Uma empresa em recuperação judicial conseguiu liberar bens penhorados pela Fazenda Nacional antes do início do processo de recuperação. A decisão foi proferida pela 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro e chancelada, recentemente, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Decisões nesse sentido são pouco comuns, segundo advogados, e se prevalecerem podem dar fôlego para as companhias em crise continuarem no mercado. Até agora se tinha notícias de um único caso, de 2016, em favor de uma empresa de São Paulo.
A situação da companhia do Rio de Janeiro era crítica. Praticamente todo o seu estoque de matéria-prima estava retido para o pagamento de dívidas tributárias e se a penhora fosse mantida ela dificilmente sobreviveria. “A mercadoria era necessária para o giro da empresa”, diz a advogada Juliana Bumachar, sócia do Bumachar Advogados Associados e representante da companhia no processo.
A advogada detalha que a empresa, quando entrou com o pedido de recuperação, apresentou liminar para aderir ao parcelamento oferecido pelo Fisco para as companhias em crise – que tem base na Lei nº 13.043, de 2014, e permite o pagamento da dívida em até 84 parcelas – e, paralelamente, pediu ao juiz que liberasse a penhora dos seus bens.
“Não é que ela não quisesse pagar a dívida. Ela queria. Mas o Fisco não permite a adesão ao parcelamento sem a garantia”, contextualiza Juliana Bumachar.
O juiz da 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, onde tramita o processo de recuperação judicial da companhia, atendeu o pedido e enviou ofício comunicando a decisão para a 3ª Vara de Execuções Fiscais da Justiça Federal – onde corre o processo da Fazenda Nacional contra a empresa devedora.
Esse caso foi levado ao STJ por meio de um conflito de competência (CC 159998). Isso porque o juiz federal entendeu diferente do juiz da recuperação judicial e determinou que os bens continuassem retidos. “Como a penhora de bens se deu em momento anterior à notícia de recuperação judicial, a constrição deverá ser mantida”, havia afirmado na decisão a juíza Fernanda Duarte Lopes Lucas da Silva.
A 2ª Seção do STJ, que julgou o conflito de competência, entendeu, no entanto, que não caberia à Justiça Federal, mas sim ao juiz que trata da recuperação judicial definir sobre atos de constrição e expropriação de bens do patrimônio da empresa.
“Muito embora a execução deva prosseguir, compete ao juízo da recuperação melhor avaliar como a expropriação patrimonial deverá ser efetivada, salvaguardando assim o escopo da preservação da empresa contido na Lei nº 11.101”, afirma o ministro Marco Buzzi, relator do caso. O entendimento foi seguido de forma unânime pelos demais integrantes da 2ª Seção.
O caso envolvendo a empresa de São Paulo, que teve decisão proferida em 2016, é um pouco diferente. A Fazenda Nacional havia leiloado imóveis da devedora e precisou liberar o dinheiro decorrente da arrematação – que já estava depositado na conta da execução fiscal. A determinação foi do juiz da recuperação judicial, da 4ª Vara de Piracicaba.
Ele entendeu que o montante deveria ser destinado ao pagamento de credores trabalhistas. Isso porque, na hipótese de a companhia ir à falência, os trabalhadores teriam preferência em relação ao Fisco para o recebimento.
Esse caso também foi levado ao STJ por meio de um conflito de competência (CC nº 144.157), em razão de decisões divergentes da Justiça do Estado e da Justiça Federal. A penhora de imóveis da devedora havia sido autorizada pelo juiz federal em abril de 2015 e o pedido de recuperação judicial foi aceito pelo juiz do Estado em agosto do mesmo ano. Já o leilão ocorreu no mês de novembro.
“É certo que os valores auferidos devem ser remetidos ao juízo da recuperação, a quem é atribuída a competência de sobre eles deliberar”, afirma, em decisão monocrática, o ministro Luis Felipe Salomão.
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) também se manifestou sobre o assunto. Um ano depois da decisão do ministro Salomão, a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial julgou um recurso da Fazenda Nacional e manteve o entendimento da primeira instância (processo nº 221 3574-19.2016.8.26.0000).
“Está em trâmite um procedimento concursal, não sendo viável propor a aplicação das regras gerais e atinentes à execução singular”, afirma em seu voto o relator, desembargador Fortes Barbosa
Julio Mandel, sócio do escritório Mandel Advocacia, atuou para a empresa de São Paulo. Ele chama a atenção que a situação do Fisco é diferente da dos demais credores porque as dívidas tributárias não se sujeitam ao processo – que geralmente têm planos de pagamentos aprovados com prazo de carência, descontos e em parcelas.
“Para o credor comum, se o plano é aprovado e a dívida renovada, a execução se extingue”, diz. O advogado comenta, no entanto, que o objetivo da Lei de Recuperação Judicial e Falências é o de “recuperar a empresa” e não “o crédito” e que se ela se mostrar viável, todas as partes, inclusive o Fisco, têm de fazer esforços. “Porque a empresa viva está pronta para pagar impostos, gerar emprego e riqueza”, observa.
Há uma tendência de que bens essenciais para a empresa cumprir o seu plano só podem ser constritos ou alienados com a autorização do juiz da recuperação judicial, afirma a advogada Laura Bumachar, sócia do escritório Dias Carneiro. Isso já acontece, por exemplo, com os pedidos de penhora que são feitos durante o processo: o juiz da execução fiscal encaminha para o da recuperação e este decide como fazer.
A advogada destaca que existem reiteradas decisões do STJ sobre esse assunto. “Porque, sendo bem essencial, pode inviabilizar a recuperação da empresa”, diz. “Há novidade em relação à penhora anterior ao processamento da recuperação judicial, mas não me impressiona, já que está justamente dentro dessa tendência”, acrescenta.
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) foi procurada pelo Valor, mas não deu retorno até o fechamento da edição.
FONTE: Valor Econômico – Por Joice Bacelo – 29 de julho de 2019