A Federação das Indústrias do Estado (Fiesp) ingressou no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) com ação direta de inconstitucionalidade (Adin) para reduzir os poderes do governador do Estado, João Doria (PSDB-SP). Em vigor desde o início do mês, a Lei nº 17.293 conferiu ao Executivo a possibilidade de renovar ou reduzir os benefícios fiscais de ICMS no Estado. O pedido da federação para suspender parte da norma até o julgamento do mérito, porém, foi negado.
Em vigor desde sua publicação, a Lei nº 17.293 tem potencial para afetar diversos segmentos econômicos como o de medicamentos, ovos e escovas de dentes. Com base na nova lei, pelo menos quatro decretos estaduais já foram editados para reduzir benefícios, segundo a Fiesp, os de nº 65.252, 65.253, 65.254 e 65.255, que também são questionados na Adin (nº 2250266-75.2020.8.26.0000).
“Todo produto que tem alíquota inferior a 18% corre o risco de ter o benefício fiscal revogado pelo governo”, afirma Helcio Honda, diretor jurídico da Fiesp.
A entidade foi motivada por duas principais questões. “Qualquer aumento de carga tributária nesse momento, ainda mais com segmentos saindo da crise referente à pandemia, fere a competitividade dos produtos paulistas. O momento é de recuperação econômica e a arrecadação estadual já vem reagindo”, diz Honda.
A Fiesp também afirma que a delegação ao Poder Executivo para reduzir benefícios fiscais viola o princípio constitucional da legalidade. Na ação, alega que a Constituição Federal exige a edição de lei específica para a concessão de incentivos, assim a competência para redução ou revogação também seria de lei.
Além disso, cita o artigo 178 do Código Tributário Nacional (CTN), que diz que isenção só pode ser revogada ou modificada por lei. Também destaca a Súmula nº 544 do Supremo Tribunal Federal (STF), segundo a qual isenções tributárias concedidas, sob condição onerosa, não podem ser livremente suprimidas.
Para o tributarista Rafael Nichele, essa delegação de poder “é um cheque em branco para governo fazer o que quiser”. O tributarista ainda observa que, segundo jurisprudência do STF, qualquer revogação de lei tem que respeitar o princípio da anterioridade. Assim, a revogação do benefício fiscal não pode ter validade automática.
“Um mecanismo desse, que permite ao Poder Executivo revogar benefícios, eleva a guerra fiscal à enésima potência”, diz a advogada tributarista Priscila Faricelli, do escritório Demarest Advogados.
Com a negativa do pedido liminar da Fiesp, segundo Priscila, mesmo as empresas sob o guarda-chuva da entidade podem optar por uma ação judicial individual. “Para clientes que têm benefícios a orientação já era de questionar no Judiciário, por meio de medida preventiva ou da contestação de decreto que a prejudique”, afirma.
Se a ação da Fiesp for vitoriosa no futuro, mesmo quem entrar com ação individual será beneficiado, de acordo com a advogada. “Mas se a empresa conseguir uma decisão positiva e a Fiesp não, somente o STF vai dizer o que prevalece”, diz.
Para a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) a ação da Fiesp não vai prosperar. Segundo o procurador Alexandre Abud, por meio da ADPF 198-DF, a maioria dos ministros do STF julgou constitucional que os convênios do Confaz possam ser internalizados mediante decreto do Executivo, não necessariamente lei.
“A Fiesp também alega que isenção não pode ser criada sem lei, mas São Paulo não está criando, mas reduzindo benefícios e falando que, daqui para frente, haverá participação do Legislativo”, diz. O procurador também se baseia no Convênio nº 42, de 2016, do Confaz, que permitiria a redução de benefícios fiscais, no percentual mínimo de 10%. “E os decretos editados recentemente reduzem os benefícios por período determinado, normalmente por 24 meses”, acrescenta.
FONTE: Valor Econômico – Por Laura Ignácio, 27/10/2020