Fisco venceu a maioria dos casos tributários nos tribunais superiores em 2023
27 DE DEZEMBRO DE 2023
CONFORME LEVANTAMENTO DO JOTA , DE 14 JULGAMENTOS NO STJ E STF EM 2023, OITO, OU 57%, TIVERAM DECISÃO FAVORÁVEL À UNIÃO, CONTRA TRÊS DECISÕES FAVORÁVEIS AOS CONTRIBUINTES
Nos principais casos tributários julgados em 2023 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), foram registradas mais vitórias do fisco do que dos contribuintes, conforme levantamento realizado pelo JOTA. A reportagem destacou 14 julgamentos relevantes na área tributária. Desse total, oito (57%) tiveram decisão favorável ao fisco, enquanto três (21%) tiveram resultado pró-contribuinte. Em outros três casos, a classificação não se aplica, por serem discussões entre municípios ou entre os fiscos estaduais.
Em apenas quatro casos em que teve vitória, a União evitou a perda de R$ 195,6 bilhões em receita em cinco anos, conforme informações da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024. No STF, o número considera a vitória da Fazenda Nacional na discussão relativa ao PIS e à Cofins sobre receitas de instituições financeiras (R$ 115,2 bilhões). No STJ, engloba os debates sobre incidência do IRPJ e da CSLL sobre benefícios fiscais do ICMS (R$ 47 bilhões); possibilidade de tomada de créditos de PIS/Cofins sobre produtos sujeitos à tributação monofásica (R$ 31 bilhões); e inclusão do ICMS na base de cálculo do IRPJ e da CSLL no Lucro Presumido (R$ 2,4 bilhões).
Os fiscos estaduais também registraram vitórias importantes. Na discussão sobre o momento de cobrança do diferencial de alíquota (difal) do ICMS, instituído pela Lei Complementar (LC) 190/22, o STF validou a cobrança a partir de 5 abril de 2022, evitando uma perda anual de R$ 11,9 bilhões estimada pelos estados caso a cobrança só pudesse ocorrer a partir de 2023.
Em 2023, os estados ganharam ainda o debate sobre a modulação dos efeitos na ADC 49, após perder a discussão no mérito em 2021. A não incidência do ICMS nas transferências de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo dono produzirá efeitos só a partir de 2024. Por outro lado, o STF concedeu aos contribuintes o direito de manter e transferir os créditos de ICMS para outros estados a partir de 2024. As 10 maiores empresas do varejo brasileiro estimavam perder R$ 5,6 bilhões em créditos ao ano caso não pudessem transferir os valores.
Para a advogada Ariane Guimarães, sócia de Tributário do escritório Mattos Filho, as vitórias expressivas do fisco federal em 2023 resultam de “um componente político muito expressivo” na atuação dos tribunais superiores. “Seja porque estamos em início de mandato e, em alguma medida, esse caráter arrecadatório acaba estando presente, esses argumentos acabaram chegando aos tribunais, influenciando decisões. O mote decisório não deveria ser arrecadatório, e sim jurídico, embora possam ser considerados os efeitos econômicos [das decisões]”, avalia.
O advogado Carlos Daniel Neto, do Daniel & Diniz Advocacia Tributária, corrobora. “Realmente, a pauta arrecadatória foi uma diretriz nos julgamentos. A meu ver, em relação a um caso que talvez tenha sido um dos principais do ano, a coisa julgada, o STF acertou na decisão, mas errou em não ter modulado, uma vez que havia um entendimento do STJ em sentido contrário [ou seja, para que, mesmo com entendimento posterior do STF, não houvesse alteração da relação jurídica estabilizada pela coisa julgada]”, avalia.
Sem estimativa de impacto orçamentário, a discussão citada pelo advogado, envolvendo os limites da coisa julgada em matéria tributária, foi uma das vitórias mais emblemáticas da União em 2023. Em 8 de fevereiro, o Supremo decidiu que uma decisão judicial com trânsito em julgado permitindo o não pagamento de um tributo perde automaticamente os efeitos diante de um entendimento da Corte considerando a cobrança constitucional. Agora, a discussão continua em torno da modulação de efeitos da decisão. Já, porém, maioria de 7×2 no Plenário para negar o pedido de modulação. Na prática, caso o entendimento se confirme ao fim do julgamento, isso significa que os contribuintes vão ser obrigados a recolher a CSLL desde 2007, quando o STF reconheceu a constitucionalidade da cobrança ao julgar a ADI 15.
