Créditos previdenciários decorrentes de decisões judiciais só poderão ser usados – para pagamento de novos tributos, por exemplo – se antes o contribuinte fizer a correção das guias das contribuições que já haviam sido emitidas. Isso quer dizer que será necessário atualizar todos os valores contestados na Justiça, mesmo que envolva documentos muito antigos, e retransmitir os dados para a Receita Federal.
Aqueles que não seguirem o procedimento estarão sujeitos ao pagamento de multa e ainda correm o risco de ter a compensação não autorizada pelo Fisco. Isso é o que consta na Solução de Consulta nº 77, da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit).
A orientação é importante por vincular a autoridade fiscal. A fiscalização, portanto, não poderá ter interpretação diferente da que foi veiculada no Diário Oficial da União (DOU).
O entendimento, publicado na semana passada em resposta a um contribuinte, alimenta uma discussão que já dura dois anos. A Cosit, em 2016, divulgou outra Solução de Consulta, de nº 132, com orientação semelhante. E, na época, foi interpretada pelos contribuintes como uma forma de impedir o acesso a valores que tinham direito de receber.
Isso porque a publicação ocorreu pouco depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) declarar inconstitucional o artigo 22 da Lei nº 8.212, de 1998, que tratava da contribuição previdenciária patronal incidente sobre serviços tomados de cooperativas de trabalho (RE nº 595.838/SP). Havia muitas ações de contribuintes sobre o tema em andamento, segundo advogados, o que, consequentemente, geraria um número expressivo de pedidos para compensar tais créditos.
Agora, afirmam os especialistas, o pano de fundo seria a maciça jurisprudência com relação a não incidência de contribuição previdenciária sobre pagamentos feitos por meio da folha mas que não representam, necessariamente, salário – como um terço de férias, salário-maternidade e aviso prévio indenizado.
“A jurisprudência tem caminhado nesse sentido. Tanto é verdade que no âmbito administrativo a própria Receita Federal já reconheceu a desnecessidade de pagar contribuição previdenciária sobre o aviso prévio indenizado”, diz o advogado Marcelo Bolognese, do escritório que leva seu nome. “As empresas, então, principalmente aquelas com custo de folha elevado, estão indo buscar isso no Judiciário.”
As correções exigidas pela Receita são muito onerosas aos contribuintes, afirma Bolognese. As Guias de Recolhimento do FTGS e Informações à Previdência Social (GFIPs) – documentos que, segundo o Fisco, devem ser retificados – são transmitidas mensalmente pelas empresas e nelas constam dados de cada funcionário.
“Essa guia, numa grande empresa, não tem menos que três mil páginas. Imagine ter que fazer a correção de todas essas informações, por todos os meses de contribuição previdenciária que foram objeto de discussão no Judiciário. Estamos falando em mais de cem GFPIs para um processo de dez anos”, complementa.
Pedro Ackel, do WFaria Advogados, diz que para um cliente promover as correções exigidas pela Receita e conseguir usar os créditos previdenciários precisou colocar duas pessoas da empresa para fazer o levantamento durante três meses. “É muito trabalhoso e especialmente quando envolve a remuneração do empregado”, enfatiza.
Ele chama a atenção que há situações em que não se consegue mudar a base de remuneração sem afetar, por exemplo, o FGTS do funcionário. Seria o caso das correções relacionadas ao aviso prévio indenizado. “Se tiver que retificar a GFIP tem que retificar a remuneração do empregado. E isso poderia trazer consequências para o FGTS e para o Imposto de Renda.”
O advogado diz ainda que a Solução de Consulta está em desacordo com o que já decidiu, em junho de 2016, a Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Os conselheiros da 2ª Turma entenderam que a não correção da GFIP, como requisito ao uso de créditos previdenciários, ensejaria multa, mas não a invalidação da compensação (acordão nº 9202-003.930).
O advogado Marcello Pedroso, do escritório Demarest, entende que há margem para discussão nesses casos porque não existe na legislação qualquer dispositivo prevendo a obrigatoriedade da retificação da GFIP como requisito à compensação. Ele cita o artigo 74 da Lei nº 9430, de 1996, que trata das compensações e não estabelece a necessidade de correção.
Destaca, por outro lado, que o contribuinte não deve simplesmente deixar de fazer a correção. “Ele deve ingressar com mandado de segurança e ter respaldo em uma decisão judicial. Senão, corre o risco de o que ganhou na Justiça se transformar em um débito maior do que o próprio crédito.”
Fonte: Valor-10/07/2018
Por Joice Bacelo | De São Paulo