“É inadmissível recurso especial, quando o acórdão recorrido assenta em fundamentos constitucional e infraconstitucional, qualquer deles suficiente, por si só, para mantê-lo, e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário.”
Assim, com base na Súmula 126 do Superior Tribunal de Justiça, o ministro Sérgio Kukina negou agravo em recurso especial do Estado do Rio de Janeiro e manteve decisão que anulou multa de ICMS por omissão de receita aplicada a uma empresa de calçados com base em dados obtidos de administradoras de cartão de crédito sem ciência da companhia.
A empresa, representada pelo advogado Pedro Vianna, impetrou mandado de segurança contra a atuação do Fisco estadual. O Tribunal de Justiça do Rio anulou o auto de infração por entender que houve violação do sigilo bancário da companhia, segundo o artigo 6º da Lei Complementar 105/2001. Além disso, o TJ-RJ apontou que a autuação sem processo administrativo violou o direito à ampla defesa da companhia.
O Estado do Rio interpôs recurso especial, que teve sua admissibilidade negada. O estado interpôs agravo.
O ministro do STJ Sérgio Kukina, em decisão de 17 de agosto, apontou que o TJ-RJ, ao decidir a questão relativa à ilegalidade ocorrida na autuação realizada pelo Fisco estadual em razão de suposta omissão de receita, “amparou-se em fundamentos constitucional e infraconstitucional, qualquer um deles apto a manter inalterado o acórdão recorrido”. Por isso, não cabe recurso especial, conforme a Súmula 126 da Corte, disse o magistrado.
Sistema de monitoramento
A Secretaria de Fazenda do Rio de Janeiro implementou em dezembro de 2017 um sistema de monitoramento de divergências em empresas optantes pelo Simples Nacional e que utilizam máquinas de cartão de crédito e débito em suas vendas.
A autuação fiscal acontece quando é verificada a sonegação de tributos, a qual é identificada a partir do cruzamento das informações que o contribuinte presta à Receita Federal e os extratos que são encaminhados pelos bancos. O imposto que incide sobre essa circulação de mercadorias é o ICMS.
De acordo com o Fisco, a empresa de calçados carioca deixou de recolher esse tributo. Na ação, o advogado Pedro Vianna argumentou que a obtenção dos informes, sem autorização judicial prévia, violou a garantia constitucional do sigilo bancário.
“Além disso, é ilegal a decretação de uma infração com base apenas nas informações prestadas pelas operadoras de cartões. Há uma série requisitos que precisam ser observados para a autuação de uma empresa, os quais o Fisco necessariamente precisa seguir. Isso é colocado pela lei. O principal deles é a instauração prévia um processo administrativo ou procedimento fiscal. As informações colhidas nesses modos são indispensáveis para a análise e conclusão da apuração. Ou seja, somente após a obtenção desses dados é possível confrontar as informações obtidas junto às operadoras de cartão de crédito e débito, para, a partir daí, e, se for o caso, poder realizar a autuação. Esse foi o principal ponto discutido nos tribunais. O Fisco está de forma árbitra atropelado as etapas”, afirmou o advogado.
Vianna revelou ainda que, atualmente, há muitos estabelecimentos comerciais no Rio de Janeiro que se encontram na mesma situação. Segundo ele, essa decisão pode reforçar os contribuintes a discutirem suas autuações fiscais indevidas junto ao Poder Judiciário. “Conforme fez com a empresa de calçados carioca, o Fisco requisitou às administradoras de cartões de crédito informações bancárias de outras milhares de empresas sem que houvesse procedimento administrativo instaurado ou tampouco uma decisão administrativa”.
O advogado contou que a fiscalização não pode autuar novamente, por conta do término do prazo decadencial de cinco anos. “Se as demais empresas que, da mesma forma, foram autuadas de maneira irregular, também conseguirem a anulação, seja no TJ-RJ ou no Supremo Tribunal Federal, o Fisco estará impossibilitado de realizar nova autuação por conta do prazo expirado. E ainda, mesmo que esse prazo não tivesse sido expirado e o Fisco pudesse refazer a autuação, dessa vez instaurando procedimento administrativo conforme manda a lei, a suposta prova poderia ser considerada ilícita por derivação, visto que para a sua obtenção não foram seguidos os tramites legais”, declarou Vianna.
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AREsp 1.890.707
Por Sérgio Rodas
Sérgio Rodas é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.
Revista Consultor Jurídico, 11 de setembro de 2021.