Confira os principais casos tributários julgados em 2023:
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF)
Limites da coisa julgada em matéria tributária
Processos: RE 949297 e RE 955227 (Temas 881 e 885)
Impacto: não estimado
O STF decidiu que um contribuinte que obteve uma decisão judicial favorável com trânsito em julgado permitindo o não pagamento de um tributo perde automaticamente o seu direito diante de uma nova decisão do STF que considere a cobrança constitucional. O caso concreto diz respeito à CSLL, mas o julgamento será aplicado a outros tributos pagos de modo continuado. Ainda está pendente o julgamento de embargos de declaração por meio dos quais os contribuintes pedem que a decisão produza efeitos “para frente”. No entanto, os ministros já formaram maioria, com placar de 7X2 , para negar o pedido. Na prática, caso esse entendimento seja confirmado, os contribuintes serão obrigados a recolher a CSLL desde 2007, quando o STF julgou o tributo constitucional na ADI 15.
Diferencial de alíquota (difal) de ICMS
Processos: ADIs 7066, 7070 e 7078
Impacto: R$ 11,9 bilhões para os estados em 2022, segundo o Comsefaz
Em mais uma vitória para os fiscos estaduais, o STF decidiu que o diferencial de alíquota (difal) de ICMS pode ser cobrado pelos estados a partir de 5 de abril de 2022. A maioria dos magistrados concluiu que a Lei Complementar 190/22, que regulamentou a cobrança do tributo e foi publicada em 5 de janeiro de 2022, deve observar a anterioridade nonagesimal para começar a produzir efeitos. Na prática, a decisão é contrária ao pedido dos contribuintes, que esperavam que a cobrança fosse validada apenas a partir de 2023.
Repasse do difal de ICMS ao estado do consumidor final
Processo: ADI 7158
Impacto: não estimado
O STF validou o dispositivo da Lei Kandir que define que o produto da arrecadação do diferencial de alíquota (difal) de ICMS deve ser repassado ao estado de destino das mercadorias ou do fim da prestação dos serviços. O STF concluiu que as regras atuais devem ser mantidas, o que beneficia os estados de destino das operações, que ficam com o valor arrecadado.
Transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo dono
Processo: ADC 49
Impacto: R$ 5,6 bilhões em crédito tributário ao ano, segundo as empresas
O STF definiu que a decisão que afastou a incidência do ICMS em operações interestaduais envolvendo empresas do mesmo titular deve produzir efeitos a partir de 2024. Por outro lado, os contribuintes terão o direito de manter e transferir os créditos de ICMS para outros estados a partir de 2024.
PIS/Cofins sobre receitas de instituições financeiras
Processos: RE 609096 (Tema 372) e RE 880143
Impacto: R$ 115,2 bilhões em cinco anos, segundo a LDO de 2023
O STF validou a cobrança de PIS e Cofins sobre receitas financeiras dos bancos antes da Lei 12.973/2014. Depois desta norma, ficou claro que as contribuições incidem sobre todas as receitas. A maioria dos ministros concluiu que as contribuições devem incidir sobre as atividades empresariais típicas, o que, no caso dos bancos, inclui as receitas financeiras.
Multa isolada sobre compensação não homologada
Processos: RE 796939 (Tema 736) e ADI 4905
Impacto: R$ 3,7 bilhões em cinco anos, segundo a LDO de 2023
O STF derrubou a multa isolada de 50% sobre o valor do crédito tributário objeto de compensação não homologada. A penalidade está prevista no artigo 74, parágrafo 17, da Lei 9.430/96. Para o STF, porém, a mera negativa ao pedido de compensação tributária não consiste em ato ilícito para ensejar uma sanção.
Execução fiscal de pequeno valor
Processo: RE 1355208 (Tema 1184)
Impacto: não estimado
O STF reconheceu a possibilidade de extinção da execução fiscal de baixo valor por falta de interesse de agir. No entanto, os ministros definiram que será possível ajuizar a execução fiscal após a adoção de providências como tentativa de conciliação ou adoção de solução administrativa e protesto de título.
