A Portaria do Ministério da Fazenda 12/2012 — que, de acordo com o site do referido ministério, continua em vigor — prevê expressamente, no caput do seu artigo 1º, que “as datas de vencimento de tributos federais administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, devidos pelos sujeitos passivos domiciliados nos municípios abrangidos por decreto estadual que tenha reconhecido estado de calamidade pública, ficam prorrogadas para o último dia útil do terceiro mês subsequente”.
Note-se que, quando referida norma foi editada, o Ministério da Fazenda sequer poderia ter previsto a pandemia mundial do coronavírus (Covid-19). Esse fato, contudo, é irrelevante para a aplicação da referida norma que prevê apenas um requisito para a sua aplicação: a decretação de calamidade pública pelos estados, que já ocorreu, por exemplo, nos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro.
Portanto, seja em virtude da aplicação literal ou finalística da norma, a conclusão a que se chega é que todos os contribuintes que sejam residentes ou domiciliados no referido estado fariam jus à postergação do recolhimento dos tributos.
Dessa forma, o contribuinte que observar o referido dispositivo legal não poderia sujeitar-se à imposição de penalidades, bem como à cobrança de juros de mora e atualização do valor monetário, nos termos do parágrafo único do artigo 100 do Código Tributário Nacional.
Não se pode deixar de destacar que o artigo 3º da referida portaria estabelece que a Receita Federal do Brasil e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional deveriam expedir, nos limites de suas competências, os atos necessários para a implementação do disposto nesta portaria, inclusive a definição dos municípios com relação aos quais o estado de calamidade pública seria aplicável.
Assim, foi editada, pela Receita Federal do Brasil, a Instrução Normativa 1.243/2012, que, entre outros pontos, determinou a suspensão dos prazos para o cumprimento de obrigações acessórias.
Além da referida regulamentação, no cenário atual, é totalmente desnecessária a expedição de qualquer outra norma, uma vez que, infelizmente, não se trata de calamidade pública que se limite a determinados municípios, mas, a todos os municípios, já tendo sido, inclusive, declarada situação de calamidade pública pela União.
A possibilidade de pagamento de tributo em atraso, sem aplicação, ao menos de qualquer penalidade, nem sequer deveriam estar regulamentada por portaria, pois, em estados excepcionais como o que estamos vivenciando, há diversos princípios constitucionais que podem ser invocados pelo contribuinte para o recolhimento de seus tributos em atraso, sem penalidade, dentre os quais se destaca o princípio da boa-fé do contribuinte e o princípio da razoabilidade.
De qualquer forma, a fim de garantir a segurança jurídica, a exemplo do que tem feito outros países, como por exemplo, os Estados Unidos da América e a Alemanha, o Brasil poderia vir a editar normas específicas para que não paire quaisquer dúvidas sobre a possibilidade de pagamento de tributos em atraso.
Caso não venham a ser editadas normas que permitam a possibilidade do recolhimento de tributos em atraso, sem, ao menos, a aplicação de penalidade, os contribuintes podem buscar o reconhecimento do referido direito perante o judiciário.
Por Maurício Faro e Thais de Barros Meira
Maurício Faro é sócio da área tributária do Barbosa, Müssnich, Aragão Advogados.
Thais de Barros Meira sócia da área tributária do Barbosa, Müssnich, Aragão Advogados.
Revista Consultor Jurídico, 26 de março de 2020.