Temor é que imposto sobre consumo avance na parcela que hoje cabe aos governos regionais, incluindo os municípios.
Não é pacífico o entendimento que a proposta do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) em preparação no governo federal vá se acoplar perfeitamente à reforma tributária em análise na Câmara dos Deputados. “De antemão, temos preocupação com o risco de o imposto sobre o consumo da União avançar na base de Estados e municípios”, disse ao Valor o presidente do Comitê dos Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz), Rafael Fonteles.
Ele ressalvou que não falou em nome do grupo, que ainda não tem uma posição fechada a respeito da proposta. No entanto, há clara diferença entre o que pretende o governo federal e a reforma tributária desenhada pelos Estados.
O Comsefaz elaborou uma proposta que tem apoio unânime das 27 unidades da Federação, fato inédito desde a promulgação da Constituição de 1988. Foi formatada como uma emenda e apresentada na Câmara e no Senado, onde estão em análise duas propostas distintas de reforma tributária, as PECs 45 (Câmara) e 110 (Senado).
No desenho feito pelos Estados, são tratados em conjunto todos os impostos que incidem sobre o consumo: a contribuição ao Programa de Integração Social (PIS), a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o Imposto sobre Serviços (ISS), para formar o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).
Já o governo federal propõe alterações só nos tributos de sua responsabilidade, e de forma fatiada: primeiro a fusão do PIS e da Cofins, depois a conversão do IPI em um Imposto Seletivo, depois a reforma do Imposto de Renda e finalmente a desoneração da folha.
“Não dá para reformar os impostos sobre o consumo sem envolver todos eles”, afirmou Fonteles. “A preocupação é termos os Estados, os municípios e a União brigando pela mesma base de arrecadação.”
Na última quarta-feira, o secretário da Receita Federal, José Barroso Tostes Neto esteve na Câmara dos Deputados e foi bastante questionado sobre o fatiamento.
Em resposta, explicou que o governo federal não quer interferir na regulação de tributos que não são de sua responsabilidade. E que a reforma dos impostos e contribuições federais será feita de forma harmônica com a dos Estados e municípios, em análise no Congresso. Ao final, as peças serão reunidas e a reforma ficará completa.
Fonteles vê essa proposta com cautela quanto à sua efetividade. Ele acha que a União deveria tratar dos tributos de Estados e municípios em sua proposta e liderar o processo.
Atualmente, a Câmara dos Deputados aguarda o posicionamento do governo federal para seguir com a análise da PEC 45. Enquanto isso, a área técnica do Legislativo trabalha nas propostas de lei que vão complementar a reforma, de modo que os deputados poderão analisar a reforma já sabendo como serão os detalhes de sua implementação.
Fonteles concorda com a ideia de reduzir a tributação sobre o consumo e aumentar a cobrança sobre renda e patrimônio, informada por Tostes na reunião com os deputados. “Mas eventual alteração no cálculo do Imposto de Renda não pode significar a redução dos repasses do FPE”, disse, referindo-se ao Fundo de Participação dos Estados. Pelo contrário, as unidades da Federação lutam pelo aumento dos volumes do FPE e apresentaram uma PEC propondo essa modificação. Nos últimos 20 anos, disse o presidente do Comsefaz, os Estados viram sua participação na receita tributária encolher 5%. “Queremos recuperar essa participação”, afirmou.
É por essa razão que os secretários estão analisando com muita cautela as propostas do Pacto Federativo. O governo federal propôs repassar R$ 400 bilhões de suas receitas com royalties de petróleo aos Estados e municípios, ao longo dos próximos 15 anos.
Por outro lado, quer proibir o Tesouro Nacional de socorrer unidades da Federação que estejam financeiramente quebradas, acabar com a disputa judicial em torno de mais repasses a Estados por perdas ocasionadas pela Lei Kandir, que desonerou as exportações de produtos básicos e semielaborados, e deixar de dar aval a operações de crédito que não sejam contratadas com organismos internacionais.
É um pacote duro que impactará de forma diversa as unidades da Federação. Estados pouco endividados, por exemplo, podem se ressentir da restrição na tomada de novos empréstimos. Estados exportadores podem não querer abrir mão dos repasses da Lei Kandir. Além disso, ressaltou Fonteles, a receita do petróleo é incerta. Depende da situação do mercado internacional.
Cálculos sobre ganhos e perdas estão sendo feitos e o Comsefaz pretende tomar uma posição conjunta no próximo dia 12. A partir dela, serão elaboradas propostas de emenda a serem apresentadas ao Congresso Nacional.
FONTE: Valor Econômico – Por Lu Aiko Otta – 25 de novembro de 2019