A Fazenda Nacional tem obtido vitórias importantes na disputa sobre a exclusão de empresas do regime da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB). Uma das decisões mais recentes, no Tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª Região, que julga os casos do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, foi proferida pela 2ª Seção Especializada – que uniformiza as questões de direito tributário.
O TRF da 4ª Região, que analisa os processos do Sul do país, e o TRF da 5ª Região, que tem sob a sua jurisdição seis Estados do Nordeste (Alagoas, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe), também têm entendimento semelhante. Mas as decisões são de turmas.
Essa discussão gira em torno, principalmente, da Lei nº 13.670, de maio do ano passado, que reduziu de 28 para 17 o número de setores que podem optar por contribuir para a previdência por meio do regime da CPRB. A alíquota, nesse caso, varia entre 2,5% e 4,5% sobre a receita bruta da empresa.
Quem não pode optar pela CPRB, tem, obrigatoriamente, que se sujeitar à tributação de 20% sobre a folha de salários. A Lei nº 13.670 deu prazo de 90 dias para que os setores excluídos se organizassem e mudassem de regime. Entre eles, estão o hoteleiro, navegação, transporte aéreo e marítimo e algumas empresas do varejo.
Logo após a edição da lei, muitos dos contribuintes excluídos recorreram ao Judiciário. A Fazenda Nacional estima que existam cerca de mil ações sobre o tema. Eles alegam, principalmente, que fizeram uma opção irretratável no começo começo do ano e, por esse motivo, deveriam ter o direito de permanecer no regime da CPRB pelo menos até o fim do exercício de 2018.
Os desembargadores que compõe a 2ª Seção do TRF da 2ª Região entenderam, no entanto, que a regra da “opção irretratável” não pode ser aplicada à União. “O fato de a legislação ter previsto para o contribuinte a possibilidade de optar em caráter irrevogável, em cada ano calendário, não lhe conferiu direito adquirido àquele determinado regime jurídico, que pode ser modificado a partir do advento de nova legislação constitucionalmente válida”, afirma o relator, desembargador Luis Antonio Soares, em seu voto.
Os julgadores analisaram o tema por meio de um recurso apresentado pela CBO Serviços Marítimos, empresa do setor de navegação que atua no Estado do Rio de Janeiro (processo nº 5000747-37.2018. 4.02.0000). A decisão não tem efeito vinculante, mas como a 2ª Seção uniformiza o entendimento das turmas de direito tributário, poderá servir como precedente para os demais casos em tramitação.
“Tem um peso indiscutível de convencimento porque mostra como o tribunal deve passar a julgar essa questão daqui para frente”, diz Gilson Bomfim, procurador-chefe da Divisão de Acompanhamento Especial da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) na 2ª Região.
Ele entende a CPRB como um benefício fiscal e afirma, sob essa ótica, que o poder público tem o poder de revogar se perceber que a medida não está se mostrando eficiente. “Não estava gerando postos de trabalho e, em contrapartida, tinha um custo muito alto para o governo”, comenta Bomfim. Para ele, nesses casos, é até “impositivo” que o poder público tome providências.
O procurador afirma ainda que a segurança jurídica e a não surpresa se concretizaram porque a Lei 13.670 previu a anterioridade nonagesimal – ou seja, não teve efeito imediato.
Especialista na área de tributação, a advogada Gabriela Jajah, do escritório Siqueira Castro, diz que houve uma reviravolta depois que o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Dias Toffoli, suspendeu os efeitos de uma liminar que beneficiava os associados da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
Na decisão, porém, ele não trata sobre a regra da opção irretratável nem sobre o princípio da anterioridade. A abordagem do ministro teve como mote a necessidade de redução do déficit da Previdência Social. “O ministro Dias Toffoli tem se mostrado sensível às causas que impactam o erário. Mas isso não deveria servir como argumento para tratar de direito tributário”, observa a advogada.
Antes, o que se via eram decisões majoritariamente favoráveis às empresas. Gabriela Jajah recorda que em 2017, com a edição da Medida Provisória (MP) 774, que também excluiu setores da lista da CPRB, houve uma primeira movimentação dos contribuintes ao Judiciário e a maioria obteve decisão para permanecer sujeita ao regime até o fim daquele exercício.
“Porque a própria lei federal da CPRB diz que o regime é irretratável para o ano-calendário. Houve um comprometimento do governo de que essa opção seria válida para o exercício”, enfatiza a advogada.
O Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região, em São Paulo, tem decisões de turma sobre esse assunto e, segundo advogados, o balanço é favorável aos contribuintes. Existem pelo menos três decisões recentes: duas na 2ª Turma (processos nº 5031920-52.2018.4.03.0000 e nº 5002541-32.2019.4.03.0000) e um na 1ª Turma (processo nº 5020905-86.2018.4.03.0000). Os desembargadores têm levado em conta a regra da “opção irretratável”, que, se descumprida, “atenta contra a segurança jurídica”.
“A alteração promovida pela Lei nº 13.670 viola também a boa-fé objetiva do contribuinte, que, na crença da irretratabilidade da escolha, planejou suas atividades econômicas frente ao ônus tributário esperado”, afirma o desembargador Luiz Alberto de Souza Ribeiro em uma das decisões proferidas pela 2ª Turma.
Uma mudança de regra no “meio do jogo” tem impacto direto nas operações das empresas, comenta o advogado Alexandre Insfran, do escritório Demarest. “Em investimentos, contratações, políticas de bônus e PLR. Porque se faz uma projeção, se estabelecem metas, e essas metas podem deixar de ser cumpridas em razão de uma carga de tributos inesperada”, diz.
Pedro Ackel e Fernando Campos, do escritório WFaria, ponderam que a lei de 2018 não revogou o artigo 9º, parágrafo 13, da Lei nº 12.546, de 2011, que trata da CPRB e determina a opção como irretratável para o ano todo. Não consta nesse dispositivo, ainda, eles chamam a atenção, que essa regra deva ser cumprida somente pelos contribuintes.
Fonte: VALOR ECONÔMICO – Joice Bacelo – 11 de julho de 2019