Empresas que vendem produtos para outros Estados só poderão ser autuadas, no caso de tais mercadorias não terem, de fato, cruzado a fronteira, se o Fisco comprovar que houve má-fé. Esse foi o entendimento da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que pacificou a discussão sobre o tema nas turmas de direito público (1ª e 2ª) ao julgar processo envolvendo a Química Amparo, dona da marca de produtos de limpeza Ypê.
A empresa havia sido autuada pela Fazenda do Estado de São Paulo por ter recolhido ICMS interestadual com alíquota de 12% em operações de venda para um cliente de Minas Gerais. Isso aconteceu porque a fiscalização entendeu que a Química Amparo não conseguiu provar que os produtos saíram do território paulista e, por esse motivo, deveria arcar com o imposto estabelecido para as operações estaduais – que é mais alto. A alíquota cobrada foi de 18%.
O caso tem como pano de fundo a forma como o contrato envolvendo essas operações foi feito. A empresa e o seu cliente haviam acordado que seguiriam a sistemática da chamada “cláusula FOB”, que tem o comprador como o responsável pela retirada e transporte das mercadorias.
Especialistas no tema afirmam que a decisão do STJ representa, de maneira geral, uma vitória importante dos contribuintes. Especialmente para quem é de São Paulo, onde existem milhares de casos semelhantes.
Só a Química Amparo, segunda consta no processo, sofreu mais de 30 autuações por operações do mesmo tipo. São vendas que tiveram como compradores clientes de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Tocantins e Bahia, além do de Minas Gerais.
Isso acontece, especialmente, porque há no Estado legislação específica sobre o assunto. Consta no artigo 23 da Lei nº 6.374/89, que se o contribuinte não conseguir provar que a mercadoria chegou ao destino (como no caso da fabricante dos produtos Ypê) ficará presumido que tratou-se de operação interna. E aos que são autuados geralmente é cobrada, além da diferença do imposto, multa de 50% sobre o valor da venda.
“Eu diria que essa questão afeta basicamente todo mundo que vende para fora de São Paulo”, diz o advogado Eduardo Suessmann, sócio do Trench Rossi Watanabe. “E, devido ao percentual da multa, os valores cobrados são muito altos. Só entre os nossos clientes supera os R$ 100 milhões.”
O advogado chama a atenção para o rigor com o que o Fisco lida com a situação. Não basta, segundo ele, que o contribuinte prove que tratou-se de operação comercial regular, com emissão de nota fiscal e escrituração da venda na contabilidade. Também não é suficiente mostrar que o cliente estava em situação regular – com inscrição na repartição fiscal competente e em atividade no local indicado. “Eles têm exigido comprovante de pedágio e relatório de rastreamento de veículos”, afirma.
No caso julgado pela 1ª Seção do STJ (embargos de divergência em recurso especial nº 1.657.359), a infração teria sido cometida pela Química Amparo em vendas realizadas no ano 2000. Além da diferença de imposto, o Fisco cobrava multa punitiva e juros de mora.
Relator do caso, o ministro Gurgel de Faria afirma em seu voto que não pode ser exigida do contribuinte a fiscalização do itinerário declarado na nota fiscal. Ele destacou ainda que se o comprador deu destinação à mercadoria diversa da contratada, caberá a ele e não ao vendedor de boa-fé responder perante o Fisco para complementar o valor do imposto devido.
“Entretanto, se o Fisco comprovar que a empresa vendedora intencionalmente participou de eventual ato infracional (fraude) para burlar a fiscalização, concorrendo para a tredestinação da mercadoria (mediante simulação da operação, por exemplo), poderá ela, naturalmente, ser responsabilizada pelo pagamento dos tributos que deixaram de ser oportunamente recolhidos”, destaca o ministro.
O entendimento de Gurgel de Faria foi seguido por todos os ministros que participaram do julgamento. O processo, agora, retornará para o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) para que seja verificado se o contribuinte, nesse caso, agiu de má-fé.
Representantes da Química Amparo no caso, os advogados Eduardo Arruda Alvim, Fernando Crespo Queiroz Neves e Diego Vasques dos Santos, do escritório Arruda Alvim, afirmam que a empresa se “cercou de todos os cuidados para a verificação da regularidade da venda”. A companhia verificou, por exemplo, que o comprador da mercadoria tinha inscrição ativa e idoneidade reconhecida na época em que o negócio foi feito.
Especialista na área, Mário Costa, do Dias de Souza Advogados Associados, entende que o contribuinte de boa-fé vinha sendo injustamente prejudicado com as autuações do Fisco. “Porque ele, vendedor paulista, não tem ganho nenhum com a forma como recolhe o imposto. Porque ele inclui esse valor no preço da venda”, diz.
Já com a autuação, complementa Costa, o contribuinte “é obrigado a pagar um imposto que não foi embutido no preço das mercadorias e que, somado com a multa, quase se equipara ao faturamento inteiro daquela operação”.
A Procuradoria-Geral do Estado (PGE) de São Paulo informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que “o Estado ainda não foi intimado do teor da decisão e, assim que for, a decisão será analisada e serão interpostos os recursos cabíveis ao caso”.
Fonte: Valor-27/03/2018
Por Joice Bacelo | De São Paulo