Sepúlveda Pertence.
Além disso, não participaram da votação 6 (seis) ministros: Rosa Weber, Roberto Barroso, Teori Zavaski, Luiz Fux, Dias Toffoli, Celso de Mello.
6) Em 15/03/2017, o STF se posicionou pela exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS, sem ter tido o trânsito em julgado, e deixando algumas relevantes questões em aberto.
Dessa forma, percebe-se que durante mais de 25 (vinte e cinco) anos – 1988 a 2016 – houve certa assiduidade e harmonia de um entendimento, até que houve uma modificação jurisprudencial quanto à temática.
Ainda, há uma externalidade preocupante sobre qual ICMS deve ser excluído, o “destacado” ou a “recolher”(pago)?
Segundo entendimento firmado pela Secretaria da Receita Federal do Brasil na Solução de Consulta Interna Cosit nº 13, de 18 de outubro de 2018, a parcela a ser excluída da base de cálculo mensal das contribuições corresponde ao valor mensal do ICMS a recolher, e não ao destacado em notas fiscais.
Aparentemente, todos os votos dos Ministros do Supremo Tribunal Federal formadores da tese vencedora da inconstitucionalidade no RE 574706, recaíram sobre a parcela mensal do ICMS a recolher a ser excluída da base de cálculo do PIS/Pasep e da Cofins, e não o destacado em notas fiscais, isto porque, os valores destacados nas notas fiscais (de vendas, transferências, etc.) constituem mera indicação para fins de controle, não se revestindo no imposto a ser efetivamente devido e recolhido aos Estados-membros, conforme concluiu a RFB.
Em verdade, nenhuma das partes tem absoluta certeza de qual deve ser a adequada aplicação do precedente, em face do desconhecimento exato de suas consequências e sob o fundamento de que ele ainda não é definitivo.
Tanto que, é usual afirmar que os Tribunais Regionais Federais[3] tem aplicados de maneira diversa o referido precedente firmado pelo STF.
Recentemente, alguns Ministros do STJ instados a se manifestar sobre o tema, afirmaram que os esclarecimentos e eventuais omissões devem ser pacificadas pelo STF:
“Somente o Supremo Tribunal Federal poderá definir com a necessária acuracidade a extensão de seu julgamento, já que essa própria extensão está a depender de interpretação e compatibilização de temas constitucionais, mormente se for considerado seu impacto sistêmico em todo o Direito Tributário Brasileiro. Com todas as vênias, uma indevida atuação deste Superior Tribunal de Justiça irá apenas aumentar a insegurança jurídica desejável no trato da matéria”
A retirada de pauta do STF em 28/11/2019 pode ser um momento excelente para “reflexão”, “amadurecimento” e considerando a importância do tema, conforme palavras já utilizadas pelo Min. Gilmar Mendes em entrevista conferida ao programa Roda Viva sobre os pedidos de vista.
No meio de tantas inseguranças jurídicas, uma certeza: modificações de pensamento podem abalar fortemente a coerência da Administração Tributária, caso não seja respeitada a harmonia do sistema jurídico e econômico que perdurou por mais de 25 anos.
Rememorando o ilustre ex-Ministro Ayres Britto na ADI 2797:
“E os embargos de declaração constituem a última fronteira processual apta a impedir que a decisão de inconstitucionalidade com efeito retroativo rasgue nos horizontes do Direito panoramas caóticos, do ângulo dos fatos e relações sociais.
É dizer, panoramas em que a não salvaguarda do protovalor da segurança jurídica implica ofensa à Constituição ainda maior do que aquela declarada na ação direta”.
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[1] https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2019/03/15/contribuintes-ajuizaram-25-mil-acoes-para-excluir-icms-do-pis-e-da-cofins.ghtml, acessado em 22/11/2019.
[2] Vide: STF; RE-AgR 452.294; RS; Primeira Turma; Rel. Min. Ricardo Lewandowski; Julg. 01/06/2010; DJE 06/08/2010; Pág. 7; RE 633753, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, julgado em 17/12/2010, publicado em DJe-025 DIVULG 07/02/2011 PUBLIC 08/02/2011 RE 391.371, Rel. Min.. Carlos Velloso; AI 488.306, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 2.5.2006). E ainda: AI 662.789, de minha relatoria, DJE 18.8.2008; AI 451.761-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, DJ 10.11.2006; e AI 449.711-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJ 11.6.2004
[3] TRF 2ª R.; AC-RN 0031102-66.2017.4.02.5104; Terceira Turma Especializada; Rel. Des. Fed. Theophilo Antonio Miguel Filho; Julg. 27/08/2019; DEJF 25/10/2019
TRF 5ª R.; AC 2008.81.03.001015-4/02; CE; Terceira Turma; Rel. Des. Fed. Fernando Braga Damasceno; Julg. 28/02/2019; DEJF 29/03/2019; Pág. 61
Fonte: Jota – Por Felipe Duque – 11 de dezembro de 2019.