AÇÃO ANULATÓRIA. ESTIMATIVAS DE IRPJ. ERRO NA APURAÇÃO DE DESCONTO A TÍTULO DE IRRF. LAUDO PERICIAL QUE ATESTOU CRÉDITO EM FAVOR DO CONTRIBUINTE, CONQUANTO INFERIOR AO PLEITEADO. MÉTODO DE APURAÇÃO CORRETO. REGIME DE CAIXA. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 7º DA LEI 8.541/1992. INEXISTÊNCIA DE ANTINOMIA FACE AO ARTIGO 3º, III DA MESMA LEI. INÉRCIA FAZENDÁRIA ANTE A INTIMAÇÃO PARA MANIFESTAR-SE SOBRE O LAUDO PERICIAL. APRESENTAÇÃO DE CONSIDERAÇÕES APÓS APELAÇÃO. PRECLUSÃO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO. INOCORRÊNCIA. SUCUMBÊNCIA. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. HONORÁRIOS DEVIDOS À UNIÃO, APESAR DO PROVIMENTO PARCIAL DO PEDIDO INICIAL.
1. O apelo do contribuinte assume por premissa implícita verdadeira antinomia na Lei 8.542/1992, ao defender que o artigo 3º da lei prevê cálculo de descontos da base de cálculo do IRPJ, a título de IRRF, sob o regime de competência, ao passo que o artigo 7º do mesmo diploma expressamente determina a aplicação do regime de caixa. Não obstante, incabível a interpretação deliberadamente conflitiva destes preceitos – aliás, é regra basilar de hermenêutica que, se existente mais de uma leitura possível de determinada norma, deve ser repelida aquela que coloca regras de um mesmo sistema normativo em contradição entre si. Deveras, o apelo não elucida a razão pela qual entende o artigo 7º inaplicável ao caso, para fim de afastar a linear conclusão de que o desconto do IRRF na base de cálculo do IRPJ exige que a obrigação respectiva haja sido paga.
2. O cerne da tese é a ponderação de que “incidência” seria termo oponível a “pagamento”, determinando apuração sob regime de competência do crédito de IRRF. A ilação – para além de ocasionar a antinomia acima descrita -, carece de base dogmática: a “incidência” do IRRF, a rigor, se dá, justamente, no momento do pagamento, quando ocorre, propriamente, a retençãoque dá nome ao tributo. De fato, não há como se conceber o represamento parcial dos valores pagos à empresa, a título de tributação, sem nenhum ato do adimplemento. Registre-se que a explanação não impede ou nega a existência de normas que antecipem a tributação, sob qualquer aspecto. Apenas quer destacar-se que a oposição estabelecida pelo apelo, além de indevida, em termos sistêmicos, é também insubsistente, sob enfoque dogmático.
3. De mais a mais, a possibilidade da apuração de base de cálculo sob regime de competência e de eventuais deduções em regime de caixa é matéria pacífica na jurisprudência (inclusive julgada em sistemática de recursos repetitivos), como também o é a aplicabilidade do regime de caixa para tais descontos.
4. A ausência de manifestação do Fisco a respeito do laudo pericial, suscitada no apelo fazendário, decorre da própria inércia da ré. Com efeito, ao acolher o pedido de dilação de prazo, em 60 dias, para que as autoridades administrativas examinassem o laudo produzido pelo perito judicial, O Juízo a quo esclareceu que não seria aberta vista automática à Fazenda Nacional quando do escoamento do lapso temporal deferido. Desta decisão tomou ciência expressa a ré, mas, todavia, permaneceu silente após o decurso do prazo que requerera.
5. Nesta linha, há que se considerar por preclusa a oportunidade de apresentação da manifestação da Receita Federal ao laudo pericial. Por esta razão, o documento juntado pelo órgão fazendário, já depois da interposição de apelação, não comporta apreciação. Ainda que assim não fosse, constata-se que a manifestação fazendária limita-se a impugnar, genericamente, a documentação utilizada pelo perito para o cálculo do crédito da autora, exigindo a apresentação de declarações fiscais oficiais de seus tomadores de serviço (afigurando-se de pronto despropositado o condicionamento do direito de determinado contribuinte ao atendimento de obrigações acessórias por outro) – sem apontar, contudo, qualquer deficiência específica no acervo utilizado pelo laudo pericial para a confecção de seus estudos. Assim, por não infirmar o valor probatório do laudo, de toda a forma, nada colhe a intempestiva irresignação fazendária.
6. A suscitada inércia do contribuinte na esfera administrativa não impede a iniciativa de discussão judicial do direito, por força da garantia constitucional de acesso ao Judiciário, que exige a autonomia entre tais esferas (administrativa e judicial). A questão, contudo, é relevante face ao princípio da causalidade, pois revela a parte que, afinal, praticou conduta determinante ao ajuizamento da ação. Portanto, dado que desde a inicial a autora admite ter se equivocado na apuração de seus tributos – ao passo que a Fazenda Nacional, por sua vez, fez prova de que o contribuinte não apresentou documentação quando assim requisitado – descabe a condenação da União em honorários advocatícios.
7. Revertida a sucumbência recíproca declarada na origem, considerando-se o grau de zelo dos patronos da ré, o lugar de prestação do serviço, a natureza da causa e o tempo exigido de serviço para a defesa da parte, além do provimento parcial do presente recurso e do fato que a Fazenda Nacional não obteve proveito econômico ou condenação em seu favor, fixam-se honorários em 11% do valor da causa, nos termos do artigo 85, § 2º, I a IV, § 4º, III, e § 11, do CPC/2015.
8. Apelação do contribuinte desprovida. Apelação fazendária e remessa oficial providas em parte. TRF 3, Apel. 0017825-77.2014.4.03.6100/SP, DJ 05/03/2018.