O parcelamento tributário nada mais é do que uma espécie de moratória (Schoueri, 2012) com a peculiaridade de quitar o crédito tributário de forma parcelada, observados prazos e condições ajustadas em lei específica, atuando como causa autônoma de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, nos termos do artigo 151, inciso VI, do Código Tributário Nacional (CTN).
É mecanismo de equilíbrio que permite ao contribuinte se regularizar perante o Fisco, assim como a recuperação de crédito tributário pela Fazenda.
Ocorre que, quando da adesão aos programas de regularização fiscal, em regra, é condição para homologação do parcelamento a renúncia, pelo contribuinte, de eventual defesa/recurso administrativo ou ação judicial que questione a legalidade do lançamento tributário.
Ao abrir mão do seu direito e aderir às condições do Fisco, a parte já assume, per se, ônus processual e econômico
A renúncia importa na extinção da ação judicial, com resolução de mérito (artigo 487, III, ‘c’, do CPC/2015), e na impossibilidade de (re)discutir o mérito do lançamento, sendo que, na hipótese de descumprimento do pagamento do parcelamento, poderá a Fazenda Pública ingressar com procedimento para cobrança do crédito tributário, na forma prescrita na Lei nº 6.830, de 1980. Ao contribuinte não restará mais mérito a ser enfrentado, lhe restando tão somente os atos de expropriação – salvo se existir alguma hipótese de erro de direito.
Assim, quando submete ao juízo da causa o pedido de renúncia ao direito ao qual se funda a ação, em regra, há a condenação do contribuinte ao pagamento da verba honorária em favor da Fazenda Pública.
Entrementes, necessário repensar a condenação do contribuinte ao pagamento da verba sucumbencial quando este renuncia o direito ao qual se funda a ação, pois tal ato (renúncia ao direito) já é demasiado oneroso ao contribuinte.
Isso porque há desequilíbrio na relação, pois o contribuinte não poderá mais rediscutir o mérito do crédito tributário se deixar de quitar o parcelamento regularmente, ao passo que o Fisco poderá ingressar com procedimento para cobrança, na hipótese de descumprimento do parcelamento, e, neste procedimento, haverá a fixação da verba honorária em favor do Fisco logo no despacho citatório (artigo 827 do CPC/2015).
Por tal motivo, necessário repensar se a condenação do contribuinte ao pagamento da verba honorária quando da renúncia à ação, em virtude de adesão a programa de parcelamento, está coerente com o sistema jurídico, uma vez que a renúncia se dá por imposição legal ao contribuinte, como condição de homologação do parcelamento.
Tal como vendo sendo noticiado, o próprio Tribunal da Cidadania irá revisar precedente em que autorizava a condenação em verba honorária quando da desistência de ação motivada pela adesão à programa de parcelamento.
A revisão do repetitivo se dá pelo reconhecimento de que a renúncia ao direito, com a consequente desistência da ação, em virtude de parcelamento, decorre da condição da legislação que institui o programa de parcelamento. Ou seja, para que a parte possa se valer dos benefícios do programa de parcelamento, deve renunciar ao direito de ação afeto ao crédito tributário.
No parcelamento, há uma concessão entre o ente tributante e o contribuinte, de modo que aquele que quer arrecadar receba algo e, por outro lado, aquele que quer desconstituir o lançamento (ausência de vínculo jurídico-tributário) pague algo, todavia, de modo equilibrado.
Nesta senda, havendo imposição de ônus sucumbencial por razão de norma procedimental, norma esta que escapa do alcance das normas afetas ao parcelamento tributário, verifica-se desequilíbrio desproporcional àquele que renuncia ao seu direito de ação.
A não imposição de verba sucumbencial àquele que renuncia ao direito é plausível – isonomia – pois, ao abrir mão do seu direito e aderir às condições do Fisco, a parte já assume, per se, ônus processual e econômico. Caso lhe fosse permitido permanecer litigando, poderia aguardar sentença de mérito e, ao final, obter decisão desconstituindo a obrigação tributária.
O mencionado desequilíbrio não prevalece meramente em razão da imposição do ônus econômico, mas essencialmente porque já há constrangimento (dispendioso) da parte obrigada a renunciar de um direito levado ao Judiciário, para aderir à condições de outrem, fazendo com que a imposição do ônus sucumbencial lhe sirva, na essência, de verdadeira penalidade.
Aplicar uma norma procedimental sem sopesar a essência dos programas de parcelamento e a intenção das partes na composição é negar a aplicação de todo ordenamento jurídico. Significa ignorar as finalidades sociais dos atos (inclusive atos normativos) e da vontade das partes, sem promover justiça e dignidade, pois a imposição da verba sucumbencial sem esse sopesamento desprivilegia a proporcionalidade, a razoabilidade e a eficiência da norma jurídica afeta ao parcelamento.
O artigo 8º do CPC/2015 prescreve justamente a necessidade de aplicação das normas de modo coerente com todo o sistema (ordenamento), devendo-se assegurar a todos os sujeitos do processo tratamento isonômico, proporcional e eficiente.
Por tal razão, surge a necessidade de repensar a coerência/legalidade da condenação do contribuinte ao pagamento de verba honorária, quando da adesão à programa de parcelamento tributário.
Por Tales de Almeida Rodrigues
Tales de Almeida Rodrigues é advogado tributarista no Décio Freire Advogados e mestrando em Direito Público pela PUC-MG
Fonte : Valor-04/04/2019