Os desafios trazidos pela pandemia de Covid-19 nos defrontaram com algumas constatações, sendo uma delas o caráter imutável do custo das oportunidades. Tivemos que tomar decisões e agir muito rapidamente, sem o habitual e devido planejamento, e, se nem todas as nossas escolhas foram as melhores possíveis, debitamos esse ônus na conta da impremeditável calamidade global que se instalou. Passados pouco mais de quatro meses desde que começamos a viver esse “novo normal”, já é possível refletirmos sobre os valores das nossas decisões – à parte aspectos econômicos ou financeiros.
De forma repentina, tivemos que transformar a nossa casa em home office. Mas o improviso inicial deu lugar à organização e, prontamente, instalamos um comitê de gerenciamento de crise, envolvendo o Conselho Federal (CFC) e os Conselhos Regionais de Contabilidade (CRCs). Através do uso de diferentes ferramentas, estabelecemos uma eficiente comunicação a distância e, dessa forma, permanecemos em constante conexão, com a finalidade de nos mantermos ao lado da classe e de darmos respostas rápidas às dificuldades que começaram a brotar em abundância.
Um dos principais desafios com os quais nos deparamos foi continuarmos atualizados diante da enxurrada de atos normativos que se seguiu. De março a julho deste ano, em razão da pandemia, houve quase 3.000 mudanças na legislação, em âmbitos federal e estaduais, alterando a rotina das empresas.
Em meio a esse “deus nos acuda”, profissionais e organizações contábeis arcaram com a responsabilidade de ajudar os empresários, em especial os micros e pequenos empreendedores, a entenderem rapidamente essas alterações normativas para agirem e continuarem produzindo, preservando emprego e renda. Resultado: mais de 15 milhões de acordos foram celebrados, até o final de julho, com a ajuda da classe contábil, no âmbito do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, instituído pela Medida Provisória nº 936/2020.
Para que profissionais e organizações contábeis pudessem assessorar devidamente os empresários brasileiros em meio à repentina tormenta econômica e trabalhista que se instalou, o CFC estreitou as relações e a comunicação com vários órgãos do Governo, como a Secretaria do Trabalho e Previdência, a Secretaria do Tesouro Nacional, a Secretaria Especial da Receita Federal, a Secretaria Especial da Micro e Pequena Empresa, todos do Ministério da Economia, a Caixa Econômica e outros, além da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, da Comissão de Valores Mobiliários, do Sebrae e de entidades do setor contábil.
Logo que a MP nº 936 foi publicada, em 1º de abril, fizemos uma live com a presença do secretário-adjunto do Trabalho, Ricardo de Souza Moreira, e do juiz federal do Trabalho Marlos Augusto Melek, no dia 6, para sanar dúvidas. Novamente, no dia 14 de abril, tiramos dúvidas ao vivo sobre as MPs nº 927 e nº 936, mais uma vez contando com a presença do juiz Marlos Melek. Em 26 de junho, tratamos do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe) e, em várias outras ocasiões, falamos à classe contábil, em transmissões ao vivo pelo canal do CFC no YouTube, para ajudar a esclarecer novos regulamentos.
Fizemos vários pedidos à Receita Federal para prorrogação de prazos de entrega de obrigações acessórias, como da Declaração Anual do Simples Nacional (DASN), da Escrituração Contábil Digital (ECD), da Escrituração Contábil Fiscal (ECF) e da Declaração do IRPF, entre outros; solicitamos à Caixa Federal a prorrogação do prazo para recolhimento da primeira parcela do FGTS das competências de março, abril e maio de 2020; intermediamos reivindicações da classe com órgãos do Governo; elaboramos FAQ sobre a versão 3.0 do empregador Web, juntamente com a Dataprev e empresas de software; e elaboramos cartilha sobre o Pronampe.
Para não ser exaustivo, cito apenas esses exemplos dentre o amplo trabalho que vimos fazendo, desde o início do estado de calamidade pública decretado por causa da pandemia, para apoiar os profissionais e organizações contábeis na tarefa de auxiliarem milhões de empresas brasileiras.
Como um alento em meio a esse esforço, o caráter essencial da nossa profissão foi oficialmente reconhecido, por muitos estados, que incluíram a atividade contábil entre aquelas que poderiam continuar a operar na quarentena – juntamente com os serviços de saúde, bancos, supermercados e outras empresas de alimentação.
Porém, como disse no início deste artigo, todo processo de tomada de decisão tem seus riscos. Para nos mantermos conectados, fazendo uso do acesso remoto aos servidores do CFC, ficamos vulneráveis a ações de criminosos cibernéticos, que invadiram o site do CFC e danificaram uma grande parte dos sistemas. Aos poucos, estamos reconstruindo tudo.
Outro ponto que gostaria de destacar, quando falo em tomada de decisão e os riscos implícitos nesses processos, é a realização do Exame de Suficiência por meio de plataforma on-line. Durante cerca de três meses, fizemos dezenas de discussões e elaboramos análises que pudessem nos guiar a uma boa decisão. Em respeito às 40 mil pessoas que já estavam inscritas antes de a pandemia se espalhar pelo Brasil e, diante da falta de perspectivas do retorno seguro das provas presenciais, decidimos por aplicar a prova na forma on-line.
A realização desta edição do Exame será muito importante e vai nos dizer qual será o futuro da prova: se voltará a ser presencial ou se irá se consolidar por via eletrônica.
Esta não foi uma decisão fácil e exigiu de nós coragem para enfrentar um grande desafio. Mas, diante da escassez de opções, nos recusamos a cruzar os braços e simplesmente esperar o tempo passar, enquanto milhares de pessoas estavam à nossa espera. Optamos por confiar na tecnologia e buscar o novo, esse mesmo “novo” que chegou de repente e tirou as nossas vidas do “normal”.
Hoje vivemos uma realidade que passou por ruptura do seu curso natural. O presente deu um salto para o futuro, e nós precisamos estar preparados para romper com modelos do passado. Embora sempre vá haver riscos, há oportunidades à frente. Resta a nós encontrarmos as melhores escolhas, e, para isso, contamos com o apoio essencial da classe contábil brasileira.
Por Zulmir Breda,
Presidente do Conselho Federal de Contabilidade (CFC)