Ao decidir a respeito da incidência de ICMS sobre importação feita por quem não é comerciante, o Supremo Tribunal Federal acabou por contradizer entendimento firmado anteriormente. Isso porque a corte usou uma repercussão geral para decidir de forma diversa de sua própria jurisprudência.
No último dia 16, o STF decidiu que é constitucional a incidência de ICMS sobre operações de importação efetuadas por pessoa física ou jurídica, mesmo que elas não se dediquem habitualmente ao comércio ou à prestação de serviços.
Ocorre que a corte já havia fixado entendimento semelhante em 2014, quando julgou, também em repercussão geral, o Tema 171 (RE 439.796). O relator do caso foi o então ministro Joaquim Barbosa. Na ocasião, o Supremo determinou que só haveria a tributação caso lei estadual promulgada depois da Emenda Constitucional 33/01 e da Lei Complementar 114/02 previsse a incidência do ICMS.
Agora, no julgado deste mês, a corte decidiu que leis estaduais promulgadas depois da EC 33/01, mas antes da LC 114/02 (ou seja, entre a vigência dos dois diplomas), também são válidas:
“I – Após a Emenda Constitucional 33/2001, é constitucional a incidência de ICMS sobre operações de importação efetuadas por pessoa, física ou jurídica, que não se dedica habitualmente ao comércio ou à prestação de serviços, devendo tal tributação estar prevista em lei complementar federal.
II – As leis estaduais editadas após a EC 33/2001 e antes da entrada em vigor da Lei Complementar 114/2002, com o propósito de impor o ICMS sobre a referida operação, são válidas, mas produzem efeitos somente a partir da vigência da LC 114/02″.
Ao fixar a nova tese, o STF não cancelou o tema 171, de 2014. Ou seja, agora há simultaneamente dois entendimentos díspares a respeito da incidência do ICMS em importações efetuadas por pessoa física e jurídica.
RE 1.221.330
A corte julgou o Recurso Extraordinário 1.221.330, que teve como relator o ministro Luiz Fux. Em seu voto, ele reafirmou que a corte já fixou entendimento sobre a controvérsia no Tema 171.
“A incidência de ICMS sobre operação de importação por não contribuinte é constitucional se ocorrer após a EC 33/01 e desde que também esteja fundado em legislação local que tenha adotado adequadamente essa alteração de regra-matriz em data posterior à LC 114/02”, disse.
Fux foi voto vencido. A maior parte da corte seguiu entendimento do ministro Alexandre de Moraes, responsável por propor a nova tese. Ele justificou a decisão afirmando que “no julgamento do Tema 171 não houve debate acerca da possibilidade (ou não) de lei local instituir o tributo após a EC 33/01, porém antes da LC 114/02”.
O advogado Augusto Fauvel de Moraes, que atuou no caso defendendo um homem que importou uma Mercedes, afirma que, em relação à mudança jurisprudencial do STF em relação a conflito idêntico ao definido em 2014, o que gera insegurança jurídica é o fato da corte não ter cancelado o Tema 171, nem modulado o novo entendimento.
“Como forma de preservar a segurança jurídica dos contribuintes e validar a possibilidade de mudança radical de entendimento do STF, a corte poderia, em embargos, decidir pela modulação dos efeitos da nova decisão. Este entendimento não pode, conforme aconteceu, retroagir”, afirma.
Além disso, pontua, “há de se destacar que estamos em período de pandemia e tivemos um julgamento de extrema importância e relevância aos contribuintes, sem que houvesse oportunidade para manifestação pelas partes e para amicus curiae, dado que a lógica da repercussão geral foi invertida, tendo sido o caso do RE 1.221.330 ‘pinçado’ à repercussão geral no curso da votação”.
TJ-SP
Fauvel mostra o que para ele é um exemplo prático sobre como a mudança pode gerar insegurança jurídica: no último dia 20, depois da mudança jurisprudencial do Supremo, a 12ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu conflito a respeito da incidência do ICMS com base no Tema 171, de 2014, não com base no novo entendimento do STF.
“A decisão combatida encontra-se em conformidade com a tese fixada pelo STF no tema 171, oportunidade na qual consignado que, embora válidas as disposições da EC 33/01, a incidência do ICMS sobre importação operadas por contribuintes não-habituais somente seria possível caso existente lei estadual disciplinando tal modalidade de cobrança do imposto, e desde que tal legislação fosse posterior à modificação constitucional e à edição de lei federal complementar apta a constituir norma geral de balizamento à atuação dos entes federativos”, afirmou o relator do caso, desembargador José Orestes de Souza Nery.
Para Fauvel, “acerca do mérito da recente decisão do STF não adianta mais falar nada. Mas acredito que haverá muita resistência na aplicação do novo entendimento do STF”.
RE 1.221.330
Por Tiago Angelo
Tiago Angelo é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 27 de junho de 2020.
https://www.conjur.com.br/2020-jun-27/entendimento-stf-icms-gera-inseguranca-juridica