Imaginemos o seguinte exemplo, comum às fabricantes de materiais de construção civil: uma determinada Fábrica A situada no estado de São Paulo vende materiais de construção para a Construtora B estabelecida em Pernambuco. E, a pedido desta, a entrega destas mercadorias é realizada diretamente no local da obra situado em Santa Catarina. Diante disso, surge a seguinte indagação: para quais estados o ICMS deve ser recolhido, considerando o disposto no artigo 155, parágrafo segundo, VII, da Constituição da República?
É na resposta a esta pergunta que reside a controvérsia, eis que a LC 87/96 não define, com clareza, qual o “estado de destino” da referida operação. Isto tem gerado entendimentos divergentes, pois há estados (como PE) que entendem que o “estado de destino” é aquele onde a Construtora está situada. De outro lado, há estados (como SP, SC e PR) que assinalam que o “estado de destino” é aquele onde os materiais de construção foram entregues.
E isto impacta diretamente sobre o recolhimento do ICMS, pois gera dúvida (1) quanto ao estado para o qual deve ser recolhido o ICMS – diferencial de alíquota (ICMS-DIFAL), que é devido ao “estado de destino” (partindo da premissa de que as construtoras são consumidoras finais); e (2) quanto ao ICMS devido ao “estado de origem”, pois a alíquota interestadual é variável a depender do “estado de destino”.
Assim, no exemplo dado e considerando o entendimento dos estados envolvidos na operação, tanto Santa Catarina como Pernambuco exigiriam o recolhimento do ICMS-DIFAL. E se optasse o fabricante por recolher o ICMS-DIFAL ao estado de Pernambuco (local da Construtora B), além da exigência de Santa Catarina, também poderia enfrentar exigência adicional do estado de São Paulo, ao argumento de que o ICMS que lhe é devido deve ser calculado à alíquota interestadual de 12% (aplicável nas operações entre SP e SC), e não sob a alíquota interestadual de 7% (incidente entre SP e PE).
Mas como resolver esta celeuma? O ideal seria a alteração da LC 87/96 para estabelecer, com clareza, a regra aplicável a esta hipótese. A disciplina atual realmente dá margem a uma dupla interpretação, pois o art. 11, parágrafo terceiro, ao definir o que é estabelecimento para fins de cobrança do ICMS, previu um conceito amplo que, em uma interpretação literal, permite que o canteiro de obras seja considerado um estabelecimento autônomo.
Não me parece a interpretação correta, pois esta definição de estabelecimento não pode estar dissociada da hipótese de incidência do ICMS, que exige uma operação de circulação jurídica (e não física) da mercadoria. É dizer, o estabelecimento deve ser apto a integrar um dos polos da operação, posição esta ocupada pela construtora que adquire os materiais de construção, e não pelo canteiro de obras (salvo se neste for formalmente constituída filial).
Se não for editada lei complementar dirimindo este conflito e acaso os estados mantenham os seus entendimentos contrapostos, creio que não restará às fabricantes, a depender da intensidade que este conflito assuma, socorrer-se ao STF, que é o órgão competente para dirimir conflito entre os estados, nos termos do art. 102, I, “f”, da Constituição (seria esta, aliás, uma excelente oportunidade para que seja reexaminada a aplicação deste preceito constitucional em matéria tributária, que costuma enfrentar resistência por força da Súmula 503, inaplicável à presente hipótese).
Fonte: DCI – 11/09/2019
FELIPE FLEURY