IOF sobre operações de empréstimo entre particulares
Processo: RE 590186 (Tema 104)
Impacto: não estimado
O STF validou a cobrança do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre as operações de mútuo (empréstimo) entre pessoas jurídicas ou entre pessoa jurídica e pessoa física, ainda que nenhuma delas seja instituição financeira.
Competência para a cobrança do ISS
Processos: ADPF 499, ADI 5835 e 5862
Impacto: não estimado
O STF decidiu que o ISS de serviços de planos de saúde e financeiros deve ser pago onde está o prestador de serviços, ou seja, no endereço da empresa, e não no endereço do tomador de serviços, ou seja, do cliente. O caso envolveu serviços de planos de saúde, administração de fundos e de carteira de clientes; administração de consórcios e de cartão de crédito ou débito.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ)
IRPJ/CSLL sobre benefícios fiscais de ICMS
Processo: REsps 1945110/RS e 1987158 (Tema 1182)
Impacto: R$ 47 bilhões em cinco anos, segundo a LDO 2024
O STJ decidiu que benefícios fiscais de ICMS como redução de alíquota, isenção e diferimento, entram na base de cálculo do IRPJ e da CSLL caso sejam descumpridas regras previstas no artigo 10 da Lei Complementar 160/2017 e no artigo 30 da Lei 12.973/14. Por meio de embargos de declaração, os contribuintes pedem que a decisão produza efeitos a partir de 26/4/23, data da decisão de mérito, o que ainda está pendente de julgamento.
ICMS nas bases de cálculo do IRPJ e da CSLL no Lucro Presumido
Processos: REsps 1767631/SC, 1772634/RS e 1772470/RS (Tema 1008)
Impacto: R$ 2,4 bilhões em cinco anos, segundo a LDO 2024
O STJ decidiu que o ICMS integra as bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, quando apurados pela sistemática do Lucro Presumido. O tema era considerado uma das “teses filhotes” do Tema 69, a chamada “tese do século”, em que o STF decidiu que o ICMS não compõe as bases de cálculo do PIS e da Cofins. Para os ministros do STJ, porém, o Tema 69 está restrito ao PIS e à Cofins.
Créditos de PIS/Cofins na revenda de produtos monofásicos
Processos: REsp 1894741/RS e REsp 1895255/RS (Tema 1093)
Impacto: R$ 31 bilhões em cinco anos, segundo a LDO 2024
O STJ entendeu que as empresas não podem tomar créditos de PIS e Cofins sobre produtos sujeitos ao regime monofásico de tributação. Nesse regime, o recolhimento do PIS e da Cofins é concentrado em uma etapa da cadeia. Nas demais etapas, os produtos ficam sujeitos à alíquota zero. Ainda que as operações seguintes não se concretizem, o tributo pago não é devolvido. O STJ concluiu que o artigo 17 da Lei 11.033/2004, ao autorizar a manutenção dos créditos a empresas participantes do Regime Tributário para Incentivo à Modernização e à Ampliação da Estrutura Portuária (Reporto), não revogou a legislação anterior que proibia a tomada de créditos no regime monofásico.
Inclusão do difal do ICMS nas bases de cálculo do PIS e da Cofins
Processo: REsp 1928887/RS
Impacto: R$ 1,6 bilhão em cinco anos, segundo a LDO 2024
O STJ manteve a decisão de segundo grau favorável ao contribuinte que excluiu o diferencial de alíquota (difal) de ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. A 1ª Turma não conheceu do recurso da Fazenda Nacional, mantendo, na prática, a decisão do tribunal de origem. Os ministros concluíram que seria necessário analisar argumentos constitucionais, o que cabe ao STF.
ICMS-ST na base de PIS/Cofins
Processos: REsps 1896678/RS e 1958265/SP (Tema 1125)
Impacto: não estimado
O STJ decidiu que o ICMS Substituição Tributária (ICMS-ST) não entra nas bases de cálculo do PIS e da Cofins. Os ministros entenderam pela aplicação, ao caso do ICMS-ST, do precedente por meio do qual o STF excluiu o ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins (Tema 69).
Mariana Branco
Repórter
Cristiane Bonfanti
Editora assistente de Tributos